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A relação entre o modernismo artístico e a Primeira Guerra Mundial é notória, haja vista que os artistas modernistas conseguiram, anos antes de a guerra estourar em 1914, captar a ruína do clima de euforia e da crença no progresso da civilização ocidental que marcou a chamada Belle Époque.
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Da euforia da Belle Époque à decadência
Sabemos que a chamada Belle Époque (“Bela Época”, em francês) foi o período que abrangeu as décadas de 1870 a 1900 e ficou caracterizado pelo grande otimismo no desenvolvimento material do mundo ocidental. Invenções tecnológicas importantes, como o telégrafo, o telefone, o cinema, a fotografia, as locomotivas e navios a vapor, entre muitas outras, possibilitaram maior integração mundial e um grande surto populacional, provocando o nascimento da chamada “sociedade de massas”. Todavia, esse clima de euforia teve os seus contrastes.
O mesmo tipo de modernização tecnológica que beneficiava a vida prática nos grandes centros urbanos também foi empregado na invenção de novos e sofisticados armamentos, que seriam usados na Primeira Guerra – evento que conduziu a Belle Époque à decadência total. O triunfo da “razão” e da “ciência” sofria, assim, contraponto com a irracionalidade das disputas raciais, nacionalistas e ideológicas de vários matizes, que desembocariam na catástrofe e na destruição da guerra. Foi em meio a essa atmosfera que apareceu o fenômeno artístico conhecido como modernismo.
Vanguardas artísticas e rupturas
Os artistas do modernismo, que se organizaram em grupos vanguardistas, como o cubismo, o surrealismo, o expressionismo, o abstracionismo, o futurismo e o dadaísmo, procuraram assimilar a atmosfera de decadência apontada acima e expor, cada qual ao seu modo, o tipo de produto artístico que seria correspondente a essa atmosfera. Com suas pinturas, esculturas e colagens, o espanhol Pablo Picasso, por exemplo, o maior representante do cubismo, procurava produzir um tipo de arte em que as formas de pessoas e objetos fossem apresentadas de modo decomposto, como se tivessem sido recortadas em pedaços e coladas desordenadamente.
Outros artistas, como Salvador Dalí, Wassily Kandinsky, Edvard Munch e Giacomo Balla, vinculados ao surrealismo, abstracionismo, expressionismo e futurismo, respectivamente, procuravam oferecer o mesmo tipo de “deformação das formas”, tanto na pintura quanto na escultura. No campo da música e do balé, não era diferente. Músicos como Arnold Schönberg, inventor da música dodecafônica (de “doze tons” em vez de sete notas), rompiam com a hierarquia tradicional da música clássica. O balé russo, de Diaghilev e Nijinski, acompanhado pela música dissonante de Stravinsky, também procurava o mesmo efeito de ruptura com o balé clássico, caracterizado pela leveza e delicadeza dos gestos.
A crítica mais ácida e mordaz à atmosfera de decadência da Belle Époque veio com o dadaísmo (formado em 1916, em meio à guerra), de Tristan Tzara, Hugo Ball e Hans Arp. Esses artistas foram além da ruptura com as formas clássicas e tentaram inaugurar o momento do “fim da arte”, ou uma “antiarte”, o que implicava a destruição completa da capacidade de representação ordenada da realidade por meio de qualquer expressão artística – a poesia, o teatro, a pintura etc.
Como bem acentua o pesquisador Márcio Hagihara:
[…] O grupo dadaísta (1916-23) organizado inicialmente em Zurique no Cabaret Voltaire reiterou a hostilidade à ordem social estabelecida, dando continuidade ao modelo vanguardista. A negatividade dadaísta se estendia a dois níveis: a destruição no âmbito da esfera social e a descontinuidade nas estruturas das linguagens semântica e artística. Os lemas eram a destruição da clareza, da coerência e da análise lógica. […] Para os dadaístas a lógica e a racionalidade eram destrutivas e enganosas, a verdade se expressava a partir da natureza, que segundo a concepção dadaísta, seria caótica e espontânea e instável. [1]
Os frutos dessas correntes modernistas seriam gerados no período entre a Primeira e a Segunda Guerra. O modo de compreensão da realidade por meio da arte nunca mais seria o mesmo depois da Primeira Guerra Mundial.
*Créditos da Imagem: Shutterstock e Bangkokhappiness
NOTAS
[1] HAGIHARA, Márcio. O ethos negativo e a arte de vanguarda. Dissertação de Mestrado. Departamento de Sociologia da UnB, 2007. p. 91.
Por Me. Cláudio Fernandes