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Ferreira Gullar, imortal da Academia Brasileira de Letras, é considerado um dos poetas mais importantes do Brasil. Sua poesia, muito dinâmica, apresenta desde aspectos intimistas a aspectos críticos da realidade política e social nacional. Além disso, ousou quanto à forma, sendo um dos fundadores do concretismo e do neoconcretismo. Também se destacou no teatro, tendo escrito peças premiadas.
Leia também: Gênero lírico – o gênero literário em que Ferreira Gullar mais se destacou
Tópicos deste artigo
- 1 - Biografia de Ferreira Gullar
- 2 - Características literárias de Ferreira Gullar
- 3 - Obras de Ferreira Gullar
- 4 - Poemas de Ferreira Gullar
- 5 - Prêmios de Ferreira Gullar
- 6 - Academia brasileira de letras
Biografia de Ferreira Gullar
Ferreira Gullar, pseudônimo de José de Ribamar Ferreira, nasceu em São Luís, Maranhão, em 10 de setembro de 1930. Sua infância foi típica de qualquer criança de classe média: estudava e brincava na rua com seus amigos de jogar bola ou acompanhava-os nas pescarias no Rio Bacanga.
Muito interessado por poesia, aos 18 anos, o jovem Gullar passou a frequentar os bares da Praça João Lisboa e o Grêmio Lítero Recreativo, onde, aos domingos, havia leitura de poemas.
Interessou-se muito pela poesia moderna, cujos principais autores do período eram Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira, poetas que lia com entusiasmo. No início, escandalizado com essa estética moderna, procurou estudá-la e, pouco tempo depois, aderiu a ela.
Seu primeiro livro, Luta corporal, foi publicado em 1954. Os últimos poemas dessa obra são considerados os embriões da poesia concreta, vertente literária à qual Ferreira Gullar foi um dos adeptos.
Descontente com a poesia concreta, o autor maranhense foi um dos pioneiros, em 1959, do movimento literário e artístico neoconcretismo. É de autoria de Gullar um manifesto e a “Teoria do não objeto”, textos referências para a compreensão dessa estética artística brasileira.
Muito ousado, Gullar inovou a poesia brasileira ao criar o “livro-poema”, o “poema espacial” e o “poema enterrado”. Este consiste em uma sala no subsolo a que se tem acesso por uma escada; após penetrar-se no poema, depara-se com um cubo vermelho; ao levantar-se esse cubo, encontra-se outro, verde, e sob este, há ainda outro, branco, que tem escrito numa das faces a palavra “rejuvenesça”.
O “poema enterrado” foi a última obra neoconcreta de Gullar, que se afastou dessa vertente literária para integra-se à luta política. Filiou-se ao Partido Comunista e passou a integrar a luta contra a Ditadura Militar de 1964. Nesse período, sua poesia voltou-se para questões políticas e sociais. Entre 1962 e 1966, por exemplo, publicou três poemas em estilo de cordel, numa tentativa de alcançar de forma mais direta o leitor de camadas mais populares.
Em razão de sua atuação política, foi processado e preso pela ditadura. Quando solto, teve que atuar na clandestinidade e, posteriormente, teve de exilar-se em Moscou e depois em Santiago do Chile, Lima e Buenos Aires.
Regressou ao Brasil em 1977, quando foi preso e torturado pelo regime militar, só sendo libertado por meio de forte pressão internacional. Trabalhou na imprensa do Rio de Janeiro e, depois, como roteirista de televisão, função que possibilitou que trabalhasse com o dramaturgo Dias Gomes.
Durante o exílio em Buenos Aires, Ferreira Gullar escreveu aquela que é considerada sua obra-prima: Poema sujo, um longo poema de quase 100 páginas. Muito impactante, essa obra foi traduzida para vários idiomas.
Além da poesia, o escritor maranhense também se dedicou ao teatro, sendo um dos fundadores, após o golpe militar, do Teatro Opinião, que teve importante papel na resistência democrática ao autoritarismo da época. Nesse período escreveu, com Oduvaldo Viana Filho, as peças Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come e A saída? Onde fica a saída? Também é autor da peça Um rubi no umbigo.
Em 2002, foi indicado para o Prêmio Nobel de Literatura, mas não foi contemplado. Faleceu em 4 de dezembro de 2016, na cidade do Rio de Janeiro, onde residia.
Características literárias de Ferreira Gullar
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Tom intimista, presente, principalmente, em sua produção poética inicial e em Na vertigem do dia (1980);
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Exploração da disposição espacial das linhas na página, característica do concretismo;
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Temas sociais e diálogo com a cultura popular por meio da criação de poemas em cordel;
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Temáticas ligadas à reflexão política, à experiência do poeta no exílio, como em Dentro da noite veloz (1975);
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Rememoração de passagens da infância e descrições de cenas do cotidiano, como acontece em Poema sujo (1976).
Veja também: Mario Quintana – poeta da simplicidade, da leveza e do humor
Obras de Ferreira Gullar
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Um pouco acima do chão (1949)
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A luta corporal (1954)
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Poemas (1958)
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Teoria do não objeto (1959)
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João Boa-Morte, cabra marcado para morrer (cordel) (1962)
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Quem matou Aparecida? (cordel) (1962)
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Cultura posta em questão (1965)
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A luta corporal e novos poemas (1966)
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Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, com Oduvaldo Viana Filho (1966)
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História de um valente (cordel) (1966)
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A saída? Onde fica a saída?, com Antônio Carlos Fontoura e Armando Costa (1967)
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Dr. Getúlio, sua vida e sua glória, com Dias Gomes (1968)
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Por você, por mim (1968)
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Vanguarda e subdesenvolvimento (1969)
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Dentro da noite veloz (1975)
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Poema sujo (1976)
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Um rubi no umbigo (1978)
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Uma luz no chão (1978)
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Na vertigem do dia (1980)
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Sobre arte (1982)
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Etapas da arte contemporânea: do cubismo à arte neoconcreta (1985)
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Crime na flora ou Ordem e progresso (1986)
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Barulhos (1987)
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A estranha vida banal (1989)
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Indagações de hoje (1989)
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Formigueiro (1991)
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Argumentação contra a morte da arte (1993)
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Nise da Silveira (1996)
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Gamação (1996)
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Cidades inventadas (1997)
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Rabo de foguete (1998)
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Muitas vozes (1999)
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Um gato chamado gatinho (2000)
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O menino e o arco-íris (2001)
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O rei que mora no mar (2001)
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O touro encantado (2003)
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Relâmpagos (2003)
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Dr. Urubu e outras fábulas (2005)
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O homem como invenção de si mesmo (2012)
Poemas de Ferreira Gullar
mar azul
mar azul marco azul
mar azul marco azul barco azul
mar azul marco azul barco azul arco azul
mar azul marco azul barco azul arco azul ar azul
Nesse poema, a característica concreta evidencia-se na disposição das palavras e versos na página. A cada sequência de versos, engloba-se um par composto por um substantivo e um adjetivo, os quais têm uma aproximação sonora. Ao final do poema, tem-se a imagem visual que lembra uma onda do mar.
Além do aspecto visual, o aspecto sonoro também é uma marca do poema, uma vez que a proximidade das palavras ‘“mar”, “marco”, “barco” e “arco” cria uma sonoridade que, associada à recorrência do adjetivo “azul”, amplia o sentido do poema por meio das figuras de linguagem assonância e aliteração.
Cantiga para não morrer
Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.
Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.
(Dentro da noite veloz, 1975)
Nesse poema, que já foi musicado pelo cantor e compositor Fagner, observa-se a presença de um tom intimista, em que o sentimento amoroso da voz lírica é direcionado à exaltação de sua amada.
O açúcar
O branco açúcar que adoçará meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.
Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.
Este açúcar veio
da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira,
dono da mercearia.
Este açúcar veio
de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no Estado do Rio
e tampouco o fez o dono da usina.
Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.
Em lugares distantes, onde não há hospital
nem escola,
homens que não sabem ler e morrem de fome
aos 27 anos
plantaram e colheram a cana
que viraria açúcar.
Em usinas escuras,
homens de vida amarga
e dura
produziram este açúcar
branco e puro
com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.
Toda poesia (1950/1980)
Nesse poema, a crítica social, uma das principais características da poesia de Ferreira Gullar, mostra-se evidente. Ao longo dos versos, a voz lírica, em primeira pessoa do discurso, desencadeia uma reflexão a partir do momento em que, em seu apartamento em Ipanema, pega o açucareiro para adoçar seu café. Essa reflexão passa pelo reconhecimento da alienação que perpassa muitos, principalmente aqueles das camadas urbanas privilegiadas, até a denúncia da exploração a que são submetidos os trabalhadores que fazem parte do início da cadeia de produção do açúcar.
Leia mais: Lima Barreto – autor pré-modernista que expôs diversas mazelas da sociedade brasileira
Prêmios de Ferreira Gullar
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Prêmios Molière, 1966, com Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
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Prêmio Jabuti de melhor livro de ficção do ano 2007, com Resmungos.
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Prêmio Camões, em 2010, pelo conjunto da obra.
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Título de Doutor Honoris Causa, em 2010, na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
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Prêmio Jabuti, em 2011, com o livro de poesia Em alguma parte alguma.
Academia brasileira de letras
Sétimo ocupante da cadeira número 37, foi eleito em 9 de outubro de 2014, tendo sido recebido, em 5 de dezembro de 2014, pelo Acadêmico Antonio Carlos Secchin.
Sua cadeira tem como patrono o poeta e inconfidente mineiro Tomás Antônio Gonzaga, tendo sido anteriormente ocupada por:
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Silva Ramos
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Ivan Junqueira (amigo de Ferreira Gullar)
Crédito da imagem
[1] Fronteiras do Pensamento / Commons
Por Leandro Guimarães
Professor de Literatura