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Variação linguística é uma expressão empregada para denominar como os indivíduos que compartilham a mesma língua têm diferentes formas de utilizá-la. Essa diversidade de escrita e fala decorre de fatores geográficos, socioculturais, temporais e contextuais, e pode ser justificada pelo funcionamento cerebral dos usuários do idioma bem como pelas interações entre eles. A importância das variações reside no fato de que elas são elementos históricos, formadores de identidades e capazes de manter estruturas de poder.
Leia mais: Concordância nominal – processo linguístico que também sofre influência das variações linguísticas
Tópicos deste artigo
- 1 - Tipos de variações linguísticas
- 2 - Por que existe a variação linguística?
- 3 - Fatores socioculturais
- 4 - Fatores sociocognitivos
- 5 - Importância da variação linguística
- 6 - Exercícios resolvidos
Tipos de variações linguísticas
A variação linguística consiste num fenômeno que reúne diversas manifestações faladas ou escritas dos usuários de uma mesma língua. Além disso, a ocorrência dela depende do fato de as palavras e expressões terem uma afinidade semântica, ou seja, estabelecerem uma relação de sentido bastante próxima, apesar de distinguirem-se no que toca ao aspecto fonético (som), fonológico (função dos sons), lexical (vocabular) ou sintático (relação entre os termos formadores de frases e orações).
Munido da noção acerca do que é a variação, veja, a seguir, quais são as suas espécies:
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Variação diatópica (variação regional)
A variação diatópica é a que ocorre em virtude das diferenças geográficas entre os falantes. Ela pode acontecer tanto entre regiões de uma mesma nação, por exemplo, Rio de Janeiro e Goiás, quanto entre países que compartilham a mesma língua, como Brasil e Portugal.
No caso dos dois Estados, a relação de proximidade linguística decorre do processo de colonização, que resultou na imposição de um novo idioma aos habitantes das terras além-mar. Embora a língua portuguesa foi e continua sendo oficial, ela se distanciou em vários aspectos daquela empregada na Europa, tendo em vista que tivemos a influência de diversas línguas não só dos indígenas mas também de povos estrangeiros, como os diversos grupos étnicos africanos.
Tais diferenças podem ser observadas no campo lexical. Por exemplo, apelido, no Brasil, significa um nome informal conferido a alguém, enquanto, em Portugal, o termo carrega o sentido de sobrenome.
Além desse âmbito, percebemos distinções sintáticas nos dois locais, como a posição dos pronomes oblíquos átonos (me, te, se, nos, vos), uma vez que, em situações informais, tendemos a colocá-los antes dos verbos (Te amo!), já os portugueses costumam inseri-los após os verbos (Amo-te!).
Também podemos constatar que há contrastes fonético-fonológicos, por exemplo, no país luso, há uma marcação bem forte do “l” nos finais de sílaba (Maria, pegue o “papellllll”, por favor!), já aqui esse fone é substituído pelo “u”, o que desencadeia o seu enfraquecimento (Maria, pegue o “papeu”, por favor!).
Assim como há variações entre Portugal e Brasil, no nosso território, em razão da dimensão continental e da pluralidade cultural, o uso da língua é modificado conforme a região. Portanto, temos, por exemplo, a palavra “menino”, na Bahia, e “guri”, no Rio Grande do Sul. Também percebemos o uso do pronome “tu” em algumas regiões do Pará e o amplo uso do “você” em diversos locais, como Minas Gerais, o que implica toda uma transformação sintática.
Ademais, constatamos um “r” retroflexo, conhecido também como “r caipira” por alguns linguistas, como Amadeu Amaral, em Goiás (“Porrrrrrrrta”), enquanto, no Rio de Janeiro, predomina o “r” que raspa no fundo da garganta.
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Variação diastrática (variação social)
A variação diastrática é decorrente das diferenças socioculturais, já que o fato de as pessoas terem ou não acesso contínuo e prolongado a uma educação formal e aos bens culturais, como museus, cinemas, literatura, shows de cantores bem avaliados pela crítica especializada, leva-as a expressarem-se de maneiras diversas.
Por exemplo, os advogados normalmente utilizam uma linguagem mais formal no exercício da profissão, considerando-se que, em tese, tiveram todo um aparato, inclusive financeiro, para estabelecerem uma comunicação mais sofisticada. Em contrapartida, os empregados domésticos tendem a utilizar estruturas linguísticas mais coloquiais, resultado principalmente da privação econômica e, consequentemente, educacional e cultural.
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Variação diacrônica (variação histórica)
A variação diacrônica é resultado da passagem do tempo, já que a língua está em constante modificação, pois os falantes são criativos e procuram novas expressões para comunicarem-se de forma mais efetiva. Além disso, tal fenômeno é causado pelos processos históricos, como a influência norte-americana no Brasil, que implicou a adoção de uma série de estrangeirismos, como brother, no sentido de camarada, e sale, que significa liquidação.
Importante destacar que grande parte das inovações linguísticas não permanece, fato que corrobora a necessidade de observar-se a cristalização das formas faladas e escritas apenas após certo tempo.
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Variação diamésica
A variação diamésica é a que acontece entre a fala e a escrita ou entre os gêneros textuais, ou seja, suportes de transmissão de uma dada informação que contenham características quase regulares, por exemplo, o whatsapp e a bula de remédio. Ressalta-se que a distinção entre fala e escrita não é estática, considerando-se que se pode construir um texto escrito marcado por expressões tipicamente orais e vice-versa.
Desse modo, um elemento distintivo entre a fala e a escrita é a instantaneidade ou não da formulação. Pense bem, quando você está conversando com alguém, as junções entre as palavras parecem muito naturais e formuladas no exato momento da fala, ao passo que a escrita, normalmente, requer um planejamento e estabelece uma possibilidade maior de transmitir uma mensagem exata, caso você tenha o domínio das normas padrões da língua.
Veja também: 5 de maio — Dia Mundial da Língua Portuguesa
Por que existe a variação linguística?
As variações linguísticas existem em virtude da combinação entre fatores socioculturais, isto é, as relações estabelecidas em determinadas comunidades, e fatores sociocognitivos, ou seja, as configurações de nossos cérebros nos momentos em que utilizamos a língua e influenciamos os outros indivíduos.
Percebe-se que a constituição das mudanças pressupõe uma adesão coletiva, pois as novas formas linguísticas só serão incorporadas se forem capazes de ser compreendidas mentalmente pela maioria dos falantes e contarem com a aprovação deles. Um exemplo disso é observado no filme Meninas malvadas, em que a personagem Gretchen tenta emplacar um novo bordão “Isso é tão barro”, porém a sua colega Regina adverte “Para de tentar fazer o barro acontecer, isso nunca vai pegar”.
Fatores socioculturais
Os fatores socioculturais são responsáveis tanto pelas mudanças linguísticas quanto pela tentativa de mantê-las estáticas. Nesse sentido, temos as instituições sociais, como as escolas; a tradição literária, os gramáticos e dicionaristas, e as academias de Letras; os meios de comunicação; o Estado com seus órgãos e entidades; e as diversas religiões, que se revestem da condição de defensores de uma língua intimamente conectada à cultura. O problema reside na questão de essa cultura ser um produto das classes socioeconômicas privilegiadas, fato que reduz o círculo de pessoas legitimadas a estabelecer mudanças.
Em contrapartida a esse movimento, a diversidade de origens geográficas, de etnias, de posições hierárquicas entre homens e mulheres e de graus de escolarização desencadeia variações linguísticas, pois a fala e a escrita, cada uma a sua maneira, são reflexos de uma sociedade plural. Vale ressaltar que, conforme o indivíduo tem mais acesso à educação formal, mais ele será capaz de trocar as expressões estigmatizadas por aquelas detentoras de status aceitável.
Além dessa situação que ocorre nos contextos locais, é importante observar que a mudança linguística também pode ser originada caso um número substancial de falantes de uma determinada língua veja-se coagido a utilizar uma escrita e fala diferentes das suas, seja em razão de emigração, seja em virtude de relações de dominação, como as vivenciadas pelos índios brasileiros em relação aos portugueses.
Fatores sociocognitivos
No que toca aos fatores sociocognitivos, a economia linguística constitui um ponto crucial para compreender-se o porquê das variações. Ela consiste em processos pautados em duas premissas: poupar a memória, diminuir o esforço ocasionado pelo funcionamento mental e tornar mais fácil o ato de exteriorização material da língua; e potencializar as capacidades comunicativas com base no preenchimento das falhas presentes na fala e na escrita.
Percebe-se, então, que tal fenômeno é responsável por um rearranjo, que retira alguns excessos existentes no idioma bem como acrescenta outros elementos, o que desencadeia uma diversidade de estruturas. Um exemplo que ilustra satisfatoriamente esses mecanismos articulatórios, fisiológicos e psicológicos é a tendência de formar-se palavras em que há uma alternância entre vogais e consoantes, por exemplo, “gato”. Essa propensão gera a colocação de vogais em termos que contam com mais de uma consoante juntas, como “advogado”, cuja proximidade entre a letra “d” e a “v” leva as pessoas a incluírem o som de “i” ou “e” entre elas, originando as variações fonéticas “adivogado” e “adevogado”.
Embora a economia linguística seja o elemento mais reconhecido, há que se falar também acerca da gramaticalização e da analogia como pilares sociocognitivos das variações. A primeira consiste na construção de recursos gramaticais inéditos por meio da reestruturação de formas já conhecidas pelos falantes. Tal ocorrência é observada, por exemplo, nas metáforas.
A cobra chegou. Não sei o que Daiane faz aqui.
Verifique que o termo “cobra” faz referência à pessoa Daiane, já que ela provavelmente possui um comportamento tão traiçoeiro quanto o do animal. Essa relação de proximidade levou o indivíduo a construir a metáfora citada.
Por sua vez, a analogia constitui um mecanismo de comparação entre as palavras, e, com base nisso, há o estabelecimento de semelhanças entre elas e a escolha de um padrão mais comum. Esse raciocínio é facilmente identificado quando as crianças pré-escolares conjugam alguns verbos irregulares, ou seja, palavras que podem ter seus radicais (parte que carrega o sentido principal) e desinências (parte final da palavra que carrega informações, como gênero, número) modificados de acordo com a conjugação.
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Se eu “queresse”, faria o bolo.
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Se eu quisesse, faria o bolo.
A primeira forma verbal é recorrente na primeira pessoa do pretérito imperfeito do subjuntivo, já que temos a manutenção do radical e a inserção da desinência “esse”, por exemplo, amasse, partisse, comesse, mandasse, bebesse; enquanto a segunda, apesar de estar gramaticalmente adequada, rompe com essa estrutura comum e apresenta-nos uma constituição diferente, causando, a princípio, estranhamento e vontade de adequá-la ao padrão.
Acesse também: Onde ou aonde?
Importância da variação linguística
A sociolinguística, responsável por advertir a respeito da importância de estudar-se a língua como parte da manifestação cultural e social de um povo, prevê que as variações são importantes, pois carregam a história de cada comunidade.
Assim, as diversidades de escrita e fala constituem retratos dos modos de vida dos usuários da língua portuguesa. Por exemplo, em cidades interioranas pequenas, cujo acesso à internet, à televisão e aos outros meios de comunicação e de mídia é limitado, a língua tende a não mudar tanto quanto nas grandes metrópoles, em que há, além de um bombardeio de informações, o contato com pessoas vindas de diferentes regiões.
Tal capacidade de reconstituição dos hábitos e experiências das comunidades contribui também para traçar-se um paralelo entre as regularidades das variações presentes em locais semelhantes, o que permite a compreensão acerca do funcionamento do cérebro desde o instante do pensamento até o da articulação das palavras e expressões. Portanto, as variedades permitem o entendimento sobre a competência linguística inata dos sujeitos, fortificada pelo desejo de estabelecermos comunicações efetivas.
Essas comunicações, por apresentarem marcas das variedades linguísticas, firmam-se como elementos estruturantes das identidades das pessoas, assim o modo de elas se enxergarem e analisarem o mundo ao seu redor trará tanto uma individualização quanto uma sensação de pertencimento a algum grupo.
Apesar do caráter positivo disso, constata-se, com base no comportamento da sociedade, que as variações enquanto formadoras dos seres também são utilizadas como instrumentos de estigmatização, exclusão e, consequentemente, perpetuação do poder de uma parcela da sociedade. Dessa maneira, a multiplicidade linguística figura como um fundamental mecanismo de opressão da língua considerada padrão em relação aos outros modos de expressão.
Veja também: Preconceito linguístico – rejeição às variedades linguísticas de menor prestígio
Exercícios resolvidos
Questão 1 - (IFPE-2017/adaptada) Leia o texto para responder à questão.
Disponível em: . Acesso: 08 nov. 2016.
Sobre a linguagem dos personagens do TEXTO, da página do Facebook “Bode Gaiato”, avalie as assertivas.
I. O texto verbal, embora escrito, revela aproximação com a oralidade. A grafia da palavra “nãm” evidencia esse aspecto.
II. Os falantes utilizam-se de uma linguagem com fortes marcas regionais, como a escolha da palavra “mainha”.
III. O diálogo entre mãe e filho revela o registro formal da linguagem, como podemos perceber pela utilização das expressões “venha cá pra eu...” e “que nem...”.
IV. O vocábulo “boizin”, formado com base na palavra inglesa boy, é uma marca linguística típica de grupos sociais de jovens e adolescentes.
V. Visto que todas as línguas naturais são heterogêneas, podemos afirmar que as falas de Júnio e sua mãe revelam preconceito linguístico.
Estão CORRETAS apenas as afirmações contidas nas assertivas
a) I, II e IV.
b) I, III e V.
c) II, IV e V.
d) II, III e IV.
e) III, IV e V.
Resolução
Alternativa A. O item III está incorreto, pois as palavras não estão grafadas de acordo com a modalidade padrão da língua. O item V está incorreto, pois as duas personagens empregam uma linguagem semelhante e encontram-se num mesmo nível socioeconômico, logo, não há alguém que possa estigmatizar o outro.
Questão 2 - (Enem-2017)
A língua tupi no Brasil
Há 300 anos, morar na vila de São Paulo de Piratininga (peixe seco, em tupi) era quase sinônimo de falar língua de índio. Em cada cinco habitantes da cidade, só dois conheciam o português. Por isso, em 1698, o governador da província, Artur de Sá e Meneses, implorou a Portugal que só mandasse padres que soubessem “a língua geral dos índios”, pois “aquela gente não se explica em outro idioma”.
Derivado do dialeto de São Vicente, o tupi de São Paulo se desenvolveu e se espalhou no século XVII, graças ao isolamento geográfico da cidade e à atividade pouco cristã dos mamelucos paulistas: as bandeiras, expedições ao sertão em busca de escravos índios. Muitos bandeirantes nem sequer falavam o português ou se expressavam mal. Domingos Jorge Velho, o paulista que destruiu o Quilombo dos Palmares em 1694, foi descrito pelo bispo de Pernambuco como “um bárbaro que nem falar sabe”. Em suas andanças, essa gente batizou lugares como Avanhandava (lugar onde o índio corre), Pindamonhangaba (lugar de fazer anzol) e Itu (cachoeira). E acabou inventando uma nova língua.
“Os escravos dos bandeirantes vinham de mais de 100 tribos diferentes”, conta o historiador e antropólogo John Monteiro, da Universidade Estadual de Campinas. “Isso mudou o tupi paulista, que, além da influência do português, ainda recebia palavras de outros idiomas.” O resultado da mistura ficou conhecido como língua geral do sul, uma espécie de tupi facilitado.
ANGELO, C. Disponível em: . Acesso em: 8 ago. 2012. Adaptado.
O texto trata de aspectos sócio-históricos da formação linguística nacional. Quanto ao papel do tupi na formação do português brasileiro, depreende-se que essa língua indígena
a) contribuiu efetivamente para o léxico, com nomes relativos aos traços característicos dos lugares designados.
b) originou o português falado em São Paulo no século XVII, em cuja base gramatical também está a fala de variadas etnias indígenas.
c) desenvolveu-se sob influência dos trabalhos de catequese dos padres portugueses vindos de Lisboa.
d) misturou-se aos falares africanos, em razão das interações entre portugueses e negros nas investidas contra o Quilombo dos Palmares.
e) expandiu-se paralelamente ao português falado pelo colonizador, e juntos originaram a língua dos bandeirantes paulistas.
Resolução
Alternativa A. Conforme o texto afirma, a língua indígena contribuiu para o léxico do português brasileiro, principalmente no que toca à observância dos elementos característicos dos locais para nomeá-los, por exemplo, Pindamonhangaba (lugar de fazer anzol), Avanhandava (lugar onde o índio corre) e Itu (cachoeira).
Por Diogo Berquó
Professor de Gramática