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Hannah Arendt

Hannah Arendt foi uma filósofa judia que se refugiou nos Estados Unidos por causa do nazismo e ficou mundialmente conhecida pelos estudos acerca dos regimes totalitários.

Hannah Arendt aos 18 anos de idade.
Hannah Arendt aos 18 anos de idade.
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Hannah Arendt destacou-se como uma das pensadoras mais originais em filosofia política no século XX. Seus livros e artigos indicam um modo próprio de relacionar acontecimentos históricos com apontamentos filosóficos, enfatizando a questão da liberdade. Não se considerou uma filósofa, no sentido de ser uma especialista, e escreveu em uma linguagem clara e acessível para o público geral. Após perceber que os ideais nazistas estavam ganhando aceitação e ser presa, fugiu da Alemanha e acabou encontrando refúgio nos Estados Unidos da América.

Leia também: Filosofia contemporânea: período filosófico de que Hannah Arendt fez parte

A última anotação de sua mãe no caderno conhecido pelo título Unser Kind descreve Hannah Arendt como misteriosa e difícil. Aos dezesseis anos, já conhecia escritos do filósofo Søren Kierkegaard e já havia terminado de ler A Crítica da Razão Pura, de Immanuel Kant. Em uma carta para Karl Jaspers, comenta que é com Heinrich Blücher que suas reflexões adotaram um teor político e histórico.

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Biografia de Hannah Arendt

Pertencente a uma família judia com condição financeira estável, Johanna Cohn Arendt, conhecida hoje como Hannah Arendt, nasceu em 1906, na cidade alemã de Linden, na antiga Prússia. Filha única de Paul Arendt e Martha Arendt, cursou engenharia na Albertina e dispunha de uma biblioteca com muitos livros clássicos.

Sua mãe, Martha Arendt, havia estudado por três anos na França e estava destinada a educar a filha segundo um ideal alemão elitizante. Um registro da evolução física e psicológica de Hannah Arendt, feito por sua mãe, é descrito em um caderno que recebe o título Unser Kind (nosso bebê).

A família mudou-se para a antiga cidade de Königsberg (atual Kaliingrado, na Rússia) em função do estado de saúde de Paul Arendt em 1909. Com a morte do pai, quatro anos mais tarde, Hannah Arendt e sua mãe mudaram-se para a casa de seu avô paterno, Max Arendt. Um acontecimento na escola para meninas em que estudou, o Luiseschule, é apresentado como indicativo de seu interesse em política: foi expulsa por insubordinação, após propor um boicote às aulas de um professor que a ofendeu.

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Por meio de sua mãe, conseguiu ser conduzida para a Universidade de Berlin, em condição especial, e lá estudou latim, grego e teologia. Mesmo após esse episódio infeliz, a escola permitiu a sua inscrição no exame de acesso à universidade, o que foi conquistado após meses de estudo árduo.

Iniciou seus estudos universitários em Marburg, em 1924, onde conheceu muitos estudantes que se tornaram filósofos importantes, como Hans Jonas e Karl Löwith. O contato com a filosofia e com essa universidade pode ter sido influenciado por um relacionamento anterior com Ernst Grumach, aluno de Martin Heidegger na época. Seu envolvimento com o filósofo Martin Heidegger é conhecido por muitos, mas se tornou público apenas anos mais tarde.

Em meados de 1930, a situação política na Alemanha já indicava o avanço do nazismo, e muitos começavam a ser presos e interrogados. Em 1933, Hannah Arendt ficou oito dias presa por tentar obter documentos a pedido de Kurt Blumenfeld. Após ser liberada, ela e sua mãe deixaram a Alemanha, inicialmente para Praga. Hannah Arendt seguiu para Paris, onde encontrou Heinrich Blücher, que não era judeu, em 1936, e com quem viveu por muitos anos.

A França, infelizmente, deixou de ser um lugar de esperança para se tornar local de cativeiro alguns anos mais tarde. Ambos foram enviados a campos de concentração, mas permaneceram presos por poucas semanas. Apreensivos, pouco tempo depois tentaram sair da França.

A chegada do casal aos Estados Unidos da América, em 1941, foi um momento de grande dificuldade. Portavam poucos bens e alguns manuscritos de Walter Benjamin – filósofo com quem tiveram contato na França. O início no novo país foi penoso, especialmente pela barreira cultural, e o sustento que conseguiam se resumia a pagar o aluguel e a manter uma alimentação simples. Nesse meio-tempo, Hannah Arendt elaborou muitos textos mesmo com a dificuldade de precisar escrever em uma língua nova.

A filósofa permaneceu apátrida (sem nacionalidade) e, consequentemente, sem direitos políticos durante 18 anos. Essa experiência certamente impulsionou suas reflexões. Um dos textos mais importantes desse período é justamente o que tem como título Nós Refugiados (1943).

Precisaram de ajuda de amigos até meados de 1951, o ano de publicação de seu primeiro livro, As Origens do Totalitarismo. Esse livro tornou-a conhecida como teórica política e marcou o início de outras publicações sobre a experiência política. Em 1961, a filósofa participou do julgamento de Adolf Eichmann, oficial alemão nazista, como repórter do New Yorker. Suas conclusões sobre o caráter desse oficial alemão e sobre a participação dos judeus no esquema nazista causaram revolta em muitos, especialmente judeus, sendo criticada em publicações e em palestras que concedeu.

Hannah Arendt continuou a publicar artigos e livros, sendo o de maior relevância filosófica A condição humana (1958), o qual lhe tornou a primeira mulher a ser convidada como professora visitante em Princeton.

Hannah Arendt e sua amiga Mary McCarthy.
Hannah Arendt e sua amiga Mary McCarthy.

Recebeu vários convites para palestrar e atuar como professora em muitas outras universidades, sendo o período em que atuou na Universidade de Chicago (1963–1967) e na Nova Escola de Investigação Social de Nova Iorque (1967–1975) suas últimas ocupações docentes. Sua obra de maior relevância estava sendo preparada quando faleceu, algumas semanas após seu aniversário de 69 anos.

A vida do espírito visava investigar a mente e o raciocínio humanos. A primeira e a segunda partes, Pensar e Querer, já estavam finalizadas, ficando a parte final, Julgar, por terminar. A pensadora estava reunindo rascunhos para datilografar essa última parte no dia de sua morte. A edição póstuma dessa obra coube a sua amiga Mary McCarthy.

Leia também: Solução final: o plano nazista de extermínio dos judeus na Europa

Principais ideias de Hannah Arendt

Hannah Arendt escreveu em um estilo próprio, relacionando acontecimentos e teorias que ofereceram uma nova abordagem para lidar com as dificuldades que estavam ocorrendo em seu tempo. Pode-se dizer que há um tema em comum em todas as suas reflexões: a vida política. Com base em uma abordagem fenomenológica, analisou os acontecimentos históricos sem partir de conceitos tradicionais da história da filosofia.  Evidenciava, assim, o que estava na base dos fenômenos. Nesse sentido, não propôs apenas uma abordagem histórica, como se tentasse induzir algo de uma acumulação de fatos.

A descoberta dos campos de concentração influenciou a escrita de As Origens do totalitarismo. [1]
A descoberta dos campos de concentração influenciou a escrita de As Origens do totalitarismo. [1]

Considera-se que boa parte da produção dessa pensadora seja uma continuação ou esclarecimento de sua investigação sobre o fenômeno do totalitarismo em seu primeiro livro, As Origens do Totalitarismo. Embora certas condições já estivessem presentes em momentos históricos anteriores, os regimes totalitários implementaram uma opressão política sem igual: o terror é a sua essência. Um estado de dominação total retira dos indivíduos o que os torna humanos e controla o espaço público, inviabilizando a atitude genuinamente política.

Hannah Arendt considerou, em todo caso, que a adesão da população era um dos fatores principais para a instalação de um governo totalitário. A ideologia seria o instrumento usado para fornecer um sistema de explicações que tornava qualquer dissenção ou oposição nulas.

Em A condição humana, apresenta a noção de vita activa em oposição à concepção contemplativa, teorética. Essa noção representa três aspectos da atividade humana: labor, trabalho e ação. O labor supre as necessidades biológicas de um indivíduo e da espécie; o trabalho indica o afastamento da natureza, construindo o mundo artificial em que vivemos; e a ação difere-se das demais porque não depende de qualquer meio, ou seja, a ação é livre e é um fim em si mesma. É ela que melhor caracteriza a capacidade do ser humano de começar algo novo, provocar o início, já que não há restrições ou condicionamentos no resultado dessa ação. O lugar de manifestação dessa ação é o âmbito público, que se assemelharia à noção de pólis na filosofia grega antiga.

Veja mais: Michel Foucault: biografia desse filósofo pós-estruturalista

Principais obras e citações de Hannah Arendt

  • As Origens do Totalitarismo: Antissemitismo, Imperialismo, Totalitarismo (1951): indica como os regimes totalitários representam uma aniquilação gradual da dignidade humana. São apresentados como uma forma de organização política baseada no terror, sem equivalências a tiranias ou ditaduras que ocorreram na história.

“O estabelecimento de um regime totalitário requer a apresentação do terror como instrumento necessário para a realização de uma ideologia específica, e essa ideologia deve obter a adesão de muitos, até mesmo da maioria, antes que o terror possa ser estabelecido.” |1|

  • A condição humana (1958): obra de teor filosófico na qual investiga diversos tipos de ação para especificar os constituintes da atitude política. Criticou a valorização da perspectiva teórica, implementada tradicionalmente pela filosofia, em detrimento da ação.

“Os homens são seres condicionados: tudo aquilo com o qual eles entram em contato torna-se imediatamente uma condição da sua existência. O mundo no qual transcorre a vita activa consiste em coisas produzidas pelas atividades humanas; mas, constantemente, as coisas que devem sua existência exclusivamente aos homens também condicionam seus autores humanos.” |2|

  • Eichmann em Jerusalém: Um relato sobre a banalidade do mal (1963): texto em que apresenta suas impressões sobre Adolph Eichmann, oficial nazista alemão.

“O problema com Eichmann era exatamente que muitos eram como ele, e muitos não eram nem pervertidos, nem sádicos, mas eram e ainda são terrível e assustadoramente normais. Do ponto de vista de nossas instituições e de nossos padrões morais de julgamento, essa normalidade era muito mais apavorante do que todas as atrocidades juntas, pois implicava que — como foi dito insistentemente em Nuremberg pelos acusados e seus advogados — esse era um tipo novo de criminoso, efetivamente hostis generis humani, que comete seus crimes em circunstâncias que tornam praticamente impossível para ele saber ou sentir que está agindo de modo errado.” |3|

  • Nós refugiados (1943): artigo onde expõe e reflete as dificuldades daqueles e daquelas que necessitaram procurar refúgio mesmo não tendo empreendido um ato político contra o governo de seu país.

“Aparentemente, ninguém quer saber que a história contemporânea criou um novo tipo de ser humano - o tipo que é posto em campos de concentração pelos seus inimigos e em prisões pelos seus amigos” (tradução nossa).|4|

Notas

|1| ARENDT. H. As Origens do totalitarismo: Antissemitismo, Imperialismo, Totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das letras, 2012.

|2| ARENDT. H. A condição humana, 10ª ed.. Tradução de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007b.

|3| ARENDT. H. Eichmann em Jerusalém: Um relato sobre a banalidade do mal. Tradução de José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

|4| ARENDT. H. The Jewish Writings. KOHN, Jerome; FELDMAN, Ron H.. (Eds.) New York: Schocken Books, 2007a.

 

Por D.r Marco Oliveira
Professor de Filosofia

Escritor do artigo
Escrito por: Marco Oliveira Escritor oficial Brasil Escola

Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:

OLIVEIRA, Marco. "Hannah Arendt"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/biografia/hannah-arendt.htm. Acesso em 18 de março de 2024.

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