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O gênero lírico originou-se na Grécia Antiga, época em que a manifestação poética era apresentada ao publico oralmente, em forma de canto, o qual era acompanhado por um instrumento musical chamado lira. Sua manifestação em forma de canto perdura até o final da Idade Média, momento a partir do qual o gênero lírico passa a ter na palavra escrita seu principal meio de composição e de difusão.
Esse registro no papel contribuiu para que cada vez mais os poetas experimentassem formas mais sofisticadas de composição, como o uso da métrica, a construção de rimas, a seleção vocabular e a disposição das palavras no espaço gráfico. Essas características, porém, isoladamente, não definem o gênero lírico, que também apresenta como traço principal a manifestação da subjetividade.
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Tópicos deste artigo
Características do gênero lírico
• Eu lírico
Como uma das principais características do gênero lírico é a manifestação da subjetividade, ou seja, a manifestação de aspectos ligados à interioridade de um sujeito, dá-se o nome de eu lírico à voz que se expressa no poema. No entanto, há que se atentar para o fato de que o eu lírico não necessariamente corresponde à voz do poeta, afinal, ele pode materializar em seu poema um eu lírico distinto de seu eu biográfico.
O poeta português Fernando Pessoa, por exemplo, tornou-se famoso pelos heterônimos que criou, o que fez com que sua obra expressasse vozes poéticas distintas de sua personalidade. Assim, é possível que um poeta com uma identidade masculina crie em seu poema um eu lírico com identidade feminina, ou vice e versa, bem como um poeta adulto pode expressar a voz poética de uma criança ou a de um ser inanimado. Além disso, há poemas em que o poeta tenta ao máximo apagar qualquer marca subjetiva. Observe os exemplos:
O relógio
Ao redor da vida do homem
há certas caixas de vidro,
dentro das quais, como em jaula,
se ouve palpitar um bicho.
Se são jaulas não é certo;
mais perto estão das gaiolas
ao menos, pelo tamanho
e quadradiço de forma.
Umas vezes, tais gaiolas
vão penduradas nos muros;
outras vezes, mais privadas,
vão num bolso, num dos pulsos.
Mas onde esteja: a gaiola
será de pássaro ou pássara:
é alada a palpitação,
a saltação que ela guarda;
e de pássaro cantor,
não pássaro de plumagem:
pois delas se emite um canto
de uma tal continuidade.
NETO, João Cabral de Melo. Obra completa. São Paulo: Ediouro, 2003.
Nesse poema de João Cabral de Melo Neto, observa-se uma tentativa de apagamento do eu lírico, já que não se evidencia marcas de subjetividade ao longo de seus versos e de suas estrofes. O predomínio da descrição do objeto relógio, comparado a jaulas e a gaiolas, contribui para que ele seja o centro da expressão poética, não sobrando espaço que as impressões subjetivas humanas sejam manifestadas.
Porquinho-da-índia
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos,
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas…
— O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.”
BANDEIRA, Manuel. Poesia completa e prosa. São Paulo: Nova Aguilar, 1977.
Nesse poema de Manuel Bandeira, observa-se o eu lírico como uma voz masculina que rememora o amor que tinha por seu pequeno bicho de estimação: um porquinho-da-índia. Os verbos na primeira pessoa do discurso e os pronomes “eu”, “meu” e “minha” evidenciam um eu lírico bem marcado subjetivamente.
Diálogo de peixes
nara tem um aquário
redondo no centro da mesa
em vez de uma fruteira
ou um abajur
nara gosta de assistir
à conversa dos peixes.
outro dia reclamavam
do calor e nara
foi para o chuveiro
se refrescar de madrugada
é um péssimo hábito
o peixe vermelho disse
dormir de cabelos molhados
SANT’ANNA, Alice. Dobradura. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008.
Nesse poema de Alice Sant’Anna, tem-se um eu lírico em terceira pessoa, espécie de narrador, que vai descrevendo aspectos da rotina de uma mulher chamada Nara. O inusitado acontece quando essa voz poética atribui o domínio da fala ao peixe, o qual se manifesta subjetivamente ao tecer uma crítica ao fato de sua dona dormir com o cabelo molhado. Esse estilo de poema em que o eu lírico desprende-se de sua concepção tradicional tem-se tornado uma constante nas produções poéticas contemporâneas.
• Versos/metrificação
Verso é o nome atribuído a uma sucessão de sílabas ou fonemas que formam uma unidade rítmica e melódica correspondente a uma linha do poema. Metrificação ou métrica, por sua vez, é o nome que se dá à medida de um verso, que é definida pelo número de sílabas poéticas.
Para determinar-se a medida de um verso, divide-se o verso em sílabas poéticas, procedimento que recebe o nome de escansão. Nesse procedimento, que é diferente da divisão silábica gramatical, as vogais átonas são agrupadas em uma única sílaba, sendo que a contagem das sílabas deve ser feita até a última sílaba tônica.
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• Estrofes
Estrofe é o nome dado ao agrupamento de versos em um poema. Como o número de versos em cada estrofe pode variar, a depender da quantidade, as estrofes podem ser denominadas da seguinte forma:
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Dístico: dois versos
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Terceto: três versos
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Quarteto ou quadra: quatro versos
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Quintilha: cinco versos
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Sexteto ou sextilha: seis versos
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Sétima ou septilha: sete versos
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Oitava: oito versos
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Nona: nove versos
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Décima: dez versos
• Rimas
Nomeia-se rima o recurso musical baseado na semelhança sonora das palavras situadas ou no final ou no interior dos versos. Classificam-se como rimas interpoladas (ABBA), alternadas (ABAB) e emparelhadas (AABB) as que são compostas no final dos versos.
• Linguagem
No gênero lírico, normalmente é utilizada a linguagem conotativa, ou seja, quando as palavras empregadas estão em seu sentido figurado, em seu sentido poético. Assim, o poeta tende a alterar o sentido de palavras cristalizadas no cotidiano para atribuir-lhe um sentido mais amplo. O leitor, por sua vez, vê-se, no movimento de leitura e de interpretação, como alguém que precisa decodificar as palavras presentes no poema para além de seu sentido denotativo, tendo como auxílio o contexto em que cada vocábulo aparece.
No gênero lírico, o uso das figuras de linguagem, como a aliteração (repetição de consoante), a assonância (repetição de vogal) e o paralelismo (repetição de frases e orações), contribui para o alcance da linguagem poética.
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Tipos de poemas
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Soneto: forma fixa constituída por duas estrofes com quarto versos e por duas estrofes com três versos.
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Balada: poema constituído por três estrofes com oito versos e uma estrofe com quatro versos.
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Rondó: poema constituído só por estrofes de quatro versos, ou por estrofes de quatro versos combinadas com estrofes de oito versos.
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Haicai: poema japonês composto por três versos, sendo que o primeiro verso tem cinco sílabas poéticas, o segundo tem sete, e o terceiro tem cinco.
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Ode: de origem grega, designa um poema entusiástico, de exaltação, significando o mesmo que “canto”. Estrutura-se, geralmente, em estrofes de quatro versos. Tem como temática assuntos ligados à natureza.
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Hino: poema destinado a glorificar a pátria ou louvar entidades religiosas. Estrutura semelhante à da ode.
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Écloga: poema que apresenta diálogo sobre temas bucólicos e pastoris.
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Idílio: poema curto de caráter bucólico, pastoril. Difere-se da écloga por não apresentar diálogo.
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Elegia: poema que trata de acontecimentos tristes ou da morte de alguém.
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Sátira: poema que censura os defeitos humanos, evidenciando o ridículo de determinada situação.
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Vilancete: poema constituído só por uma estrofe de quatro versos, ou estrofes de quatro versos combinadas com estrofes com oito versos.
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Epitalâmio: poema composto em homenagem às núpcias de alguém.
Exercícios resolvidos
Questão 1 - (UFU)
amar é um elo
entre o azul
e o amarelo
LEMINSKI, Paulo. La vie en close. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p.126.
Com base na leitura do poema, assinale a afirmativa que NÃO se aplica à poesia de Paulo Leminski contida em La vie em close.
a) Observa-se o emprego do haicai, tomado à tradição literária japonesa, evidenciando o gosto pelo poema breve.
b) Nota-se a predominância do eixo sintagmático sobre o paradigmático, conferindo ao poema um caráter mais discursivo.
c) Destaca-se a preferência pelo trocadilho e pelo jogo de palavras, marcados por efeitos de surpresa e condensação.
d) Ressalta-se, em relação ao signo verbal, a exploração dos significantes, vistos em relativa autonomia quanto aos significados.
Resolução
Alternativa B. O poema não possui caráter discursivo, uma vez o que o eixo sintagmático, sintático, não predomina sobre o paradigmático (isto é, sobre a forma poética, que prioriza o rítmico e o metafórico). Isso se evidencia no fato de que os signos verbais (as palavras) são explorados em seu significante (isto é, em sua forma sonora, em si), e eles são relativamente autônomos em relação ao significado (sentido que são atribuídos a eles), pois a definição de amor é o menos relevante no poema.
Questão 2 - (UFU) Em geral, a lírica é vista como o gênero que se caracteriza por expressar sentimentos e ideias íntimas de um sujeito poético. A poesia lírica seria, então, marcada sobretudo pela subjetividade, privilegiando o mundo interior em face ao mundo exterior.
Assinale a alternativa em que o fragmento do poema NÃO apresenta um eu lírico correspondente ao que foi descrito.
a) “Mundo mundo vasto mundo,/ se eu me chamasse Raimundo/ seria uma rima, não seria uma solução./ Mundo mundo vasto mundo,/ mais vasto é meu coração.” (ANDRADE, Carlos Drummond de. Alguma poesia)
b) “É mineral o papel/ onde escrever/ o verso; [...] É mineral, por fim,/ qualquer livro:/ que é mineral a palavra escrita, a fria natureza/ da palavra escrita.” (MELO NETO, João Cabral de. Psicologia da composição)
c) “Em que lugar ficou/ o que agora/ me faz falta/ o que não sei/ nem mais o nome/ o que antes foi tão querido/ [...] cercado por minha pele/ feito eu mesmo?” (FREITAS FILHO, Armando. Longa vida)
d) “Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho/ [...] Nem ama duas vezes a mesma mulher. [...] Ainda não estamos habituados com o mundo/ Nascer é muito comprido.” (MENDES, Murilo. In: Os quatro elementos)
Resolução
Alternativa B. No fragmento de João Cabral de Melo Neto, não encontramos um eu lírico que se manifesta subjetivamente, e sim versos metalinguísticos, que ressaltam a materialidade da palavra escrita e seu suporte (o papel). Nas demais alternativas, os sentimentos do eu lírico (isto é, seu mundo interior) estão em evidência.
Por Leandro Guimarães
Professor de Literatura