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O materialismo histórico é uma teoria política, sociológica e econômica desenvolvida por Karl Marx e Friedrich Engels no século XIX. Os pensadores haviam entendido que o século XIX, vivente da alta modificação social propiciada pela Revolução Industrial, possuía uma nova configuração, baseada na força de produção da burguesia e na exploração da mão de obra da classe trabalhadora por parte da classe burguesa (donos das fábricas).
Os sociólogos também entenderam que sempre houve um movimento histórico de luta de classes na sociedade e que esse movimento era a essência da humanidade. A teoria de Marx e Engels divergia do idealismo alemão, principalmente de Hegel, que entendia haver um movimento intelectual de cada época que influencia as pessoas. Para Marx e Engels, eram as pessoas que faziam a sua época.
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Tópicos deste artigo
- 1 - Materialismo histórico e dialético
- 2 - Características do materialismo histórico
- 3 - Críticas ao materialismo histórico e o materialismo histórico depois do século XX
Materialismo histórico e dialético
Materialismo histórico e dialético é o nome da teoria desenvolvida por Marx e Engels. Marx realizou estudos econômicos publicados na série de livros O capital, em parceria com Friedrich Engels, bem como escreveu e teve a publicação póstuma de seus Manuscritos econômico políticos, em que estudou a organização política da Europa após a Revolução Industrial.
Marx foi profundamente influenciado pelo filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel, que havia formulado uma teoria dialética baseada na ideia da formação de um espírito de época, que, segundo seu autor, era uma espécie de ideia metafísica e coletiva que fazia com que as pessoas vivessem de certo modo.
No início, Marx foi adepto dessa teoria, porém, com o passar do tempo, ele percebeu contradições internas nela. Uma delas foi a ideia de imobilidade das classes sociais. Enquanto a teoria hegeliana admite uma imobilidade metafísica das classes, Marx admitia ser possível o oposto: a subversão das classes. Tal subversão somente seria possível por meio de uma revolução.
Para Marx e Engels, há uma contradição interna no sistema capitalista que faz com que os trabalhadores (proletariado) vejam-se como produtores de tudo por meio de sua força de trabalho, mas excluídos do sistema educativo, de saúde e de segurança. Os trabalhadores produzem, mas não conseguem acessar aquilo que é deles por direito.
A burguesia, por sua vez, não trabalha (na ótica marxista, os burgueses apenas administram aquilo que o proletariado produz), mas desfruta daquilo que rende do trabalho proletário e ainda tem acesso aos serviços de saúde, educação e segurança. Essa contradição fez com que Marx e Engels pensassem em uma aplicação prática das ideias resultantes do materialismo histórico dialético.
Para os teóricos alemães, os trabalhadores deveriam tomar consciência de classe e perceber que estão sendo enganados nesse sistema. A partir daí, eles deveriam unir-se e tomar o poder das fábricas das mãos da burguesia e o poder do Estado, que, segundo Marx e Engels, serve à burguesia.
A revolução do proletariado, como Marx denominou, seria a primeira fase de um governo que tenderia a chegar ao seu estado perfeito: o comunismo, uma utopia em que não haveria classes sociais (como burguesia e proletariado). No entanto, para isso, seria necessário um governo ditador baseado na força proletária, a ditadura do proletariado. Durante esse tempo, as classes sociais seriam suprimidas pela estatização total da propriedade privada.
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Características do materialismo histórico
O materialismo histórico pretende, inicialmente, romper com qualquer tradição idealista. Para Marx, o idealismo está apenas no plano ideal e não consegue concretizar nada que de fato modifique a sociedade. A pretensão desse autor era promover uma revolução social que subvertesse a ordem vigente de poder da classe dominante sobre a classe dominada. Nesse sentido, a característica fundamental do entendimento do materialismo histórico é a mudança social, de modo que o proletariado possa acessar o poder e estabelecer um governo de uniformidade social.
A teoria marxista entende que a humanidade define-se por sua produção material, por isso a palavra “materialismo” em seu nome. O marxismo também entende que a história da humanidade é a história da luta de classes, colocando, assim, as classes sociais como opostas. Nesse sentido, há uma relação dialética entre as classes, o que confere o termo “dialética” ao nome da teoria marxista, afastando-se de qualquer sentido dele antes proposto por Hegel ou por Platão.
O materialismo dialético é, então, o entendimento de que há uma disputa de classes sociais histórica desde os primórdios da humanidade e que ela está condicionada à produção material (trabalho e resultado do trabalho) da sociedade. O problema é que, na ótica marxista, o proletariado trabalha e a burguesia desfruta do lucro proporcionado pela classe operária por meio da apropriação do trabalho e do que Marx chamou de mais-valia.
A mais-valia é, para o autor, a diferença de preço entre um produto final e sua matéria-prima. Essa diferença é acrescentada pelo trabalho impresso sobre o produto, e, segundo Marx, todo o trabalho é feito pelos trabalhadores, enquanto a burguesia apenas desfruta do lucro. O lucro recebido pela burguesia é uma espécie de apropriação do trabalho do operário, que possui a sua força de trabalho usurpada e falsamente recompensada por um salário.
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Críticas ao materialismo histórico e o materialismo histórico depois do século XX
O contexto em que Marx e Engels formularam o materialismo histórico dialético era bem específico: a Inglaterra industrial do século XIX. Havia, naquele espaço e tempo, uma relação detalhada entre burguesia e proletariado, com suas diferenças de classe social.
De fato, a adoção do método proposto pelo materialismo histórico dialético para uma análise e produção de conhecimento filosófico, histórico e sociológico permanece atual. No entanto, as análises sociais passaram por severas mudanças no século XX e continuam mudando no século XXI por conta das alterações trazidas pela conquista de direitos, da urbanização, da tecnologia e, principalmente, da globalização e da expansão do capitalismo.
Ainda existe um choque de classes sociais, mas ele não se expressa diretamente pela relação entre burguesia e proletariado mais, visto que outras categorias e uma nova configuração de capitalismo entraram em cena: o capitalismo financeiro. O que permanece ainda hoje é a exploração das camadas mais pobres pelas camadas mais ricas da sociedade.
No contexto de mudanças, surgiram teóricos que deram uma nova interpretação ao pensamento socialista e ao materialismo histórico ou até mesmo criticaram a forma marxista de interpretação e análise social. O mais interessante é que as críticas e tentativas de superação do método marxista, profundamente difundido entre os intelectuais de esquerda, surgiram duplamente entre teóricos de esquerda e de direita. Trataremos, a seguir, de alguns desses autores:
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Antonio Gramsci
Podemos citar o filósofo e linguista italiano Antonio Gramsci como um dos primeiros marxistas a postular ideias marxistas que ultrapassaram Marx. Gramsci era abertamente comunista, inclusive foi um dos fundadores do Partido Comunista Italiano. O intelectual, preso por oposição ao regime de extrema direita imposto pelo ditador totalitário Benito Mussolini, o fascismo, teve como um dos seus principais pilares de formação política os escritos de Karl Marx.
Altamente influenciado por Marx, o filósofo italiano ocupou-se com a proposição de teorias socialistas, chegando ao ponto de ultrapassar as análises do próprio influenciador. A compreensão de Estado de Gramsci, por exemplo, vai muito além do entendimento de um simples mecanismo de perpetuação do poder (o Estado burguês e o Estado socialista pós-revolução).
Apesar de uma aparente intenção de Gramsci de fundar um Estado de tipo soviético na Itália em oposição ao Estado fascista, o filósofo também não estava de pleno acordo com a proposta de governo de Lênin, e, muito menos, compreendia o Estado como mera aplicação total da força sobre os indivíduos, como foi o Estado totalitário imposto por Josef Stalin. Gramsci pareceu encontrar-se no meio termo, em uma busca de equilíbrio entre força e controle administrativo, ao pensar a sua concepção de Estado.
A crítica e a tentativa de superação de Marx perpetuou-se no campo da filosofia com os filósofos políticos do século XX, entre eles os pós-estruturalistas. No entanto, vale notar que, em quase todos os casos aqui apresentados, os teóricos partiram das concepções marxistas e adotaram posições políticas alinhadas ao pensamento da esquerda. O que eles buscaram superar foi a dicotomia proposta pelo materialismo histórico.
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Hannah Arendt
A filósofa e teórica política Hannah Arendt teceu duras críticas ao pensamento político e filosófico de Marx. Em primeiro lugar, podemos destacar uma forte presença intelectual de seu orientador de doutorado em sua obra, o filósofo alemão Martin Heidegger. Em segundo lugar, as concepções políticas de Arendt partiam de uma noção dialética muito mais alinhada à dialética idealista de Hegel, tradição oposta ao materialismo histórico dialético.
Por sofrer com a perseguição nazista durante o governo de Hitler ao ponto de ser presa e ter que fugir para os Estados Unidos, Arendt voltou seus estudos para o fenômeno do totalitarismo. Ao ter entendido o poder totalitário pelos estudos dos governos de Hitler, Mussolini e Stalin, Arendt relacionou partes das preleções revolucionárias apontadas por Marx e a indicação da necessidade, em um primeiro momento após a revolução, de um Estado forte e ditatorial (a ditadura do proletariado), ao fenômeno totalitário na União Soviética. Em partes, o totalitarismo nasce do projeto de poder centrado em uma ideia de Estado forte e antidemocrático.
Já os filósofos pós-estruturalistas (teóricos que apareceram na segunda metade do século XX com a pretensão de elevar ao máximo a proposta de análise filosófica, sociológica, linguística e antropológica dos estruturalistas) tiveram também alinhamento intelectual com os ideais de esquerda, mas teceram críticas ao que podemos chamar de um marxismo ortodoxo. Para esses intelectuais, citaremos aqui os filósofos franceses Michel Foucault e Gilles Deleuze, há de pensar-se que o século XX enfrentou outras demandas e outros paradigmas que aqueles encontrados por Marx no século XIX.
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Michael Foucault
Para Foucault, o centro do poder capitalista dá-se pelo Estado burguês, desde a Revolução Industrial, não pela mera força centrada e por um simples aparelho estatal, mas pela vigilância e pela disciplinarização dos corpos das pessoas, criando o que o pensador chamou de corpos dóceis. Foucault entendeu que foi criado um mecanismo de vigilância que, ao invés de concentrar o poder em um único eixo (como era com o Antigo Regime, em que o monarca tomava todas as decisões e detinha o poder), espalha o poder em várias instituições que exercem a função de vigiar as pessoas e disciplinar os seus corpos.
Essas instituições são as de confinamento (que confinam o indivíduo em um determinado espaço para tornar o seu corpo um produto da disciplina): escola, quartel, fábrica, prisão, hospital e hospício. O intuito delas é manter o capitalismo em pleno funcionamento com a alta produção. Por isso, não se trata de mera questão de luta de classes a derrubada do capitalismo, mas da revisão desse modo de produção do poder.
Nesse entendimento, vemos Marx como uma espécie de teórico importante, mas que não se explicou de modo satisfatório. Encontramos em Foucault uma presença muito mais forte dos pensamentos do filósofo alemão Friedrich Nietzsche no tocante às formas de percepção do poder. Como Foucault mesmo disse, ele possuía uma espécie de “caixa de ferramentas” intelectual, na qual guardava as ideias de Nietzsche (e, de certo modo, também o materialismo histórico de Marx) e usava-as como aparelhos para a construção de sua própria teoria.
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Gilles Deleuze
Deleuze apontou ainda mais problemas, pois sua visão foi além do confinamento: para o filósofo, o final do século XX começava a viver uma era do controle. O controle é uma evolução da disciplina de Foucault que não precisa mais do confinamento, mas é exercido de maneira dispersa por mecanismos virtuais e flexibilização do trabalho. As pessoas são controladas o tempo todo, pois os mecanismos de controle (mídia e, mais tarde, internet, redes sociais etc.) expressam uma forma de dominação do indivíduo em tempo integral.
O trabalho vai além do espaço de trabalho. O indivíduo trabalha sem cessar, ele recebe e responde e-mails do serviço em seu tempo “livre”, ele é cobrado a ser um empreendedor de si mesmo o tempo todo. Essa nova configuração tira do espaço fabril a noção de proletariado e evidencia que, no século XX, o proletariado é muito mais explorado, pois, além da exploração no local de trabalho, há a que acontece fora dele, reforçando as engrenagens do capitalismo.
O materialismo histórico dialético não permite essas percepções de novos mecanismos, pois baseia-se em uma dialética material simplista que enxerga apenas o embate de forças entre burguês e proletariado e não percebe os mecanismos do capital que existem para além disso. Por isso, podemos afirmar que na filosofia política pós-estruturalista de Gilles Deleuze encontramos uma síntese de algumas ideias de Marx aliada a uma forte presença dos pensamentos de Nietzsche.
Por Francisco Porfírio
Professor de Sociologia