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A cidade de Jerusalém é um dos locais mais relevantes do mundo justamente por ser a cidade sagrada de três religiões: cristianismo, islamismo e judaísmo. Por esse motivo também, é um local alvo de tensões e disputa constantes entre israelenses e palestinos, já que ambos reivindicam o direito de a cidade ser nomeada a sua capital. Em razão da importância histórica da cidade, o objetivo deste texto é narrar alguns dos acontecimentos que envolveram a história de Jerusalém.
Acesse também: Aspectos geográficos de Jerusalém
Tópicos deste artigo
- 1 - Fundação de Jerusalém
- 2 - Jerusalém sob domínio estrangeiro
- 3 - Jerusalém na Idade Média
- 4 - Jerusalém no conflito árabe-israelense
- 5 - Qual é a capital de Israel: Jerusalém ou Tel Aviv?
Fundação de Jerusalém
Os historiadores não sabem ao certo o momento em que a cidade de Jerusalém foi criada, mas as primeiras evidências encontradas na cidade pelos arqueólogos remontam a 3200 a.C. A escritora Karen Armstrong afirma que outras cidades canaanitas surgiram por volta dessa época, porém não existem evidências conclusivas sobre o surgimento de Jerusalém nesse período1.
Os historiadores não possuem nenhum conhecimento da trajetória da cidade de Jerusalém durante o crescimento das cidades cananeias, mas se sabe que, no século XX a.C., a região de Canaã passou para o domínio político e econômico dos egípcios. Foram encontrados vestígios dessa época de muralhas construídas nas bordas da cidade.
A primeira menção à cidade de Jerusalém de que se tem conhecimento foi encontrada em 1925, no Egito. Essa menção foi localizada em uma série de vasos egípcios que fazem menção à Jerusalém, chamando-a de Rushalimum. Esses vasos egípcios eram parte de um rito com o objetivo de amaldiçoar Jerusalém.
Karen Armstrong afirma que o nome Rushalimum sugere a influência da religião síria sobre Jerusalém, pois, apesar de os cananeus estarem sob influência egípcia, a religião era de influência da Síria. O significado da palavra é “Shalem fundou”, sendo Shalem um dos principais deuses da mitologia cananeia2.
Entre os séculos XVIII a.C. e XIV a.C., os historiadores não sabem muito bem o que se passou na cidade e muitos acreditam que ela possa até ter ficado vazia nesse período. No século XV a.C., a região de Canaã foi invadida pelos hurritas, um povo da Mesopotâmia que passou a exercer alguma influência sobre Jerusalém. Os documentos apontam que o governante de Jerusalém foi um homem com nome hurrita: Abdi-Hepa.
Nesse período, os interesses dos egípcios por Canaã diminuíram consideravelmente, e as diversas cidades-estado da região começaram a lutar entre si. Foi nesse contexto de lutas internas e enfraquecimento dos egípcios é que os jebuseus estabeleceram-se em Jerusalém. Isso ocorreu por volta dos séculos XIII e XII a.C.
Os jebuseus controlaram a cidade de Jerusalém, que chamavam de Jebus, até por volta de 1000 a.C., quando Davi, liderando os hebreus e o Reino de Israel, conquistou a cidade e transformou-a na capital de seu império.
Jerusalém sob domínio estrangeiro
Com a conquista de Jebus, Davi nomeou a cidade como Ir Davi (Cidade de Davi) e decidiu construir um grande templo para que a Arca da Aliança, objeto sagrado para os hebreus, fosse depositada. Esse feito só foi realizado por Salomão, filho da Davi, que concluiu a construção do chamado Templo de Salomão em 950 a.C. Esse foi o período de maior prosperidade do Reino de Israel.
O Rei Davi liderou os exércitos dos hebreus, que conquistaram Jerusalém dos jebuseus.
Depois que Salomão morreu, a cidade de Jerusalém passou para as mãos de diferentes povos. A sucessão de povos que controlaram Jerusalém foi de assírios, caldeus e persas. A conquista de Jerusalém pelos caldeus, inclusive, foi a responsável pela destruição do Templo de Salomão em 586 a.C.
Depois que os persas conquistaram os caldeus, os hebreus foram permitidos a reconstruir o seu templo, obra que foi concluída em 515 a.C. Depois dos persas, Jerusalém passou para as mãos dos macedônios e, quando Alexandre, o Grande, morreu, em 323 a.C., a Palestina (região na qual Jerusalém está inserida) passou a ser disputada por ptolomeus e selêucidas.
No século II a.C., uma rebelião na Palestina fez com que a região fosse governada por uma dinastia independente de judeus: a dinastia asmoneia, que se estendeu de 167 a.C. a 40 a.C. Nesse período, os romanos exerciam grande influência na região, mas ainda não controlavam de fato a Palestina. De 40 a.C. a 37 a.C., os partos controlaram parte da Palestina e, a partir de 37 a.C., os romanos oficialmente conquistaram a Palestina e Jerusalém, quando Herodes liderou um cerco contra a cidade.
O domínio romano sobre a Palestina e Jerusalém foi bastante conturbado. Destacam-se duas revoltas de judeus em Jerusalém que causaram grandes guerras contra os romanos. Em 70 d.C., os romanos cercaram a cidade por seis meses. O resultado final dessa guerra, segundo o historiador Piers Paul Read, foi a quase dizimação da população de Jerusalém3. Outra guerra entre judeus e romanos ocorreu em 134 d.C., e os romanos decretaram a expulsão de todos os judeus de Jerusalém.
Leia também: Conflitos entre Israel e Palestina — a guerra pelo controle do território palestino
Jerusalém na Idade Média
A cidade de Jerusalém esteve sob domínio dos romanos até a queda do Império Romano do Ocidente em 476 d.C. Depois disso, os bizantinos (herdeiros do Império Romano) ficaram no controle da cidade. O domínio dos bizantinos sobre Jerusalém foi desafiado pelos sassânidas, que a conquistaram em 614, permanecendo lá até 628, quando os bizantinos retomaram o controle.
Pouco tempo depois, em 637, a cidade de Jerusalém foi cercada pelas tropas do Califado Ortodoxo, que eram lideradas pelo califa Omar. Com o cerco, Jerusalém rendeu-se sem oferecer resistência ao califa Omar, que permitiu que cristãos e judeus continuassem com suas vidas e religião desde que pagassem um imposto.
Essa liberdade de culto dada a cristãos e judeus em Jerusalém foi garantida até o século XI. Foi somente no século XI que surgiu um califa que promoveu grande perseguição contra judeus e cristãos. O califa egípcio al-Hakim ordenou “a destruição de todas as igrejas cristãs em seu domínio, entre elas a Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém, cuja reconstrução foi autorizada por seu sucessor”4.
Foi nesse século que começaram a surgir na Europa ideias que defendiam a necessidade de se conquistar a Palestina, entendida como “Terra Santa”. Os cristãos europeus entendiam que era necessário conquistar a Palestina para garantir o trânsito de peregrinos que iam visitar Jerusalém, mas também era uma forma de, como coloca Paul Piers Read, “dar vazão ao excesso de energia da classe guerreira franca.”5
Desse sentimento, saiu o anúncio do papa Urbano II para as Cruzadas, em 1095. Da convocação de Urbano II, iniciou-se a Primeira Cruzada (foram nove Cruzadas ao todo). Quatro anos depois da convocação de Urbano II, os exércitos cristãos chegaram em Jerusalém com o objetivo de conquistá-la.
O ataque contra Jerusalém pelo exército cruzado iniciou-se em 13 de julho de 1099. O governante da cidade, que havia sido nomeado pelos fatímidas, era Iftikhar al-Dawla. Ele não conseguiu repelir o ataque cristão e só saiu com vida de Jerusalém porque entregou o tesouro da cidade em troca de um salvo-conduto para fugir.
O restante da população de Jerusalém não teve essa sorte, pois o ataque cristão ficou marcado pela barbárie. Os cristãos promoveram um grande massacre nas ruas de Jerusalém, matando tanto judeus quanto muçulmanos. A cidade de Jerusalém ficou sob controle dos cristãos até 1187, quando os muçulmanos reconquistaram Jerusalém sob a liderança de Saladino, líder dos aiúbidas.
A sucessão dos acontecimentos fez com que os cristãos retomassem o controle de Jerusalém em 1229, quando o sultão do Egito, al-Kamil, assinou um acordo com Frederico II, rei do Sacro Império Romano-Germânico. Nesse acordo, ambos os lados concordavam em assinar uma trégua de 10 anos, e a cidade de Jerusalém retornaria ao controle dos cristãos, que, por sua vez, não poderiam reconstruir as muralhas da cidade, destruídas anos antes.
Em 1244, porém, a cidade caiu novamente nas mãos dos muçulmanos, quando os turcos invadiram a Palestina quando fugiam dos mongóis. Por causa dessa invasão, a Palestina caiu novamente nas mãos dos aiúbidas. Em 1260, foram os mamelucos que conquistaram a cidade, dominando-a até 1517. Posteriormente, os otomanos, um império surgido na Turquia, conquistaram e controlaram-na até 1917.
Jerusalém no conflito árabe-israelense
Otomanos organizando o alistamento de soldados em Jerusalém durante a Primeira Guerra Mundial.*
Durante 400 anos, a cidade de Jerusalém foi parte do Império Otomano. Esse domínio só teve fim com os desdobramentos da Primeira Guerra Mundial. Nesse conflito, que se estendeu de 1914 a 1918, os otomanos aliaram-se com a Alemanha e lutaram contra os ingleses.
Com a derrota, o Império Otomano foi fragmentado, e a Palestina foi entregue ao domínio dos britânicos. De 1917 até 1920, a região foi ocupada por tropas britânicas. Em 1920, oficializou-se a criação da Palestina Britânica. Os atuais problemas entre árabes e israelenses surgiram nesse período.
Para que você possa entender melhor a disputa árabe-israelense, é preciso compreender o que representa o sionismo e qual o seu papel nesse conflito. O sionismo foi uma ideologia que surgiu no final do século XIX por meio de um jornalista húngaro chamado Theodor Herzl. Essa ideologia defendia a criação de um Estado nacional para os judeus na Palestina em resposta ao crescente antissemitismo que existia na Europa.
Com o sionismo, a comunidade de judeus passou a se organizar, arrecadar fundos e a atuar politicamente na defesa da criação de um Estado judeu na Palestina. Por causa disso, milhares de judeus passaram a se mudar para a Palestina e, naturalmente, para Jerusalém. Os judeus já eram a maioria em Jerusalém desde o século XIX, mas, com o sionismo, o número de judeus na cidade disparou. Veja alguns números que exemplificam isso6:
Ano |
Muçulmanos |
Cristãos |
Judeus |
1850 |
5350 |
3650 |
6000 |
1922 |
13500 |
14700 |
34400 |
Aqui fica perceptível a disparidade no crescimento, pois, enquanto a população muçulmana (em grande parte de origem árabe) aumentou 2,5 vezes em um período de 72 anos, a população judaica aumentou quase 6 vezes no mesmo período. O domínio britânico na região só agravou a crescente tensão, uma vez que autoridades britânicas haviam garantido a criação de um Estado nacional tanto para os árabes palestinos quanto para os judeus.
É importante considerar que a Palestina permaneceu sob domínio turco (turcos não são árabes) durante 400 anos e, quando esse domínio chegou ao fim, a população árabe da Palestina esperava que seu Estado nacional surgisse. Isso não aconteceu porque os britânicos tomaram a administração da Palestina para si e não criaram um Estado nacional nem para árabes nem para judeus.
A situação entre árabes e judeus na Palestina e Jerusalém continuou agravando-se ao longo das décadas de 1920 e 1930. Os árabes organizaram-se em um movimento nacionalista liderado por Hajj Amin al-Husseini, o mufti de Jerusalém (maior autoridade religiosa dos muçulmanos da cidade). Os árabes não aceitavam dividir a terra, pois alegavam ter o direito na região por serem os habitantes originários dali.
Hajj Amin al-Husseini (segurando a bandeira branca), mufti de Jerusalém durante os anos da Primeira Guerra Mundial. [1]
A violência na relação entre árabes e judeus aumentou consideravelmente, e os judeus chegaram a formar grupos para organizar atentados terroristas – como foi o caso do Irgun. Os ingleses, incapazes de controlar a disputa entre árabes e judeus, entregou o domínio da Palestina para a Organização das Nações Unidas (ONU) em 1947.
A gestão da ONU decidiu em assembleia realizada em 1947 que a Palestina seria dividida em duas regiões: 53,5% do território seria de Israel e 45,4% do território seria dos palestinos, para a criação da Palestina7. A cidade de Jerusalém, disputada por ambos, ficaria sob gestão internacional.
Quando foi oficializada a fundação do Estado de Israel, uma junção de países árabes declarou guerra aos israelenses e deu início à Primeira Guerra Árabe-Israelense. A declaração de guerra aconteceu porque os árabes não aceitaram a divisão da Palestina estabelecida pela ONU. As forças israelenses e árabes lutaram em pé de igualdade, mas os israelenses sobressaíram-se e ampliaram consideravelmente seu território.
Durante essa guerra, Jerusalém – então sob gestão internacional – foi invadida por tropas jordanianas e israelenses, que lá permaneceram por anos. Com o fim da guerra, Jerusalém permaneceu dividida entre jordanianos e israelenses mesmo com os protestos realizados pela ONU. A derrota e a violência dos exércitos israelenses fizeram milhares de palestinos abandonarem a região. Os árabes palestinos que permaneceram em Jerusalém, porém, nunca concordaram com o domínio dos jordanianos.
Nessa divisão, os israelenses estabeleceram-se na Jerusalém Ocidental, e os jordanianos estabeleceram-se na Jerusalém Oriental. Essa divisão permaneceu até 1967, quando ocorreu a Guerra dos Seis Dias. Essa guerra ficou conhecida pela fulminante vitória que as tropas israelenses obtiveram dos árabes. A porção oriental da cidade foi tomada pelos israelenses e, desde então, Jerusalém tem estado sob a administração do Estado de Israel.
Qual é a capital de Israel: Jerusalém ou Tel Aviv?
Atualmente o Estado de Israel considera a cidade de Jerusalém como sua capital, embora a comunidade internacional considere que a capital de Israel seja Tel Aviv. A questão do reconhecimento internacional de Jerusalém como capital de Israel é delicada, uma vez que a cidade também é reivindicada como capital da Palestina, Estado não reconhecido internacionalmente.
Notas
1 ARMSTRONG, Karen. Jerusalém: uma cidade, três religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 23.
2 Idem, p. 28.
3 READ, Piers Paul. Os Templários. Rio de Janeiro: Imago, 2001, p. 28.
4 Idem, p. 80.
5 Idem, p. 80.
6 ARMSTRONG, Karen. Jerusalém: uma cidade, três religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 403.
7 CAMARGO, Cláudio. Guerras Árabes-israelenses. In.: MAGNOLI, Demétrio (org.). História das Guerras. São Paulo: Contexto, 2013, p. 431.
Créditos das imagens
[1] Everett Historical e Shutterstock
Por Daniel Neves
Graduado em História