PUBLICIDADE
Aporofobia é uma palavra criada pela filósofa espanhola Adela Cortina para designar a aversão aos pobres e suas implicações na democracia. É um neologismo que remete etimologicamente às palavras gregas áporos (pobre, desvalido) e phobos (medo, aversão). A aporofobia aborda pensamentos, atitudes, práticas e políticas presentes nas relações sociais que desprezam uma pessoa devido à sua condição puramente socioeconômica.
A aporofobia possui fundamentos estruturais dentro de classes sociais. As causas da aporofobia são muitas e vão desde as desigualdades sociais até os estereótipos que o nosso cérebro cria naturalmente. As possíveis soluções para a aporofobia passam por uma educação ética, que conscientize as pessoas sobre a importância da compaixão pelo outro, e políticas públicas que assegurem uma renda mínima para a população que vive em extrema pobreza.
Leia também: Você sabe o que é pobreza menstrual?
Tópicos deste artigo
- 1 - Resumo sobre aporofobia
- 2 - O que é aporofobia?
- 3 - Causas da aporofobia
- 4 - Origem da aporofobia
- 5 - Exemplos de aporofobia
- 6 - Como combater a aporofobia?
- 7 - Consequências da aporofobia
Resumo sobre aporofobia
-
Aporofobia é a aversão ao pobre, aquele sem recursos, o desamparado que nada pode oferecer em troca.
-
Aporofobia é causada pela desigualdade social e pela difusão de estereótipos negativos que associam a pobreza ao perigo.
-
A palavra aporofobia foi inventada pela filósofa Adela Cortina há cerca de 20 anos e, recentemente, foi escolhida a palavra do ano na Espanha.
-
A aporofobia pode ser exemplificada pela arquitetura antipobre das grandes cidades.
-
As possíveis soluções para a aporofobia passam pelo combate às desigualdades e políticas públicas de vários setores.
-
Aporofobia é um termo muito novo e tem caído nos vestibulares, sendo cogitado até como tema para a redação do Enem.
O que é aporofobia?
Aporofobia é um sentimento difuso de rechaço ao pobre. É o preconceito, ainda pouco estudado, com o fato de uma pessoa viver em estado de pobreza. O que significa que, além de não ter dinheiro, essa pessoa parece ser uma desamparada, isto é, carente de recursos, direitos, oportunidades ou até capacidades para deixar de ser pobre.
A aporofobia é comum em sociedades como as nossas, que são organizadas em torno da ideia de contrato. O pobre é o verdadeiramente diferente. Não pelo fato de viver com muito pouco dinheiro, mas porque ele não nada tem de atrativo para oferecer aos outros. O pobre do qual se tem medo é aquele visto como incapaz de contratar ou ser contratado em qualquer esfera social.
É este o tipo de desprezo que caracteriza atitudes aporófobas. É o rechaço a quem não pode entregar nada em troca, ou, ao menos, parece não poder. E por isso é excluído da construção do contrato político, econômico ou social desse mundo de dar e receber, no qual só podem entrar os que parecem ter algo de interessante para dar em retorno.
Portanto, a chave para entender o que é a aporofobia é o fato de que, atualmente, as relações sociais são orientadas por expectativas de receber algo em troca. E os pobres parecem representar uma quebra desse sistema, uma vez que são considerados desqualificados para isso e excluídos do jogo.
Por isso são usados como bode expiatório, isto é, como uma categoria de pessoas culpada pelos problemas da sociedade. Como resultado, ter um bode expiatório serve também para ocultar do público e de uma possível crítica aspectos problemáticos da sociedade capitalista, tais como a competição e a exploração desenfreadas.
Veja também: Direitos humanos — direitos básicos assegurados a qualquer pessoa
Causas da aporofobia
Aporofobia é causada pela desigualdade econômica. Quando há uma grande disparidade de oferta de renda e de oportunidades entre as classes sociais, é mais provável que as pessoas de classes mais abastadas vejam os pobres como os verdadeiramente diferentes e desenvolvam preconceitos contra eles. Os pobres são os “outros”.
A aporofobia é causada por uma perspectiva de medo. Essa perspectiva relaciona a pobreza com a criminalidade, a prostituição, o uso de drogas, a violência e a desagregação das famílias. Essa associação preconceituosa pode levar algumas pessoas a temerem os pobres, especialmente em áreas com altas taxas de criminalidade. Essa representação estigmatizada do pobre pode contribuir para a aporofobia.
Estigmas e estereótipos negativos são outras causas relevantes da aporofobia. Eles difundem a imagem dos pobres como preguiçosos, desonestos ou como responsáveis por sua própria condição. Nesse aspecto, a percepção pública é muito influenciada pela representação negativa dos pobres na mídia e na cultura de massa.
Além disso, a aporofobia pode ser alimentada pela falta de empatia e compreensão em relação às dificuldades enfrentadas pelas pessoas em situação de pobreza. Quando estamos com medo, não vemos claramente, nem analisamos os fatos, nem há espaço para sentimentos nobres. A aporofobia, portanto, não se dirige ao pobre real que anda pelas ruas, mas contra uma imagem estereotipada que é percebida como ameaça.
Desconfiadas, as pessoas não conseguem se identificar com as lutas e os desafios dos pobres, o que torna mais provável o sentimento de aversão a eles. Enquanto isso, a maior parte da criminalidade, certamente a mais perigosa para o sistema, não procede dos setores empobrecidos da população, mas sim de máfias bem-organizadas que controlam uma imensa quantidade de dinheiro.
É importante destacar o seguinte. Considerar os pobres como uma ameaça ao sistema socioeconômico é tão equivocado quanto seria acusar as vítimas de violência de serem as causadoras dessa mesma violência. Mesmo assim, essas crenças errôneas podem alimentar o medo e a aversão em relação aos pobres.
Enfim, existem diversas causas para a aporofobia em nossa sociedade, e é importante compreendê-las para combater esse problema social. Essa aversão pode ser causada por desigualdades estruturais, mas também pela falta de empatia e compaixão em relação às pessoas em situação de pobreza.
Origem da aporofobia
A origem desse novo conceito é a união das palavras gregas áporos (pobre) e phobos (medo). Ele apareceu em uma série de textos publicados pela escritora e filósofa espanhola Adela Cortina desde os anos 1990. Segundo a professora espanhola, a repugnância aos pobres é a verdadeira atitude subjacente a muitos comportamentos supostamente racistas ou xenofóbicos.
Em 2017 esse nome foi eleito a palavra do ano pela Fundación del Español Urgente (Fundéu BBVA), sendo usado em vários artigos jornalísticos e em livros. A filósofa Adela Cortina criou o termo para dar visibilidade a essa patologia social que existe no mundo todo. O rechaço aos grupos, raças e etnias que habitualmente não têm recursos e, portanto, não podem oferecer nada, ou parece que não o podem.
Exemplos de aporofobia
É um exemplo de aporofobia a arquitetura “antipobres” presente em metrópoles do mundo todo. Em grandes cidades brasileiras, a aporofobia pode ser percebida no uso de grades, espetos de ferro, cacos de vidro, pedras e até sistemas de gotejamento instalados em diversas construções e equipamentos públicos para evitar a presença e a permanência dos mais pobres, principalmente pessoas em situação de rua.
O padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua em São Paulo, usa as redes sociais para criticar essas intervenções e pressionar para que empresas e até mesmo órgãos públicos recuem e retirem essas instalações. O pároco também faz denúncias de mercados e lojas que solicitam aos seus clientes que não ajudem pessoas em situação de rua. Esse tipo de solicitação é outro exemplo de aporofobia.
Em conclusão, percebemos atitudes aporófobas nos condomínios fechados em bairros que muitas vezes são projetados para criar barreiras físicas e sociais entre os moradores e o seu entorno. Eles geralmente têm muros altos, segurança privada e acesso restrito, criando uma sensação de segregação em relação às comunidades circundantes e de aversão ao pobre.
Como combater a aporofobia?
As possíveis soluções para combater aporofobia são as que atingem as causas do fenômeno. Se a desigualdade social é a principal causa, então superar a aporofobia passa por processos políticos e educativos que diminuam essa desigualdade. Em outras palavras, políticas públicas implementadas com objetivo de conscientizar a população acerca da solidariedade entre as pessoas e a implementação de uma renda mínima à população em extrema pobreza.
O Brasil, através do governo federal, já demonstrou que pode traçar políticas públicas para executar e fiscalizar um projeto de renda mínima para a população em carência material, tal como fez em várias ocasiões na história recente. É importante comunicar a possibilidade de enfrentamento desse problema social e chamar a atenção para o fato de a pobreza não fazer parte da identidade dessas pessoas, sendo condição involuntária, um problema eminentemente social.
Além da criação de um projeto de renda mínima para a população, o combate contra aporofobia no Brasil necessita de um material educativo. Ele deve ser distribuído em escolas privadas e particulares promovendo a conscientização sobre a solidariedade entre as pessoas, sobretudo aquelas que vivem na extrema pobreza, educando-as para a convivência plural e sem preconceitos.
Combater a aporofobia requer uma abordagem multidimensional que inclua educação, conscientização, políticas públicas equitativas e mudanças culturais. Promover a empatia, compreensão e solidariedade em relação às pessoas em situação de pobreza é fundamental para criar uma sociedade mais justa e inclusiva.
Saiba mais: Mobilidade social — como acontece a mudança de uma classe social para outra?
Consequências da aporofobia
A principal consequência da aporofobia é a rejeição e a exclusão de pessoas pobres em espaços públicos e privados. Quando os meios de comunicação retratam os pobres de maneira estereotipada e negativa, isso alimenta o círculo vicioso da pobreza.
Se populações empobrecidas aparecem na mídia sendo associadas a condutas criminosas ou desmoralizantes, a imagem criada reforça os preconceitos que já existem. E isso dificulta a possível integração dessas pessoas na sociedade, o que prolonga as suas dificuldades.
Em alguns casos, o desespero os leva a fazer algo ilegal, de maneira que se termina por reforçar a imagem que foi construída inicialmente, e assim sucessivamente. A principal consequência da aporofobia é reforçar a exclusão das pessoas pobres do convívio de ambientes nos quais outras pessoas estão.
Sem acesso aos direitos básicos, fica muito difícil sair da pobreza, uma vez que ela é definida como a falta de acesso a serviços essenciais (saneamento básico, saúde, educação, energia elétrica, entre outros), bens de consumo, sobretudo alimentos, e bens materiais necessários para a manutenção da vida em condições básicas.
Aporofobia no Enem e vestibulares
Os temas relacionados à aporofobia podem aparecer nas provas, tanto em propostas de redação quanto em questões. Foi o que aconteceu na segunda fase o vestibular da Unicamp 2023. Uma das questões exigia a aplicação do conceito a duas imagens e um texto no qual o vestibulando deveria se posicionar acerca de uma declaração do Padre Júlio Lancelloti. Veja:
Unicamp 2023 – 2ª fase
A palavra aporofobia, ainda não dicionarizada, é definida pela Academia Brasileira de Letras como:
s.f. repúdio, aversão ou desprezo pelos pobres ou desfavorecidos; hostilidade para com pessoas em situação de pobreza ou miséria. [Do grego á-poros, ‘pobre, desamparado, sem recursos’ + -fobia.]
(Disponível em https://www.academia.org.br/nossa-lingua/nova-palavra/aporofobia. Acesso em 08/09/2022.)
Atualmente, a palavra tem sido usada para denunciar não só atitudes individuais, mas também arquiteturas, discursos e movimentos que expressem aversão aos mais pobres. Quando essa luta se espalhou pelas redes sociais, o padre Júlio Lancellotti passou a usar o termo em suas falas e a receber imagens de situações aporofóbicas, trazendo luz a um debate até então invisível. Padre Júlio cita um exemplo: “Se o Gil do Vigor sentar lá na porta da vitrine de um shopping, alguém vai chamar a polícia para tirá-lo? Não, mas se for um catador de papel, ele nem vai entrar no shopping. O Gil é negro e o catador é negro. Por que um pode sentar e outro não?”.
(Adaptado de BORGES, Thaís. ‘A gente banaliza a crueldade’, diz padre Júlio Lancellotti, sobre aversão a pobres. Correio 24horas. 22/01/2022.)
a) As imagens 1 e 2 denunciam formas de aporofobia. Diga qual o tipo de aporofobia em cada caso, recorrendo, em sua explicação, a elementos das imagens.
b) Você deseja se posicionar, nas suas redes sociais, a respeito da matéria. Assuma a voz do catador de papel envolvido na situação relatada e responda à pergunta do padre Júlio Lancelotti. Esse texto deverá ter entre 40 e 50 palavras. Atenção: não copie trechos da matéria.
Créditos da imagem
Fontes
BARBOSA, L. (2006). Igualdade e meritocracia (4a ed.). Rio de Janeiro: Editora FGV.
CORTINA, Adela. Aporofobia, a aversão ao pobre: um desafio para a democracia. São Paulo: Editora Contracorrente, 2020.
JOHNSON, Allan G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000.