Com o objetivo de reforçar a importância das vacinas, o Brasil comemora em 17 de outubro, o Dia Nacional da Vacinação, data que promove a importância da imunização no controle de epidemias.
Entretanto, há algo preocupando os órgãos sanitários do mundo todo. Trata-se da baixa cobertura vacinal que vem sendo registrada no Brasil, principalmente no que diz respeito a vacinação infantil.
O país, que já foi referência para o mundo em relação a vacinas, hoje corre o risco de ter novamente doenças consideradas erradicadas.
A realidade é que a cobertura vacinal está em queda no Brasil desde 2015. Sem atingir as metas de vacinação, o país pode voltar a enfrentar surtos de doenças que já haviam sido eliminadas, como a poliomielite.
Um alerta veio da Organização Panamericana de Saúde (Opas), que listou o Brasil entre os 12 países com alto risco de surto de poliomielite, também conhecida como paralisia infantil, e que teve seu último caso registrado no Brasil em 1989.
Conforme explicou a entidade, a cobertura vacinal contra caiu abaixo de 80% em quase toda a América do Sul, e a polio pode se espalhar rapidamente entre comunidades com cobertura vacinal insuficiente.
Na questão brasileira, o problema é atestado pelo Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI), reunidos pelo setor de informática do Sistema Único de Saúde (Datasus).
De acordo com os dados, neste ano de 2022, desde janeiro até a segunda semana de setembro, o índice geral de cobertura vacinal da população brasileira estava em 44,11%, muito abaixo dos índices mínimos recomendados pelo Ministério, que são entre 90% e 95%, índices que foram alcançados na média geral pela última vez em 2015, quando a cobertura foi de 95,07%. No ano passado, ele foi de somente 59,94%.
A desinformação é, sem dúvidas, a principal responsável pelos elevados índices de pessoas não vacinadas, mas ela não é a única causa. Dentre os fatores, destacam-se a pandemia de covid-19 e as fake news espalhadas por movimentos anti-vacinas que cresceram muito nos últimos anos.
O Brasil Escola conversou com o pediatra e sanitarista Daniel Becker sobre essas questões. O médico é mestre em Saúde Pública pela Fiocruz, foi o primeiro médico brasileiro a trabalhar com Médicos sem Fronteiras (1988), e um dos criadores da Estratégia Saúde da Família, o maior programa do Ministério da Saúde.
Dirigiu por 20 anos o Centro de Promoção da Saúde, referência em saúde de comunidades populares e foi coordenador de programas de Dreyfus Health Foundation para América Latina e Caribe. Além disso, é docente de Saúde Pública na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colaborador do UNICEF e da OMS.
É pioneiro da Pediatria Integral no Brasil - uma prática que amplia o olhar e o cuidado para promover o desenvolvimento pleno e o bem estar da criança e sua família. Escreve nas redes no perfil @pediatriaintegralbr do Instagram, que conta com mais de 500 mil seguidores.
Daniel é categórico: se as vacinas não tivessem sido desenvolvidas, muitas dessas doenças ainda estariam entre nós e as pessoas estariam mais assustadas. O que comprova que elas foram muito efetivas e, praticamente, erradicaram as doenças para as quais elas foram criadas.
Para ele, as pessoas se desacostumaram a ver essas doenças e passaram a ignorar a sua existência. Portanto, não percebem a importância da vacinação e, consequentemente, há uma queda importante da motivação das pessoas irem ao posto vacinar e levarem suas crianças para serem vacinadas.
O pediatra também aponta a redução das campanhas de vacinação, como haviam há 20, 30 anos, para justamente incentivar as pessoas a irem ao posto levar as crianças. Daniel comenta que essas campanhas de comunicação e estratégia para a vacinação foram esquecidas.
"As campanhas antigamente eram verdadeiras festas, a gente ia ao posto encontrar o Zé Gotinha, era balão, brincadeiras. As pessoas tinham orgulho de levar seus filhos para vacinar e isso acabou", Daniel Becker
Mas para Becker, o mais grave de todos esse fatores ainda é a campanha de anti-vacinas, que fizeram da vacinação alvo de mentiras, críticas, absurdos, teorias. Ele se refere nesse cenário principalmente as vacinas da covid-19, mas tem convicção de que essas ações respingaram também na vacinação como um todo.
"Você tem hoje uma população que desconfia das vacinas, que não a associa mais com uma conotação positiva e de proteção, mas sim como uma ameaça. E os prejuízos são óbvios ", Daniel Becker
O pediatra exemplifica a cobertura vacinal de meningite C e poliomelite no Rio de Janeiro. Para se ter ideia, a cobertura da vacina da Meningite C no Rio em 2017 era acima de 90%, e agora está na faixa de 30%. O controle da polio no mesmo período chegou a 95%, e atualmente está com menos de 50% no estado.
"Essas doenças já estão mostrando as suas garras, pois a população não está mais protegida e elas se disseminam com mais facilidade. As chances de atingirem as pessoas e causarem a doença, inclusive de forma grave, são enormes", Daniel Becker
O médico desabafa sobre a tristeza desta realidade, já que são doenças que estavam quase erradicadas e que já possuem a prevenção, que é simples, fácil, barata. Ele também salienta que totalmente efetivo nenhum tratamento é, seja vacina, medicação e etc, mas que estão muito próximos de 100%.
"O Brasil investiu muita energia, muitos anos de trabalho para construir o melhor programa de imunizações do mundo, que vacina desde um boiadeiro vivendo isolado no Pantanal ou nos Pampas, até uma família ribeirinha na Amazônia, passando pelas grandes capitais, periferias, favelas, aldeias, sertão. É impressionante, o SUS é uma maravilha. Imagina o que é levar a vacinação em locais remotos como esses. É uma trabalheira danada, tecnologia e energia à beça, e muito dinheiro também."
“E agora a gente está aí, vivendo essa realidade triste, de uma população que não confia mais na vacinação. A consequência está dada: as doenças vão voltar, pessoas vão morrer, pessoas vão ter sequelas. Sarampo, meningite, polio podem deixar sequelas graves. E é essa tristeza que estamos vivendo”, Daniel Becker
Mais divulgação de campanhas nacionais
A comunidade médica e científica defende, assim como Becker, as campanhas nacionais de imunização com uma maior participação de instituições da sociedade científica e das instituições de ensino de todos os níveis, tanto públicas como privadas.
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Além disso, a importância de compartilhar informações verídicas de fontes confiáveis, a exemplo da Sociedade Brasileira de Imunização (SBIM) e, ao mesmo tempo, combater asfake news. Daniel explica que há aqueles que acreditam nos que prometem tratamentos milagrosos, como ozônio e "soro da imunidade".
"Está cheio de mentiras patéticas que enganam as pessoas, pois é muito fácil acreditar numa coisa conspiratória, muito bem montada, usando falsos personagens. Isso foi muito forte com a vacina da covid-19, e que acaba se repetindo também na desconfiança geral para todas as demais vacinas", Daniel Becker
Para o sanitarista e também pediatra é preciso neste momento de uma campanha coletiva no sentido de melhorar a cobertura vacinal.
“Neste momento não basta levar os nossos filhos para vacinar. É importante, fundamental e social, mas não é suficiente. Cada um de nós precisa falar com todos as pessoas da nossa rede de contato. Seja com o porteiro, caixa do supermercado, da farmácia, o patrão, o gerente, a funcionária do lar, o subordinado, as tias, avós, parentes, amigos, todas as pessoas. Eu estou convocando os leitores do Brasil Escola a fazerem parte desse esforço nacional, que é tão importante", Daniel Becker
O Brasil dispõe de um Programa Nacional de Imunização (PNI), criado em 1973 e estruturado ao longo dos anos, sob operação do Sistema Unico de Saúde (SUS) e com um calendário anual, que garante a imunização, em todo o país, contra cerca de 20 doenças por meio de 19 vacinas, para diversas faixas etárias.
Ainda existem outras 10 vacinas exclusivas para grupos em condições clínicas especiais, como os portadores de HIV. Algumas dessas doenças chegaram a ser erradicadas e outras, controladas, servindo de exemplo para muitos países.
Em 11 de março de 2020, a OMS declarou a pandemia do novo coronavírus. Com isso, começou uma corrida contra o tempo para saber como lidar com a doença e tratá-la. No dia 8 de dezembro de 2020 foi aplicada a primeira dose da vacina contra a covid-19 no mundo.
A médica infectologista Vivian Furtado listou, resumidamente, a pedido do Brasil Escola, algumas razões favoráveis da vacinação. Confira:
- Previne contra ampla gama de doenças graves, que podem matar ou deixar sérias sequelas, como surdez, cegueira, paralisia de membros, pneumonia e até morte
- Possui poucos efeitos colaterais
- São oferecidas pelo SUS
- Previne internações
- Algumas causam "imunidade de rebanho", que trata-se de uma imunidade coletiva
- Podem proporcionar o aumento da expectativa de vida, aliada a fatores de saneamento básico, como lavagem das mãos e uso de antibióticos
Muitos de nós estamos vivos hoje devido a vacinação em massa que houve no passado. A redução da cobertura vacinal expõe, de forma desnecessária, a população a doenças graves e fatais que estavam controladas.