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O baiano Carlos Marighella (1911-1969) foi o principal nome da guerrilha comunista no Brasil durante o Regime Militar (1964-1985), tendo sido considerado o inimigo número um do país na segunda metade da década de 1960. A trajetória de Marighella sempre dividiu opiniões entre jornalistas e intelectuais brasileiros, tanto na direita quanto na esquerda política (e inclusive dentro da própria esquerda houve muita oposição às suas propostas revolucionárias).
O ingresso de Carlos Marighella na atividade política ocorreu no início da década de 1930, quando, ainda na cidade de Salvador, abandonou a carreira de estudante de engenharia para ser militante profissional do PCB (Partido Comunista Brasileiro). Nesse mesmo período, Marighella saiu da capital baiana com destino a fixar residência no Rio de Janeiro. Quando houve a instalação dos Estado Novo (modelo ditatorial adotado por Getúlio Vargas e inspirado no fascismo europeu), em 1937, Marighella, como outros comunistas da mesma época, foi por duas vezes preso e torturado, mas acabou por ser liberado, em 1945, com o fim do regime varguista.
Com o início do período democrático em 1945, Marighella foi eleito deputado federal pelo PCB da Bahia. Todavia, com o clima nascente da Guerra Fria, o Partido Comunista foi colocado na ilegalidade pelo governo de Eurico Gaspar Dutra, e Marighella passou a atuar na clandestinidade. Na década de 1950, o Comitê Central Comunista Chinês convidou Marighella para uma estadia no país oriental, onde permaneceria durante o biênio de 1953-54 para conhecer in loco o modelo revolucionário chinês. No início da década de 1960, a América Latina como um todo passou a viver ainda mais acirradamente as divergências político-ideológicas da Guerra Fria após a realização da Revolução Cubana em 1959.
Do comunismo cubano, que se instalou naquele país a partir de táticas de guerrilha, espalhou-se para toda a América Latina o modelo do “foquismo”, isto é, a teoria do foco guerrilheiro elaborada por Che Guevara, que consistia em instalar vários pontos de guerrilha no continente com o objetivo de instaurar múltiplos regimes comunistas, ou “muitos Vietñas”, nas palavras do próprio Guevara. No caso específico do Brasil, o modelo da guerrilha já vinha sendo organizado muito antes do Golpe de 1964. Em 1961, Francisco Julião já havia montado as chamadas Ligas Camponesas, em Pernambuco, e viajara a Cuba para estabelecer articulações com os revolucionários daquele país.
Quando o regime militar foi instaurado, Marighella já havia se mostrado avesso à postura que o PCB vinha adotando no Brasil. O PCB preservava a perspectiva da chamada “revolução burguesa”, isto é, a de que o Brasil deveria primeiro industrializar-se e formar uma nítida separação de classes entre burgueses e operários para que a Revolução pudesse acontecer de fato. Diante das circunstâncias apresentadas em 1964, Marighella optou pela ruptura com o PCB e pela adoção do “foquismo” guevarista. Em 1967, após ter participado de uma reunião da OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade) em Cuba, o revolucionário baiano fundou a ALN (Ação Libertadora Nacional), que se tornaria a maior organização promotora de ações terroristas de guerrilha urbana no Brasil, como assaltos, emboscadas e sequestros, tendo inclusive cooperado com ações de outras organizações, como a do sequestro do embaixador Charles B. Elbrick, idealizada pelo grupo carioca Dissidência da Guanabara.
O discurso teórico da ALN seguia o quase uníssono discurso da esquerda revolucionária latino-americana da época, que incluía o anti-imperialismo (relativo aos Estados Unidos) e a utopia da construção de uma sociedade “autogestionária” e sem classes, tal como pregada pelo credo marxista. Marighella foi o responsável pela disseminação dessas ideias associadas a táticas de luta armada por meio de seus escritos panfletários. Entre os escritos nos quais expôs suas análises sobre a situação política do Brasil estavam: “Por que resisti à prisão” e “A crise brasileira”. Entre aqueles que versavam sobre a teorização da luta armada estavam: “Algumas questões sobre a guerrilha no Brasil”, “Chamamento ao povo brasileiro”, “Pronunciamento do Agrupamento Comunista”, “Quem samba fica, quem não samba vai embora”, “Sobre a organização dos revolucionários”. Além desses, havia ainda o “Manual do Guerrilheiro Urbano”, pelo qual Marighella se tornou conhecido mundialmente e “louvado” por intelectuais de esquerda, como Jean-Paul Sartre, que chegou a publicar trechos do “Manual” e entrevistas com Marighella em sua revista “Les Temps Modernes”.
No “Manual”, Marighella faz recomendações radicais, tais como esta: É claro que o conflito armado do guerrilheiro urbano também tem outro objetivo. Mas aqui nos referimos aos objetivos básicos, sobre tudo às expropriações. É necessário que todo guerrilheiro urbano tenha em mente que somente poderá sobreviver se está disposto a matar os policiais e todos aqueles dedicados à repressão, e se está verdadeiramente dedicado a expropriar a riqueza dos grandes capitalistas, dos latifundiários, e dos imperialistas. (Manual do Guerrilheiro Urbano, Sabotagem, Ed. 2003 p. 7). Uma das “expropriações” mais famosas da ALN foi o assalto ao trem pagador, que percorria a linha da estrada de ferro Santos-Jundiaí, ocorrido em 10 de agosto de 1968. Marighella participou pessoalmente dessa ação.
A morte de Marighella ocorreu no ano seguinte (1969) em uma emboscada preparada pelo sistema de repressão de São Paulo e comandada pelo delegado Sérgio Fleury, conhecido como chefe do grupo de extermínio daquele estado. A emboscada de Fleury partiu de informações obtidas a partir da tortura de freis dominicanos que tinham conexão com a ALN.
Por Me. Cláudio Fernandes