Negacionismo é o ato de negar um fato ou conjunto de fatos normalmente aceitos por meio de convenções científicas e acadêmicas, em razão de uma postura mais vinculada à experiência sensorial imediata ou à simples crença, bem como pelo desconforto em relação à realidade. Basicamente, a mente negacionista não quer acreditar em algo por ser desconfortável ou se recusa a acreditar por não saber diferenciar o conhecimento científico racional do conhecimento de senso comum, acreditando que as experiências pessoais constituem toda a verdade possível.
O negacionista é aquele que simplesmente não aceita uma ideia, juízo ou fato apresentado por uma comunidade científica, acadêmica ou filosófica como verdadeiro. Normalmente, os juízos e ideais apresentados por tais autoridades intelectuais resultam de análises mais acuradas e metódicas de suas áreas e são aclamados pelos membros dessas comunidades intelectuais até serem aceitos por convenção.
Não importa o nível de validade científica ou a profundidade da argumentação apresentada, a mente negacionista simplesmente se recusa a aceitar como verdadeiros os fatos científicos. O filósofo judeu holandês Baruch de Espinosa distinguiu três gêneros do conhecimento, sendo eles:
imaginação,
razão e
intuição.
É o primeiro gênero o responsável pela origem de boa parte das teorias negacionistas que temos hoje, pois esse gênero carrega algo chamado de “ideias inadequadas”. Nós criamos essas primeiras ideias por meio de nossa experiência sensorial imediata. Essas ideias são nebulosas, obscuras, pois ainda não passaram pelo crivo da razão, mas são uma forma de conhecimento. Permanecer nesse primeiro gênero é o primeiro passo para o negacionismo.
Imagine que uma pessoa veja o Sol nascendo e se pondo todos os dias. Ao olhar para o céu, ela percebe imediatamente o Sol como um pequeno disco claro que percorre o céu. Sua experiência imediata dá conta de que o Sol é inúmeras vezes menor do que a Terra e que é o Sol quem se movimenta em torno de nosso planeta, e não o oposto. Uma pessoa disposta a aprender e livre das amarras do obscurantismo estuda, ouve outras opiniões e conhece na ciência toda a estrutura que está por trás da orbitação dos planetas. O negacionista simplesmente entra em contato com todo esse conhecimento e o ignora, afirmando que esse conhecimento só pode estar errado.
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Origem do termo negacionismo
A origem do termo é francesa, pois foi por meio de intelectuais franceses que, pela primeira vez, ousou-se questionar a validade de uma página sombria de nossa história. Sabe-se que o termo foi empregado para classificar o primeiro grande movimento negacionista contemporâneo: os negacionistas do Holocausto.
Em 1944, o jurista judeu Raphael Lemkin cunhou o neologismo “genocídio” para descrever o que era o tratamento nazista aos prisioneiros dos campos de concentração. O holocausto foi a sistêmica perseguição, prisão e aniquilação da população judaica e resultou na morte de pelo menos 6 milhões de judeus entre 1942 e 1945, sendo a maior parte assassinada em câmaras de gás.
Maurice Bardèche e Paul Rassinier são exemplos de intelectuais franceses de extrema-direita que se lançaram a escrever livros e a emitir opiniões em meios de comunicação dizendo que o Holocausto foi uma farsa. Eles afirmaram que os judeus inflacionaram os relatos e que a maior parte das mortes foi causada por guardas e até pelos próprios prisioneiros. Afirmaram também que a câmara de gás não existiu. Em outros momentos, até justificavam as práticas cruéis contra judeus. Começou aí o primeiro movimento negacionista de nossa história contemporânea e o que veio depois tratou de negar não só a história, como também as ciências naturais.
Negacionismo da História
No século XIX, o filósofo francês, “pai” da Sociologia e fundador do positivismo, Auguste Comte, defendeu que a história era composta por fatos históricos. No mesmo caminho estava o escritor e historiador escocês Thomas Carlyle, que escreveu a história de grandes feitos de grandes heróis. Até então a história era muito rígida, tratada apenas como um conjunto de fatos do passado narrados e nada mais.
Foi o filósofo alemão Friedrich Nietzsche quem começou a mudar essa visão sobre a história, apresentando o perspectivismo, entendido por meio do trecho deste fragmento póstumo deixado pelo pensador em seu espólio: “não há fatos, apenas interpretações”. Nietzsche queria dizer que a história não é um conjunto rígido de fatos, nem que o conhecimento se faz com tal rigidez, mas que temos o lado da perspectiva individual, de um ser no mundo que vê o mundo a partir de sua própria lente e cria narrativas embasadas nessa visão.
No século XX, outras visões desenvolveram mais o que Nietzsche começou, como a genealogia de Foucault. Também houve uma escola histórica, a Escola dos Annales, que ampliou significativamente a visão sobre a história.
O meu objetivo ao longo parágrafo acima é mostrar que a História, enquanto ciência, não é exata. Ela é passível de interpretações e até mesmo de revisões. Os revisionismos da História são necessários, desde que fundamentados em métodos rigorosos de análise. É possível duvidar de um acontecimento histórico e a dúvida cética é, inclusive, o primeiro passo para se fazer ciência. No entanto, duvidar não pode ser o mesmo que negar algo evidenciado, provado por meio de anos de sérias pesquisas.
O maior inimigo dos historiadores na atualidade são movimentos que criam teorias de conspiração em torno de fatos históricos. Alguns têm intenção política (o discurso negacionista da História insufla uma horda de seguidores sectários que garantem apoio a um líder ou movimento), e a internet tem servido de ferramenta de expansão dos domínios para esses líderes e movimentos negacionistas. Daí vemos surgir e crescer aqueles que negam que houve uma ditadura militar no Brasil, por exemplo, alegando que o regime militar teria sido uma intervenção necessária e jamais atuou de maneira ditatorial, na ótica dessas pessoas. Outros negam que houve Holocausto, outros (em sua maioria, brancos) negam que há racismo e racismo estrutural, outros, de maneira mais tola, negam que os astronautas estadunidenses tenham pisado na Lua, e assim sucessivamente.
Em meio à pandemia de covid-19, houve quem negasse a existência do vírus. Do mesmo modo, outros negam os consensos da comunidade científica sobre como combater o vírus (distanciamento, isolamento, vacina e utilização de máscaras, bem como higienização constante das mãos). Essa postura foi mantida por alguns grupos políticos no mundo como maneira de estabelecer poder por meio da fragilidade racional de seguidores, mas ela não é nova.
No século XV, a Igreja Católica era a grande negacionista da ciência. Condenou à morte o filósofo Giordano Bruno, condenou à reclusão o filósofo e físico Galileu Galilei e perseguiu cientistas, como Nicolau Copérnico.
No século XX, os delírios negacionistas da ciência voltam à tona com:
Para explicar esse comportamento, podemos recorrer à estrutura da ideia inadequada proposta por Espinosa, como fizemos no primeiro tópico deste texto. A pergunta que fica é: por quê? Bem, além da confusão de dados da experiência que ainda não passaram pelo crivo da racionalidade, proposta por Espinosa, há o fator conforto/desconforto. A realidade é, muitas vezes, desconfortável.
Aceitar que os meus sentidos me enganam quando eu vejo o horizonte plano no oceano é desconfortável, assim como é desconfortável permitir que uma agulha com um líquido estranho entre no meu corpo ou usar máscara de proteção facial por horas (e da maneira correta, cobrindo boca e nariz). É desconfortável para o ser humano aceitar que ele está errado, que parte da tradição que ele segue está errada e que o conhecimento original que ele obteve sozinho o enganou. Por isso, para um negacionista, se ele não sente a temperatura mais alta, não existe aquecimento global, além de ser desconfortável ter que emitir menos gases de efeito estufa.
Movimentos negacionistas contemporâneos
Entre os negacionismos da história e da ciência, temos alguns movimentos contemporâneos. Alimentados por notícias falsas e teorias de conspiração, esses movimentos ganharam certo destaque nos últimos anos por conta da internet.
Negacionismo do HIV/aids
Na verdade, esse movimento teve maior destaque nas décadas de 1980/90 (embora não tenha acabado, por incrível que pareça), quando não se sabia muito ainda sobre o HIV e a aids.
Alguns especulavam que o vírus não existia e que o que se chamava de aids era fruto da combinação de uma vida sexual, no julgamento deles, promíscua com alimentação ruim e uso de drogas injetáveis, ou até mesmo efeito da hemofilia. Outros já diziam que o vírus HIV era um vírus como outro qualquer, que não causava aids e sumiria do organismo do hospedeiro.
Antivacinas
Movimentos antivacina estão no mundo desde que a vacina foi criada. Quando o sanitarista brasileiro Oswaldo Cruz ordenou a vacinação compulsória dos cariocas, houve um dos episódios mais bizarros da história do Brasil, a Revolta da Vacina.
O ano era 1904, as vacinas não eram de amplo conhecimento da população, não houve uma explicação e diálogo entre autoridades sanitárias e população e parecia fazer certo sentido naquela época a revolta popular, mas naquela época. Hoje nós temos informação e estudos sobre as vacinas, além de termos erradicado doenças com a vacinação em massa. Mesmo assim, movimentos antivacina vêm crescendo.
Terraplanistas
Existem negacionistas da Física e da Geografia que afirmam que a Terra é plana. Alguns ainda completam um pacote, inserindo no terraplanismo uma espécie de geocentrismo, pois, para explicar o nascer e o pôr do Sol em torno do “disco” terrestre, eles afirmam que o Sol é que se movimenta em torno da Terra.
Negacionistas da covid-19
Esses, bem recentes, não acreditam na existência do vírus ou criam as mais mirabolantes teorias de conspiração sobre a doença, além de falarem de curas por meio de medicamentos que não têm eficácia comprovada pela ciência.
Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:
PORFíRIO, Francisco.
"O que é negacionismo?"; Brasil Escola.
Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/o-que-e-sociologia/o-que-e-negacionismo.htm. Acesso em 21 de novembro
de 2024.