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A epopeia, também chamada de poesia épica ou heroica, é um gênero literário cuja composição consiste de um poema longo, narrativo, geralmente versando sobre os feitos de um herói, sobre acontecimentos históricos ou míticos, sobre elementos considerados como fundamentais a dada cultura. É um texto que se dedica a expor episódios gloriosos, engrandecer seus personagens principais e registrar para a posteridade suas realizações, dignas de serem lembradas e condecoradas.
Tópicos deste artigo
- 1 - O que é epopeia?
- 2 - Características de uma epopeia
- 3 - Estrutura da epopeia
- 4 - Exemplos de epopeia
O que é epopeia?
Misturando os gêneros narrativo e lírico, a epopeia traz, em forma de versos, fatos históricos combinados a um pano de fundo mitológico. É o caso de Os Lusíadas, de Camões, por exemplo: o autor narra, em 8.816 versos, a empreitada das Grandes Navegações portuguesas, um acontecimento histórico, ambientadas em meio a recorrentes menções mitológicas, como a ira de Baco, contrário aos lusitanos, e a afeição de Vênus, que lhes inspirou boa sorte na viagem.
A epopeia, no entanto, é um gênero muito mais antigo do que a composição de Camões. Os sumérios, por volta de 2000 a.C., narraram em versos a chamada Epopeia de Gilgamesh, considerada a obra literária mais antiga da humanidade. Entretanto, a epopeia fundamentou-se enquanto gênero literário apenas na Grécia Antiga, com as famosas composições atribuídas ao poeta Homero, intituladas Ilíada e Odisseia.
Trata-se do que os gregos chamaram um gênero de poesia elevada, isto é, um formato específico para a produção de textos destinados a narrar grandes feitos, importantes histórias de uma civilização.
Com a invasão romana e a incorporação da cultura grega na civilização latina, o poeta Virgílio escreveu a Eneida, de modo que a epopeia consolidou-se enquanto forma literária da Antiguidade Clássica, sendo retomada por diversos poetas ao longo dos séculos para produção de textos relacionados à história nacional, a um passado mítico ou lendário.
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Características de uma epopeia
A proposta da epopeia é sempre narrar em um tom grandioso um acontecimento ou lenda de grande importância nacional. Por se tratar de um gênero textual clássico, sua composição deve seguir uma estrutura e uma combinação de elementos fixos.
• Elementos de uma epopeia
• Há sempre um narrador, um eu lírico que conduz a narrativa. Entretanto, o foco é sempre na apresentação dos fatos;
• Há um distanciamento do narrador daquilo que é narrado;
• Presença de ação, isto é, da narração de acontecimentos;
• Encadeamento das ações, que são apresentadas de maneira progressiva;
• Histórias centradas em personagens moralmente elevadas – heróis nacionais cujos feitos os aproximam de deuses, e que remetem a uma coletividade cultural – e narradas em estilo e tom grandioso, sempre em busca da glorificação dos feitos apresentados, dignos de serem lembrados e eternizados, por representarem os valores de uma nação ou grupo;
• Divisão em partes autônomas, organizadas de maneira autossuficiente, uma vez que poderiam existir estrutural e historicamente por si mesmas;
• Presença constante de personagens mitológicas, principalmente da tradição greco-latina.
Estrutura da epopeia
Para ser classificada como epopeia, a obra deve conter as seguintes estruturas:
• Proposição: parte introdutória, em que o poeta apresenta o tema que será cantado;
• Invocação: momento em que o poeta invoca as musas ou deuses, para que lhes deem fôlego e perseverança para narrar com maestria o longo poema;
• Dedicatória: de uso facultativo, é a parte em que o poeta dedica a alguém a epopeia;
• Narração: parte em que o poeta narra, de fato, os grandes acontecimentos praticados pelo protagonista.
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Exemplos de epopeia
• (aprox. VIII a.C.), de Homero Ilíada
Epopeia que narra um dos episódios da Guerra de Troia. Protagonizada por Aquiles, guerreiro e semideus, que tomado por uma cólera impetuosa, volta-se contra Agamenon, chefe das tropas gregas, causando a morte de seu melhor amigo, Pátroclo, e de inúmeros outros companheiros.
Canto I
Canta, ó deusa, a cólera de Aquiles, o Pelida
(mortífera!, que tantas dores trouxe aos Aqueus
e tantas almas valentes de heróis lançou no Hades,
ficando seus corpos como presa para cães e aves
de rapina, enquanto se cumpria a vontade de Zeus),
desde o momento em que primeiro se desentenderam
o Atrida, soberano dos homens, e o divino Aquiles.
Entre eles qual dos deuses provocou o conflito?
Apolo, filho de Leto e de Zeus. Enfurecera-se o deus
contra o rei e por isso espalhara entre o exército
uma doença terrível de que morriam as hostes,
porque o Atrida desconsiderara Crises, seu sacerdote.
Ora este tinha vindo até as naus velozes dos Aqueus
para resgatar a filha, trazendo incontáveis riquezas.
Segurando nas mãos as fitas de Apolo que acerta ao longe
e um cetro dourado, suplicou a todos os Aqueus,
mas em especial aos dois Atridas, condutores de homens:
“Ó Atridas e vós, demais Aqueus de belas cnêmides!
Que vos concedam os deuses, que o Olimpo detêm,
saquear a cidade de Príamo e regressar bem a vossas casas!
Mas libertai a minha filha amada e recebei o resgate,
por respeito para com o filho de Zeus, Apolo que acerta ao longe.”
[...]
(Ilíada)
• Odisseia (aprox. VIII a.C.), de Homero
Centrada no herói Odisseu, também chamado Ulisses, rei de Ítaca, cuja astúcia e inteligência o tornam um homem capaz de grandes feitos. É dele a ideia do Cavalo de Troia, de esconder guerreiros gregos dentro de um enorme cavalo de madeira, oferecido como presente aos troianos. Ulisses passa anos a fio longe de seu reino e é tido como morto; a Odisseia narra as peripécias do herói e sua viagem de volta para casa.
Canto I
Fala-me, Musa, do homem astuto que tanto vagueou,
depois que de Troia destruiu a cidadela sagrada.
Muitos foram os povos cujas cidades observou,
cujos espíritos conheceu; e foram muitos no mar
os sofrimentos por que passou para salvar a vida,
para conseguir o retorno dos companheiros a suas casas.
Mas a eles, embora o quisesse, não logrou salvar.
Não, pereceram devido à sua loucura,
insensatos, que devoraram o gado sagrado de Hipérion,
o Sol — e assim lhes negou o deus o dia do retorno.
Destas coisas fala-nos agora, ó deusa, filha de Zeus.
Nesse tempo, já todos quantos fugiram à morte escarpada
se encontravam em casa, salvos da guerra e do mar.
Só àquele, que tanto desejava regressar à mulher,
Calipso, ninfa divina entre as deusas, retinha
em côncavas grutas, ansiosa que se tornasse seu marido.
Mas quando chegou o ano (depois de passados muitos outros)
no qual decretaram os deuses que ele a Ítaca regressasse,
nem aí, mesmo entre o seu povo, afastou as provações.
E todos os deuses se compadeceram dele,
todos menos Posêidon: e até que sua terra alcançasse,
o deus não domou a ira contra o divino Ulisses.
Mas para longe se afastara Posêidon, para junto dos Etíopes,
desses Etíopes divididos, mais remotos dentre os homens:
uns encontram-se onde nasce, outros onde se põe o Sol.
Para lá se afastara Posêidon, para deles receber
uma hecatombe de carneiros e de touros;
e aí se deleitou no festim. Quanto aos outros deuses,
no palácio de Zeus Olímpico se encontravam reunidos.
E o primeiro a falar foi o pai dos homens e dos deuses.
Pois ao coração lhe vinha a memória do irrepreensível Egisto,
a quem assassinara Orestes, filho de Agamêmnon.
A pensar nele se dirigiu assim aos outros imortais:
“Vede bem como os mortais acusam os deuses!
De nós (dizem) provêm as desgraças, quando são eles,
pela sua loucura, que sofrem mais do que deviam!
Como agora Egisto, além do que lhe era permitido,
do Atrida desposou a mulher, matando Agamêmnon
à sua chegada, sabendo bem da íngreme desgraça —
pois lhe havíamos prevenido ao mandarmos
Hermes, o vigilante Matador de Argos:
que não matasse Agamêmnon nem lhe tirasse a esposa,
pois pela mão de Orestes chegaria a vingança do Atrida,
quando atingisse a idade adulta e saudades da terra sentisse.
Assim lhe falou Hermes; mas seus bons conselhos o espírito
de Egisto não convenceram. Agora pagou tudo de uma vez.”
[...]
(Odisseia)
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• Eneida (aprox.19 a.C.), de Virgílio
Epopeia centrada em Enéas (ou Enéias), herói mítico sobrevivente da Guerra de Troia, cujo destino seria a fundação da cidade de Roma. Trata-se, portanto, da narrativa da origem da civilização romana, versando sobre o poder e a expansão do Império.
Canto I
Eu, que entoava na delgada avena
Rudes canções, e egresso das florestas,
Fiz que as vizinhas lavras contentassem
A avidez do colono, empresa grata
Aos aldeãos; de Marte ora as horríveis
Armas canto, e o varão que, lá de Tróia
Prófugo, à Itália e de Lavino às praias
Trouxe-o primeiro o fado. Em mar e em terra
Muito o agitou violenta mão suprema,
E o lembrado rancor da seva Juno;
Muito em guerras sofreu, na Ausônia quando
Funda a cidade e lhe introduz os deuses:
Donde a nação latina e albanos padres,
E os muros vêm da sublimada Roma.
Musa, as causas me aponta, o ofenso nume,
Ou por que mágoa a soberana déia
Compeliu na piedade o herói famoso
A lances tais passar, volver tais casos.
Pois tantas iras em celestes peitos!
Colônia tíria no ultramar, Cartago,
Do ítalo Tibre contraposta às fozes,
Houve, possante empório, antigo, aspérrimo
N’arte da guerra; ao qual, se conta, Juno
Até pospôs a predileta Samos:
Lá coche, armas lá teve; e, anua o fado,
No orbe entroná-la então já traça e tenta.
Porém de Teucro ouvira que a progênie,
Dos Penos subvertendo as fortalezas,
Viria a ser, desmoronada a Líbia,
À larga rei belipotente povo:
Que assim no fuso as Parcas o fiavam.
Satúrnia o teme, e a pró dos seus Aquivos
Recorda as lides que excitara em Tróia;
Nem d’alma agravos risca, dores cruas:
No íntimo impressa a decisão de Páris,
A injúria da beleza em menoscabo,
E a raça detestada e as honras duram
Do rapto Ganimedes. Nestes ódios
Sobreacesa, os da Grécia e ímite Aquiles
Salvos Troas, do Lácio ia alongando,
Por todo o plaino undíssono atirados;
E, em derredor vagando anos e anos,
De mar em mar a sorte os repulsava.
Tão grave era plantar de Roma a gente!
[...]
(Eneida)
• Os Lusíadas (1592), de Luís Vaz de Camões
Narra os feitos das Grandes Navegações portuguesas inspirado na forma das grandes epopeias homéricas.
Canto I
As armas e os barões assinalados
Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana
E em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando:
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.
E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mi um novo engenho ardente
Se sempre, em verso humilde, celebrado
Foi de mi vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloco e corrente,
Por que de vossas águas Febo ordene
Que não tenham enveja às de Hipocrene.
Dai-me húa fúria grande e sonorosa,
E não de agreste avena ou frauta ruda,
Mas de tuba canora e belicosa,
Que o peito acende e a cor ao gesto muda;
Dai-me igual canto aos feitos da famosa
Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;
Que se espalhe e se cante no Universo,
Se tão sublime preço cabe em verso.
[...]
(Os Lusíadas)
Por L.da Luiza Brandino
Professora de Literatura