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A Guerra Civil Síria se estende desde 2011, envolvendo vários grupos armados. Iniciou como consequência da Primavera Árabe — os protestos que se espalharam pelos países árabes com pedidos de mais abertura democrática. A resposta violenta do governo fez os grupos de oposição se armassem, e 10 anos de conflito resultaram na morte de 600 mil pessoas.
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Causas do conflito
A Síria é governada pela família Al-Assad desde a década de 1970 de maneira ditatorial. Bashar al-Assad só assumiu o país em 2000, após a morte de seu pai, Hafez al-Assad. O governo de Bashar sofreu inúmeras críticas pela corrupção e pela falta de liberdade política. Essas críticas tomaram novas proporções com a Primavera Árabe.
A Primavera Árabe aconteceu quando a população de inúmeros países árabes manifestou-se exigindo democracia e melhores condições de vida em seus países. Os protestos iniciaram-se no final de 2010, na Tunísia, e espalharam-se por outros países, como Líbia e Egito. Na Síria, os protestos iniciaram-se em março de 2011, na cidade de Deraa, no sul do país. A resposta do governo sírio foi violenta, o que motivou novas rebeliões em diferentes partes do país, como na capital, Damasco, e em Aleppo, sua maior cidade.
As primeiras manifestações contra o governo de Bashar al-Assad aconteceram em uma escola de Deraa, quando estudantes menores de 15 anos começaram a pichar palavras contra o presidente. A polícia secreta síria foi mobilizada para prendê-los. Posteriormente, esses estudantes presos foram brutalmente torturados no interrogatório conduzido contra eles.
A prisão dos estudantes e a insatisfação da população motivaram novos protestos, e, à medida que a repressão do governo contra os protestos populares aumentava, mais protestos eram organizados. Logo se formaram grupos de resistência que se transformaram em milícias armadas, cujo objetivo era, primeiro, garantir sua defesa contra a repressão do governo e, segundo, garantir a derrubada de Bashar al-Assad.
Esses exércitos rebeldes foram inicialmente formados por civis e militares desertores que não concordavam com o trato violento que a população do país estava recebendo.
Crescimento da guerra civil
A ONU e a Liga Árabe movimentaram-se para buscar saídas diplomáticas ao conflito, entretanto, os cessar-fogos negociados nunca foram respeitados. Assim, a escalada da violência na Síria tomou proporções de guerra civil. Considera-se que a guerra civil na Síria se iniciou em março de 2011.
Nesse momento, a principal força rebelde era o Exército Livre da Síria (ELS), que surgiu em julho de 2011, e era formado, principalmente, por soldados desertores. Esse grupo possuía características seculares (não estava sujeito a nenhuma ordem religiosa) e, portanto, era considerado um grupo rebelde moderado, mas, com o tempo, o ELS passou por uma alteração ideológica, aderindo ideias fundamentalistas.
A partir de 2012, o Exército Livre da Síria perdeu força, e, desde 2016, esse grupo passou a ser abertamente dependente do apoio oferecido pela Turquia. A oposição rebelde na Síria também contou com grupos extremistas de tendência jihadista, como o Hayat Tahrir al-Sham, anteriormente conhecido como Jabhat Fateh al-Sham, e Frente Al-Nusra. Muitos analistas internacionais apontam que o Tahrir al-Sham possui ligações com a Al-Qaeda, mas os membros deste grupo negam isso.
A partir de 2013, o Estado Islâmico, antigo braço armado iraquiano da Al-Qaeda, aproveitou-se da instabilidade da Síria e aderiu a grupos rebeldes de jihadistas sunitas. Entretanto, como o Estado Islâmico cresceu rapidamente, ele se autoproclamou um califado em territórios na Síria e no Iraque. O califado é uma espécie de reino baseado na lei islâmica, a Sharia. A guerra, que havia começado por razões políticas, tomou proporções religiosas.
Outras frentes de guerra surgiram com pequenos grupos rebeldes, principalmente de tendências fundamentalistas. Entretanto, a atuação do Estado Islâmico e do Hayat Tahrir al-Sham diminuiu consideravelmente nos últimos por conta do enfraquecimento de ambos. Atualmente, a Tharir al-Sham tem forte presença no norte da Síria, e o EI, apesar de muito enfraquecido, ainda é uma ameaça para o país. Observadores internacionais temem um retorno dessa organização terrorista.
Outro grupo que teve destaque na guerra civil travada na Síria foram os curdos, que se mobilizaram para o conflito a partir de 2014, quando o Estado Islâmico passou a perseguir a minoria curda da Síria. As tropas curdas atualmente mantêm o controle ao norte da Síria, na região chamada Rojava ou Federação Democrática do Norte da Síria.
Como a guerra foi sendo travada entre diferentes grupos, o conflito espalhou-se por diversas frentes. Assim, mudanças e movimentações das tropas aconteceram (e ainda acontecem) com grande frequência na Síria. Por fim, é importante lembrarmos que a guerra na Síria tem mais de 10 anos de duração e está longe de ter um fim.
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Mobilização estrangeira
A guerra civil na Síria se tornou um conflito de grandes proporções, principalmente, em razão da interferência estrangeira no país. Diversos países envolveram-se direta ou indiretamente no conflito, financiando determinados grupos. Assim, o mundo assistiu a Síria se tornar palco de disputa de interesses entre nações.
O governo sírio possui o apoio da Rússia e do Irã, que enviam, além de armas e dinheiro, tropas. O Exército Livre da Síria e o exército curdo recebem o apoio dos Estados Unidos, que se opõem a Bashar al-Assad, mas principalmente ao avanço do Estado Islâmico, que, como vimos, foi um protagonista do conflito alguns anos atrás.
Além disso, a Turquia também financia o Exército Livre da Síria, mas luta abertamente contra o exército curdo (os curdos são uma minoria perseguida na Turquia). Observadores internacionais acreditam que o envolvimento da Turquia na guerra se deve pelo interesse dela em enfraquecer os curdos, em se tornar uma potência protagonista no Oriente Médio e em, quem sabe, expandir seu território, aproveitando-se da instabilidade da Síria.
Outros países que atuaram direta ou indiretamente no conflito foram Arábia Saudita, Reino Unido, França e Israel. Recentemente, em virtude do ataque americano contra a base aérea do governo sírio na cidade de Homs, as relações entre Rússia e Estados Unidos ficaram abaladas. A Rússia e o Irã manifestaram sua insatisfação ao ataque feito pelos Estados Unidos ao governo sírio (aliado russo).
Os Estados Unidos interviram porque atribuem a Bashar al-Assad o ataque químico que aconteceu, em abril de 2017, contra a cidade de Khan Sheikhoun. O ataque com armas químicas usadas em Khan Sheikhoun resultou em 86 mortes pelo altamente tóxico gás sarin. Ao todo, sabe-se de três ocasiões (em 2013, 2017 e 2018) em que o governo sírio fez uso de armas químicas contra a própria população.
Até o ano de 2015, a situação do governo de Bashar al-Assad era extremamente delicada no país e sofria pesados ataques de grupos rebeldes moderados e do Estado Islâmico. A intervenção iraniana e russa em favor de Al-Assad foi fundamental para sustentá-lo no poder. Atualmente, sua situação é confortável, e muitos opositores perderam força nos últimos anos.
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Consequências
Ao longo de 10 anos, a Guerra Civil Síria deixou consequências graves para esse país do Oriente Médio. A guerra foi responsável por destruir a infraestrutura do país, colocou grande parte da população local em situação de pobreza e foi responsável pela morte de milhares de pessoas.
Atualmente, fala-se que a guerra civil na Síria foi responsável pela morte de 600 mil pessoas. Essa estatística foi disponibilizada pelo Observatório Sírio para os Direitos Humanos e inclui as pessoas que estão oficialmente mortas e desaparecidos (que, dado o cenário do país, provavelmente, são pessoas que faleceram e não tiveram seus corpos encontrados ou identificados).
Fala-se também em cerca de dois milhões de pessoas que foram feridas ao longo do conflito. Entre essas pessoas, milhares ficaram com algum tipo de deficiência física permanente. Outra consequência foi a grande quantidade de pessoas que foram forçadas a abandonar as suas casas.
Estima-se que, aproximadamente, 13 milhões de sírios abandonaram suas casas, dos quais, sete milhões migraram no interior do território sírio, enquanto que outros seis milhões optaram por fugir do país. Desse total, mais da metade se refugiou no interior da Turquia, o país no mundo que mais recebeu refugiados sírios. A migração de milhões de sírios para a Europa resultou no que ficou conhecido como crise dos refugiados.
A guerra colocou milhares de pessoas em situação delicada, e muitos têm dificuldade de obter alimentos. Milhares de crianças tiveram suas chances de construir um futuro melhor destruídas ao ficarem sem educação, e milhões de sírios sofrem com a destruição do sistema de saúde do país ao longo desses 10 anos de guerra.
Os bombardeios que o país sofreu durante esse conflito fizeram com que cidades como Aleppo ficassem inteiramente destruídas, e a imagem dessa destruição correu o mundo. Por fim, a Síria, ainda, presenciou a destruição do seu patrimônio histórico cultural, com destaque para Palmira, que teve sítios importantíssimos sendo destruídos pelo Estado Islâmico.
Depois de 10 anos de conflito, os observadores internacionais ainda não veem possibilidades de término. Muitos acreditam que a Síria vai se tornar mais um país com instabilidade crônica, como é o caso de Iraque e Afeganistão, por exemplo.
Créditos das imagens:
[1] Harold Escalona e Shutterstock
[2] Olmo Couto e Shutterstock
Por Daniel Neves
Professor de História