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Mesma espécie, raças diferentes?
O conceito de raça é altamente complexo e objeto de grandes estudos sociológicos. O uso por parte do senso comum dessa forma de categorização perpetuou a ideia de que os grupos humanos são divididos de acordo com características biológicas.
As teorias sobre as diferentes raças humanas surgiram inicialmente no final do século XVIII e início do século XIX, tendo como autor principal Joseph Arthur de Gobineau (1816-1882) – o “pai do racismo moderno” –, filósofo francês e principal defensor da ideia de superioridade da raça branca. Desde então, vários trabalhos derivados da ideia de raças diferentes entre a espécie humana foram concebidos, de modo que, enquanto alguns autores distinguiram quatro ou cinco raças, outros chegaram a especificar mais de 20.
As teorias raciais surgiram como forma de tentar justificar a ordem social que surgia à medida que países europeus tornavam-se nações imperialistas, submetendo outros territórios e suas populações ao seu domínio. O conceito foi amplamente adotado em todo o mundo até o período da Segunda Guerra Mundial, quando o surgimento da ameaça nazista elevou a proporções astronômicas o preconceito e o ódio em relação a grupos humanos específicos.
Os trabalhos científicos que abordaram as diferenciações entre grupos humanos mostraram que, apesar das diferenças fenotípicas (cor dos olhos, da pele, cabelos etc.), as diferenças genéticas que existiam entre grupos de características físicas semelhantes eram praticamente as mesmas quando comparadas com as diferenças genéticas entre grupos de características físicas diferentes. Portanto, em termos biológicos, não existem “raças” com contorno definido, apenas um grande número de variações físicas entre os seres humanos.
Um dos exemplos de trabalhos sobre a contestação acerca do uso do termo “raça” para diferenciar grupos de indivíduos com base em características biológicas é o dos autores Sergio Danilo Junho Penha, professor do departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais, e Telma de Souza Birchal, professora do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais. O trabalho que eles desenvolveram foi intitulado: A inexistência biológica versus a existência social de raças humanas: pode a ciência instruir o etos social? (Revista USP -2006).
Diante dos fatos, a comunidade científica praticamente abandonou o uso do termo “raça”. Da mesma maneira, muitos autores da Sociologia concordam que o conceito de raça é apenas uma noção socialmente construída e perpetuada pelo preconceito ou pelo valor conceitual que alguns teóricos acreditam existir nos trabalhos que tratam de problemas sociológicos ligados à diferença. Nesse sentido, o conceito de raça é utilizado para tratar de problemas ligados ao valor socialmente atribuído a certas características físicas, como casos de discriminação ou segregação racial que ainda hoje observamos.
Dentre desse contexto, Anthony Giddens descreve o conceito de raça como sendo um “conjunto de relações sociais que permite situar os indivíduos e os grupos e determinar vários atributos ou competências com base em aspectos biologicamente fundamentados”. Isso quer dizer que a ideia de distinção racial vai além de tentar categorizar indivíduos por suas características biológicas, pois está também relacionada com certas formas de desigualdade social e outros fenômenos sociais.
Etnicidade
Enquanto o conceito de raça está ligado à ideia errônea ligada a traços biológicos definitivos, o conceito de etnicidade é puramente social. Ao tratarmos de etnicidade, estamos fazendo referência a construções culturais de determinada comunidade de pessoas. Os membros dos grupos étnicos enxergam-se como culturalmente diferentes de outros grupos sociais e vice-versa. Portanto, características como religião, língua, história e símbolos, por exemplo, são pontos de diferenciação entre etnias.
A manutenção da identidade de um grupo está relacionada com o cultivo de aspectos culturais. As tradições culturais são o mais claro exemplo disso. Comemorações que evocam memórias passadas ou realimentam mitos que constituem o conjunto de ferramentas interpretativas do mundo de cada grupo permitem que a constituição étnica atravesse gerações e perpetue-se no mundo social. Isso, porém, não significa que a etnicidade esteja em estado inalterável, isto é, não significa que a etnicidade seja uma estrutura imutável. Apesar de ser mantida por meio da tradição, a etnicidade ainda está sujeita às circunstâncias imprevisíveis do mundo social que habita. Grupos étnicos que migram para regiões completamente diferentes das de origem geralmente passam por uma restruturação de sua organização ao longo do tempo. Temos como exemplo mais próximo os imigrantes que chegaram em nosso país principalmente entre as décadas de 1920 e 1940. Eles passaram pelo processo de mudança de certos traços culturais que compunham sua etnicidade, como a adoção de uma língua estranha.
Por Lucas Oliveira
Graduado em Sociologia