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Haicai

Haicai popularizou-se pelo mundo como um tipo de poema que alia a concisão à reflexão sobre a passagem do tempo e a relação entre o ser humano e a natureza.

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O haicai é uma breve composição poética de origem japonesa. No plano temático, busca expressar a relação entre o ser humano e a natureza. Seu fundamento filosófico é o princípio budista segundo o qual tudo no mundo é passageiro, competindo ao ser humano reconhecer-se como passivo de mudanças contínuas, como a natureza e as quatro estações do ano.

No século XVII, o poeta japonês Matsuo Bashô (1644-1694) notabilizou-se como um grande mestre de haicai, permanecendo sua poesia como uma fonte de inspiração até hoje. No Brasil, esse estilo de poema continua sendo produzido com muita consistência.

Leia também: Literatura de cordel – poesia popular muito difundida no Norte e Nordeste do Brasil

Tópicos deste artigo

Características do haicai

O haicai é composto por três versos, sendo que o primeiro tem cinco sílabas poéticas, o segundo tem sete e o terceiro tem cinco. Observe o exemplo a seguir:

Inverno

O sol de inverno:
a cavalo congela
a minha sombra.

Esse haicai, de autoria do poeta japonês Matsuo Bashô (1644-1694), escrito entre 1687 e 1688, tem:

  • No primeiro verso, cinco sílabas poéticas: O/sol/de in/ver/no;

  • No segundo, sete sílabas poéticas: a/ ca/va/lo/ con/ge/la;

  • No terceiro, cinco sílabas: a/ mi/nha /som/bra.

Em relação ao aspecto temático, o haicai de Bashô mantém-se fiel ao gênero, caracterizado por apresentar reflexões sobre a natureza, a passagem do tempo, e reflete sobre uma estação do ano marcada pelo frio.

A relação do ser humano com o mais íntimo da natureza é um dos pilares filosóficos do haicai.
A relação do ser humano com o mais íntimo da natureza é um dos pilares filosóficos do haicai.

Haicai no Brasil

No Brasil, destacam-se como grandes poetas na composição de haicais: Paulo Leminski, Millôr Fernandes, Guilherme de Almeida e Paulo Franchetti.

  • Paulo Leminski

Nascido em 24 de agosto de 1944, em Curitiba, e falecido em 7 de junho de 1989, o poeta curitibano também foi tradutor, crítico literário, compositor e professor. Muito influenciado pela cultura japonesa, tornou-se admirador da obra do japonês Matsuo Bashô, o que o inspirou a produzir esse estilo de poesia. Veja alguns haicais de Paulo Leminski:

soprando esse bambu
só tiro
o que lhe deu o vento

confira
tudo que respira
conspira

a palmeira estremece
palmas pra ela
que ela merece

Nesses três haicais, todos sem título, observa-se características marcantes desse estilo de poema. No primeiro, os elementos da natureza, combinados e manipulados pelo ser humano, resultam em sons. No segundo haicai, o eu lírico alerta o leitor para a conspiração, vista como algo inerente a qualquer ser que respira, humano ou não. No terceiro poema, exalta-se a imponência e a beleza das palmeiras, as quais têm suas folhas agitadas pelo vento.

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  • Millôr Fernandes

Nascido em 16 de agosto de 1923, na cidade do Rio de Janeiro, e falecido em 27 de março de 2012, nessa mesma cidade, Millôr Fernandes foi humorista, dramaturgo, desenhista, escritor e jornalista. Escreveu, entre outros livros, a coletânea Hai-Kais, obra que reúne os haicais escritos por ele entre 1959 e 1986. Veja alguns deles:

Exótico,
O xale da velha
Na jovem é apoteótico.

Olha,
Entre um pingo e outro
a chuva não molha.
Prometer
E não cumprir:
Taí viver.

No ai
Do recém-nascido
A cova do pai.

No primeiro haicai, reflete-se sobre a diferença entre as gerações personificadas por uma mulher velha e por uma jovem. Essa diferença é delineada por um xale, que ao ser usado pela mais velha confere-lhe um ar exótico, ao passo que se usado pela mais jovem seria algo extraordinário, mais do que exótico.

No segundo haicai, nota-se a expressão de temáticas muito caras aos autores desse estilo: a menção a elementos da natureza. No haicai em questão, a chuva, quando vista na forma de seus pingos espaçados, não seria capaz de molhar como quando encarrada em sua totalidade.

No terceiro haicai, o eu lírico apresenta uma máxima segundo a qual não há quem prometa o que possa cumprir. No último haicai da seleção, observa-se que o choro de dor do filho recém-nascido representa para o pai a morte, tamanha a vontade de que o bebê não experimente nenhum sofrimento.

Veja também: 31 de outubro – Dia Nacional da Poesia

  • Guilherme de Almeida

Nascido em 24 de julho de 1890, na cidade de Campinas, e falecido em 1969, em São Paulo, capital, o poeta Guilherme de Almeida, um dos imortais da Academia Brasileira de Letras, além de escritor, foi advogado, tradutor, crítico literário e jornalista. Escreveu uma vasta obra poética, tendo se notabilizado como um grande autor de haicai. Veja alguns deles:

Chuva de primavera
Vê como se atraem
nos fios os pingos frios!
E juntam-se. E caem.

Infância
Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se "Agora".

De noite
Uma árvore nua
aponta o céu. Numa ponta
brota um fruto. A lua?

No primeiro haicai, evidencia-se, já a partir do título, uma característica muito recorrente nesse tipo de poema: a exploração temática das estações do ano. No poema em análise, a primavera é posta em evidência quando o eu lírico chama o leitor para ver como a chuva constitui-se pela junção dos vários pingos frios, os quais, juntos, formam a sua versão de primavera.

Em “Infância”, a passagem da vida, reflexão comum em muitos haicais, aparece metaforizada na imagem de uma amora comida pelo Sol, sem que esse ato seja cogitado para ser feito depois por uma criança, que tende a comer a fruta colhida assim que a encontra no pé.

No haicai “De noite”, a natureza, em sua simplicidade, é protagonista de espetáculos mágicos, como o de fazer a Lua, à noite, parecer, a depender do ponto de vista e da perspectiva de quem a olha, um fruto de uma árvore.

  • Paulo Franchetti

Nascido no interior de São Paulo, em 1954, o autor, que também é crítico literário e professor universitário, destaca-se, na atualidade, como um dos mais expressivos produtores de haicai no Brasil. Entre outras obras, publicou, em 1990, a antologia Haikai.

Primavera (Haru)
Na tarde abafada,
Só a voz de uma galinha
Que botou um ovo.

Verão (Natsu)
Com que certeza
Voam todas para oeste,
Garças desta manhã.

Outono (Aki)
O outono chegou —
Mais distantes e azuladas
As mesmas montanhas.

Inverno (Fuyu)
Manhã de frio.
Se fosse menino escrevia
Meu nome no vidro.

Nesses quatro haicais de Paulo Franchetti, as estações do ano são evidenciadas. No primeiro poema, a normalidade de um dia silencioso de primavera, estação caracterizada pelo florescimento da vegetação, é interrompida pelo cacarejo de uma galinha que acabou de botar. No segundo haicai, o destaque é para as garças, pássaros que, após o despertar do Sol, migram do lugar em que passaram a noite para o oeste.

No terceiro haicai, as montanhas são impactadas pelas características climáticas do outono, o que dá a impressão de que essas formações geográficas estão ficando mais distantes e azuladas. No quarto haicai, o frio característico do inverno é ressaltado pela neblina impregnada no vidro, o que propiciaria ao eu lírico, caso quisesse, escrever seu nome nele.

Acesse também: Mário Quintana – poeta que escrevia poemas marcados pela simplicidade

Exercícios resolvidos

Questão 1 - O haicai é uma forma poética que tem como característica a concisão e a objetividade. Por meio de apenas 17 sílabas poéticas, o enunciador (no caso, o poeta) capta um flagrante da natureza, e assim o materializa obedecendo a alguns parâmetros. Guilherme de Almeida, Paulo Leminski, Millôr Fernandes e Paulo Franchetti são alguns dos poetas brasileiros que fizeram desse estilo a sua principal manifestação artística. Sobre o haicai, é correto afirmar que ele é originário

a) do Brasil.

b) da Europa.

c) da China.

d) do Japão.

Resolução

Alternativa D. A forma poética haicai originou-se no Japão.

Questão 2 – (ITA) O poema abaixo, sem título, é um haicai de Paulo Leminski:

lua à vista

brilhavas assim

sobre auschwitz?

(Distraídos venceremos. São Paulo: Brasiliense, 1987.)

Nesse texto,

I. há constraste entre a imagem natural e o fato histórico.

II. o contraste entre “lua” e “auschwitz” provoca uma reação emotiva no sujeito lírico.

III. o caráter interrogativo revela a perplexidade do sujeito lírico.

Está(ão) correta(s):

a) apenas I e II

b) apenas I e III

c) apenas II e III

d) apenas III

e) todas

Resolução

Alternativa E. Os itens I, II e III são corretos, com base em uma perspectiva de contradições apresentadas por meio das palavras “lua” e “auschwitz”, a primeira como beleza e a última como tristeza/desalento.

 

Por Leandro Guimarães
Professor de Literatura  

Escritor do artigo
Escrito por: Leandro Guimarães Escritor oficial Brasil Escola

Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:

GUIMARãES, Leandro. "Haicai"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/haicai-um-poema-origem-japonesa.htm. Acesso em 10 de dezembro de 2024.

De estudante para estudante


Videoaulas


Lista de exercícios


Exercício 1

(ESPM)

Leia:

noite sem sono

o cachorro late

um sonho sem dono

(Paulo Leminski)

A forma poética acima é um haicai, de origem japonesa, que valoriza a concisão e a objetividade. Das características abaixo, também do haicai, assinale a que não foi utilizada pelo autor:

a) não revelar um “eu” poético subjetivo;

b) apresentar três versos metrificados;

c) referenciar a solidão e uma estação do ano;

d) oferecer um momento de reflexão para causar uma descoberta;

e) conter poucas palavras, com predominância de substantivos.

Exercício 2

(PUC – SP)

No poema
e nas nuvens,
Cada qual descobre
o que deseja ver.
(Helena Kolody)
Nuvens brancas
passam
em brancas nuvens
(Paulo Leminski)

Assinale a alternativa correta:

a) Os dois poemas têm em comum a forma do haicai e a mesma intenção de valorizar a natureza.

b) A palavra nuvens, nos dois poemas, tem o mesmo significado.

c) O poema de Helena Kolody tematiza o fazer poético.

d) O poema de Paulo Leminski apresenta sentido denotativo ao constatar o movimento das nuvens.
e) Helena Kolody influenciou a obra de Paulo Leminski quanto à adoção do haicai como forma
poética.