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O navio negreiro, de Castro Alves, é um longo poema abolicionista escrito pelo autor em 1868. Ele é dividido em seis partes e possui características românticas, como o uso intenso de exclamações e hipérboles. Além disso, mostra o sofrimento dos africanos escravizados, em um navio negreiro, rumo ao Brasil, país que descumpria a lei que proibia o tráfico de escravos.
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Análise da obra O navio negreiro
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Partes de O navio negreiro
O navio negreiro é um longo poema do poeta romântico Castro Alves. Ele é dividido em seis partes ou fragmentos, que não apresentam títulos.
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Temática de O navio negreiro
A obra O navio negreiro tem como subtítulo: “tragédia no mar”. Foi escrita no ano de 1868, portanto quase 18 anos depois da promulgação da lei Eusébio de Queirós, que proibia o tráfico de escravos. Desse modo, o poema de Castro Alves é uma denúncia de que a lei não estava sendo cumprida.
Nessa famosa obra do poeta, o sofrimento dos africanos escravizados, na trajetória rumo ao Brasil, é mostrado com cores fortes. O eu lírico, assim, lembra a leitores ou ouvintes (no século XIX, era comum a declamação de poemas) que a escravização de pessoas é um ato desumano e vergonhoso.
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O poema O navio negreiro
Na parte I, o eu lírico inicia o poema com a visão do mar à noite sob o luar. Ao usar o verbo na primeira pessoa do plural, o eu lírico se coloca no poema, mas também o leitor e a leitora. Assim ele diz: “‘Stamos em pleno mar...”. Dessa forma, ele se une a nós e nos aproxima do cenário da tragédia que vai ser revelada.
Contudo, no início, como estratégia, ele apenas evidencia a beleza da natureza. Assim, quando mostrar os horrores da escravidão, o contraste vai ser capaz de produzir um grande impacto em nós, leitores. Em seguida, nos apresenta o “veleiro brigue”, o navio que “corre à flor dos mares”.
Ele então pergunta de onde o veleiro vem e para onde vai. Volta a mostrar “a majestade” da natureza, em que o mar “ruge pela proa” e o vento “nas cordas assobia”. Novamente, questiona a presença do navio ali: “Por que foges assim, barco ligeiro?”. E, para satisfazer a sua e a nossa curiosidade, ele chama um albatroz e lhe pede: “dá-me estas asas...”.
A parte II é reservada à apresentação do marinheiro, ou seja, do nauta que “Ama a cadência do verso/ Que lhe ensina o velho mar!”. A voz poética menciona a cantilena do espanhol, o filho indolente da Itália, a frieza do inglês, o francês que canta “os louros do passado” e “os loureiros do povir...”, além dos gregos (“belos piratas morenos”).
Na parte III, o eu lírico utiliza o albatroz, a “águia do oceano”, para descer até o navio e, por meio dele, ver a imagem horrenda, o “quadro de amarguras”, as “tétricas figuras”, a “cena infame e vil”, que provoca no eu lírico estas exclamações: “Meu Deus! meu Deus! Que horror!”.
A parte IV é a mais dramática, pois mostra a situação dos africanos no navio. A voz poética compara o cenário a um “sonho dantesco”, já que o tombadilho está cheio de sangue. As pessoas escravizadas estão presas por correntes enquanto são açoitadas e se contorcem de dor e desespero.
Há mulheres com crianças de colo. Outras, “moças... mas nuas, espantadas”. E se o velho “no chão resvala”, há gritos e “o chicote estala”. Os africanos choram, famintos. Há aquele que delira de raiva, outro que enlouquece, enquanto o capitão do navio ordena que os marinheiros continuem com os açoites.
Na parte V, o eu lírico fala da vida daqueles africanos antes de serem escravizados. Eles eram “os filhos do deserto”, “guerreiros ousados”, “simples, fortes, bravos”, mas que agora são “míseros escravos”. Na África de “areias infindas”, “crianças lindas” nasceram e “moças gentis” viveram.
Porém, tiveram que dizer adeus à “choça do monte”, às “palmeiras da fonte” e aos amores. Enfrentaram “o areal extenso”, “a fome, o cansaço, a sede”. Alguns morreram na travessia do deserto, outros ao atravessar o mar. Dessa forma, o eu lírico mostra a oposição entre a liberdade do passado e a escravidão do presente.
Por fim, na sexta e última parte, é feita uma dura crítica ao Brasil: “um povo que a bandeira empresta/ Pra cobrir tanta infâmia e cobardia!”. Assim, o eu lírico ordena à Musa (divindade que inspiraria os poetas): “chora, chora tanto/ Que o pavilhão se lave no teu pranto...”. E afirma que seria melhor que a bandeira nacional tivesse sido rota em batalha do que servir “a um povo de mortalha”.
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Características de O navio negreiro
O poema O navio negreiro é uma obra pertencente à terceira fase do romantismo brasileiro. A poesia social condoreira é caracterizada pela crítica sociopolítica e possui caráter mais realista e menos idealizador. A obra em questão é visivelmente abolicionista, em consonância com o ideal de liberdade alimentado pelos poetas românticos.
O realismo se mescla ao apelo emocional. Assim, o eu lírico busca fazer a leitora e o leitor se colocarem no lugar das vítimas da escravidão. Para isso, utiliza muitas exclamações e imagens hiperbólicas. Dessa forma, pretende combater a escravidão não com a razão, mas com o sentimento.
→ Videoaula sobre a terceira geração do romantismo brasileiro
Trechos de O navio negreiro
“‘Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dois é o céu? Qual o oceano?...”
“Os marinheiros Helenos,
Que a vaga iônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu...
...Nautas de todas as plagas!
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu...”
“Era um sonho dantesco... O tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar do açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...”
“Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças... mas nuas, espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!”
“Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar! por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...”
“Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d’amplidão...
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...”
“Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu na vaga,
Como um íris no pélago profundo!...
...Mas é infâmia de mais... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo...
Andrada! arranca este pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!”
CASTRO ALVES. O navio negreiro: tragédia no mar. In: RIMOGRAFIA, Slim. O navio negreiro. São Paulo: Panda Books, 2011. p. 26-41.
Castro Alves
Castro Alves (Antônio Frederico Castro Alves) nasceu em 14 de março de 1847, no município baiano de Muritiba. Mais tarde, em 1864, o jovem escritor iniciou a faculdade de Direito, na cidade de Recife, em Pernambuco. A essa altura, já tinha sido diagnosticado com tuberculose e não terminou o curso.
O autor de O navio negreiro era um atuante abolicionista, republicano, e tinha uma paixão avassaladora pela atriz portuguesa Eugênia Câmara (1837-1874). Quando o relacionamento terminou, o poeta deu um tiro no próprio pé, acidentalmente, o que levou a uma amputação em 1869. Porém, morreu por causa da tuberculose, no dia 6 de julho de 1871, em Salvador.
Por Warley Souza
Professor de Literatura