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Os sertões, de Euclides da Cunha, é o livro que inaugura o pré-modernismo (1902-1922), um período literário que faz a transição entre o simbolismo e o modernismo brasileiros. Assim, apresenta traços de estilos anteriores — realismo, naturalismo, parnasianismo e simbolismo. As obras desse período apresentam um nacionalismo crítico, temática sociopolítica e linguagem jornalística.
Na obra Os sertões, de Euclides da Cunha, o narrador observador relata, com detalhes, a Guerra de Canudos (1896-1897). Dessa forma, o livro é dividido em três partes: “A terra”, em que a flora, relevo e clima do sertão nordestino são descritos; “O homem”, em que se descreve o sertanejo a partir de uma visão determinista, atrelada ao naturalismo; e “A luta”, quando o narrador relata, em detalhes, a Guerra de Canudos.
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Tópicos deste artigo
Análise da obra
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Narrador/foco narrativo
A obra Os sertões, de Euclides da Cunha, possui narrador observador em terceira pessoa, isto é, conta a história a partir do ponto de vista de um observador dos acontecimentos, sem participar das ações. Isso se deve ao fato de esse livro se configurar em um relato de caráter jornalístico, que visa, portanto, à imparcialidade, apesar de, em alguns trechos da obra, ser possível perceber o posicionamento de seu autor.
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Tempo
Os fatos ocorrem durante a Guerra de Canudos, portanto situados no final do século XIX, mais particularmente entre os anos de 1896 e 1897.
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Espaço
A cidade de Canudos, interior da Bahia, é onde ocorre a ação.
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A terra
Na primeira parte de Os sertões, intitulada “A terra”, o leitor tem acesso a descrições minuciosas do sertão nordestino, com detalhes da flora, relevo e clima. Além disso, o narrador faz uma análise científica dos elementos observados. Assim, as páginas descrevem, com detalhes, a entrada do sertão, no caminho para Monte Santo, marcado pela “aridez geral”, mas com a presença de “ipueiras” (charcos ou pequenas lagoas), que são “verdadeiros oásis”, porém têm “não raro, um aspecto lúgubre”.
Do alto da serra de Monte Santo, o narrador tem uma visão ampla do relevo, que é por ele descrito como “um misto”, pois apresenta “planícies que de perto revelam séries de cômoros, retalhados de algares; morros que o contraste das várzeas faz de grande altura e estão poucas dezenas de metros sobre o solo, e tabuleiros que em sendo percorridos mostram a acidentação caótica de boqueirões escancelados e brutos”. Já o clima do local faz com que, durante o dia, o calor seja escaldante; porém, quando desce a noite, “todo este calor se perde no espaço numa irradiação intensíssima, caindo a temperatura de súbito, numa queda única, assombrosa...”.
O narrador propõe hipóteses para a seca, como a monção de nordeste, que diminui a probabilidade de chuvas, e a disposição topográfica, já que falta “às terras flageladas do Norte uma alta serrania que, correndo em direção perpendicular àquele vento, determine a dynamic colding, consoante um dizer expressivo”. E também descreve a caatinga, com suas “folhas urticantes, com o espinho, com os gravetos estalados em lanças”. Além dos juazeiros, “que raro perdem as folhas de um verde intenso”; do umbuzeiro, que alimenta e ameniza a sede do sertanejo; e da jurema, que, “em pleno flagelar da seca, lhes porejam na casca ressequida dos troncos algumas gotas d’água”.
Segundo o narrador, Friedrich Hegel (1770-1831) “delineou três categorias geográficas como elementos fundamentais” que poderiam influenciar as diferenciações étnicas: “As estepes de vegetação tolhiça, ou vastas planícies áridas; os vales férteis, profusamente irrigados; os litorais e as ilhas”. Dessa forma, o narrador começa a dialogar com o determinismo naturalista, o qual defende que o meio exerce influência sobre o indivíduo. Mas, por outro lado, ele também mostra a influência que o indivíduo exerce sobre o meio, de maneira que o ser humano pode ser considerado um “fazedor de desertos”.
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O homem
Na segunda parte de Os sertões, intitulada “O homem”, o narrador traça um perfil do sertanejo, baseado no determinismo, ou seja, na influência que o meio, a raça e o momento histórico exercem sobre o indivíduo. Desse modo, ele analisa os três elementos étnicos formadores “das raças mestiças do Brasil”: o indígena, o africano e o português. Depois, o meio físico em que essas “raças mestiças” se formaram e a ação desse meio na “formação das raças”. Então se centra na “formação brasileira no Norte” e na figura do mulato.
O narrador recorre à história do país para entender como surgiu o “jagunço”, palavra utilizada como sinônimo de “sertanejo”. Usa as teorias científicas equivocadas da época para entender tal formação étnica e ressalta que a “mistura de raças mui diversas é, na maioria dos casos, prejudicial” e que a “mestiçagem extremada é um retrocesso”. Para ele, “o mestiço — mulato, mamaluco ou cafuz — menos que um intermediário, é um decaído, sem a energia física dos ascendentes selvagens, sem a altitude intelectual dos ancestrais superiores”. E, por fim, conclui, de maneira racista, que o sertanejo do Norte é uma raça inferior.
Declara o narrador que o “sertanejo é, antes de tudo, um forte”. Diz que ele não tem o “raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral”. No entanto, afirma que sua aparência diz o contrário. Além disso, segundo o narrador, ele é preguiçoso, até aparecer algo que exija a sua ação: “O homem transfigura-se. Empertiga-se, estadeando novos relevos, novas linhas na estatura e no gesto; e a cabeça firma-se-lhe, alta, sobre os ombros possantes aclarada pelo olhar desassombrado e forte”. Aproveita também para falar das tradições do sertanejo, como as danças, os desafios e a religiosidade.
Ele também traça um perfil do líder da revolta de Canudos, Antônio Conselheiro (1830-1897). A análise dessa personalidade histórica também é feita segundo as teorias naturalistas. O narrador culpa a esposa de Conselheiro pelo seu “desequilíbrio”, que chega ao ápice quando ela foge com um policial: “... E surgia na Bahia o anacoreta sombrio, cabelos crescidos até aos ombros, barba inculta e longa; face escaveirada; olhar fulgurante; monstruoso, dentro de um hábito azul de brim americano; abordoado ao clássico bastão em que se apoia o passo tardo dos peregrinos...”.
Por fim, o narrador conta a histórica de Canudos, inicialmente uma fazenda de gado. O local, em 1876, de acordo com o testemunho de um sacerdote, contava com muitas pessoas agregadas à fazenda, uma “população suspeita e ociosa” e “armada até aos dentes”. Porém, em 1890, era um lugar em ruínas, com umas cinquenta “capuabas de pau a pique”. Portanto, Conselheiro encontrou o lugar em decadência quando ali chegou em 1893.
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A luta
Na terceira parte de Os sertões, intitulada “A luta”, o narrador narra a Guerra de Canudos e dá detalhes das quatro expedições, com uma visão mais parcial e humana do conflito, de forma a apontar a fome e a miséria dos revoltosos. Para começar, o narrador aponta outras revoltas com as quais o governo precisou lidar: na cidade de Lençóis, no povoado de Brito Mendes, em Jequié, entre outros lugares. Ele conclui: “A campanha de Canudos despontou da convergência espontânea de todas estas forças desvairadas, perdidas nos sertões”.
Segundo o narrador, o conflito surge em 1896, quando Conselheiro compra madeira em Juazeiro para fazer uma igreja, mas o material não é entregue. O beato teria ameaçado invadir o povoado para tirar a madeira à força. Os boatos sobre a promessa de invasão fazem com que a Justiça do local peça ajuda governamental. A princípio, o governo da Bahia não dá a devida importância, mas logo a situação se agrava, e tropas são enviadas.
Em 4 de novembro de 1896, “uma força de cem praças da guarnição” é reservada para “ir bater os fanáticos do arraial de Canudos”. Assim, em 21 de novembro, ocorre o primeiro combate. Os seguidores de Conselheiro trazem uma bandeira do Divino e uma grande cruz de madeira. Esses combatentes levam velhas espingardas, foices e varapaus para lutar contra os soldados do governo, enquanto outros fiéis mostram imagens de santos, rezam e desfiam rosários de coco.
Os expedicionários não saem vitoriosos, e o conflito se estende. A partir daí, o narrador vai dando detalhes da guerra e fazendo análises das táticas das forças do governo. Os revoltosos conseguem resistir por meses. Porém, quando caem prisioneiros, “em estado deplorável: trôpegos, arrastados, exaustos”, são degolados pelos soldados do Estado. Assim, antes do fim do conflito, em 22 de setembro de 1897, Conselheiro morre devido a ferimentos e a uma diarreia, sem o conhecimento das forças governamentais. E a guerra se estende até 5 de outubro de 1897:
Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados.
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Euclides da Cunha
Euclides da Cunha nasceu em Cantagalo, em 20 de janeiro de 1866. Foi engenheiro, jornalista, ensaísta e historiador. Estudava na Escola Militar da Praia Vermelha, em 1888, quando, em ocasião da visita do ministro da Guerra, protestou contra a monarquia e, por isso, foi expulso do Exército. Nesse mesmo ano, residindo em São Paulo, passou a escrever para O Estado de S. Paulo. Porém, voltou ao Exército quando foi proclamada a República.
Em 1891, ingressou na Escola Superior de Guerra. Logo foi promovido a primeiro-tenente e se tornou bacharel em Matemática, Ciências Físicas e Naturais. Ainda como colaborador de O Estado de S. Paulo, escreveu artigos sobre a revolta de Canudos em março de 1897 e, como correspondente de guerra, partiu para a região do conflito em agosto daquele ano para cobrir a luta. Em 1903, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Morreu em 15 de agosto de 1909, no Rio de Janeiro.
Assim, Euclides da Cunha, com sua obra Os sertões, inaugura o pré-modernismo em 1902, período literário que realiza a transição entre o simbolismo e o modernismo brasileiros e apresenta as características apresentadas a seguir.
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Traços dos seguintes estilos:
- Realismo;
- Naturalismo;
- Simbolismo.
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Nacionalismo crítico.
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Temática sociopolítica.
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Ausência de idealização.
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Linguagem jornalística.
Crédito da imagem
|1| Editora L&PM / Reprodução
De Warley Souza
Professor de Literatura