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O chamado “neoliberalismo” é um dos temas mais polêmicos em se tratando de debates públicos, isto é, discussões entre políticos, jornalistas, analistas de conjuntura política e professores universitários. O conceito “neoliberal” remonta a dois momentos diversos: 1) à virada do século XIX para o século XX e 2) ao período dos anos 1980 e 1990. As discussões e polêmicas circundam ambos os períodos, como veremos.
Sabe-se que o liberalismo, ou liberalismo clássico, foi um conjunto de doutrinas econômicas e reflexões políticas que vigorou entre os séculos XVIII e XIX, influenciando uma grande geração de intelectuais e políticos. Adam Smith e David Ricardo estão entre os principais nomes da tradição liberal clássica. O termo neoliberalismo, a princípio, deveria indicar precisamente uma simples renovação ou uma reafirmação das doutrinas liberais, entretanto, não é bem assim.
Os neoliberais (ou “novos liberais”) da virada do século XIX para o início do século XX possuíam certa interferência de ideologias mais à esquerda e pendiam a uma posição socialmente reformista e intervencionista, o que ia contra as bases do pensamento liberal clássico. Esses “novos liberais” ainda davam especial ênfase nas políticas de justiça social e em práticas reformadas de controle estatal da economia, expressando, segundo José Guilherme Merquior, um desejo de substituir a economia do laissez-faire (“deixe fazer”), isto é, da livre iniciativa.
Essas ideias neoliberais, no início do século XX, foram endossadas por intelectuais como Hans Kelsen (no campo jurídico) e John M. Keynes (no campo da política econômica), mas duramente criticadas por outros herdeiros da tradição liberal clássica. Entre esses últimos, o principal foi o representante da Escola Austríaca de Economia, Ludwig Von Mises. Mises, junto a outros economistas vinculados à sua perspectiva, era radicalmente contra qualquer tipo de intervenção do Estado no seio da liberdade do mercado e do indivíduo.
As ideias críticas de Mises deitaram raízes sobre uma nova geração de intelectuais que despontou após a Segunda Guerra Mundial. Em meio a essa geração estava o também austríaco Friedrich A. Hayek, cujas ideias disputaram espaço nas décadas seguintes (e principalmente nas décadas de 1980 e 1990, em razão do colapso da União Soviética) com as ideias de John Keynes, no campo econômico, mas também com as de outros, em campos fora do estritamente econômico, como John Rawls, Norberto Bobbio e Robert Nozick. Esse cenário intelectual, que teve grande impacto sobre os governos dos Estados Unidos da América e do Reino Unido nas figuras de Ronald Reagan e Margareth Thatcher, configurou o segundo momento em que se empregou o conceito de “neoliberalismo”.
Esse momento (décadas de 1980 e 1990), como acentuou José Guilherme Merquior, em sua obra O Liberalismo – Antigo e Moderno, possuía uma mensagem diferente daqueles da passagem do século XIX para o XX. Diz Merquior:
[...] os triunfantes “neoliberalismos” de cerca de 1980 tinham uma mensagem muito diferente. Os neoliberais “hayekianos” tendem a desconfiar da liberdade positiva como uma permissão para o “construtivismo”, julgam a justiça social um conceito desprovido de significado, defendem um retorno ao liberalismo, e recomendam um papel mínimo para o Estado. Quanto aos neocontratualistas que se alçaram à fama na década de 1970, alguns deles, como Rawls e Bobbio, estão espiritualmente próximos às inclinações do novo liberalismo, enquanto outros, como Nozick, aparentam-se antes como os neoliberais. [1]
Sob o termo “neocontratualistas”, Merquior queria referir-se aos intelectuais pertencentes ao campo neoliberal que defendiam ideias com teor progressista (contratualismo remete ao pensamento social de Rousseau, sobretudo à obra “Do contrato social”). Além desses e da posição defendia por Hayek, houve também a posição da Escola de Chicago, cujo representante principal foi Milton Friedman.
Resta dizer, todavia, que, tanto por parte de quem segue a tradição liberal clássica ou endossa políticas econômicas de viés conservador como por parte de quem defende posições políticas de esquerda, como o intervencionismo do Estado na economia, política de assistencialismo social etc., sempre houve críticas ao conceito e às ações consideradas neoliberais. Um exemplo pode ser observado na história recente do Brasil.
No contexto dos governos de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, o termo neoliberal foi associado à política das privatizações pelos críticos de posição de esquerda, que qualificavam tais medidas como “entreguismo”, ou seja, a “entrega” das riquezas da nação a potências estrangeiras, enquanto os mais alinhados ao pensamento liberal clássico não viam nessas medidas nada de propriamente liberal, mas apenas uma forma menos ostensiva de controle estatal sobre a economia.
NOTAS
[1] MERQUIOR, José Guilherme. O Liberalismo – Antigo e Moderno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. p. 218-19.
Por Me. Cláudio Fernandes