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Euclides da Cunha foi um grande destaque da prosa pré-modernista brasileira, além de jornalista, militar e engenheiro, construtor de prédios públicos e pontes no interior de São Paulo. Sua principal publicação, Os sertões, é considerada referência no cânone literário brasileiro, por ficcionalizar importantes elementos de nossa cultura, exibindo aflitivos problemas sociais da nação, bem como uma poderosa narrativa do conflito histórico da Guerra de Canudos.
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Biografia de Euclides da Cunha
Euclides Rodrigues da Cunha nasceu em Cantagalo (RJ), em 20 de janeiro de 1866. Órfão de mãe aos três anos de idade, passou a infância sob tutela de duas tias no interior fluminense, e um ano aos cuidados da avó, na Bahia.
No Colégio Aquino, entrou em contato com os ideais republicanos, orientado por Benjamin Constant, e passou a editar, com os colegas, o periódico O Democrata, no qual publica seu primeiro artigo, “A viagem”, em 1884.
Aos 19 anos, ingressou na Escola Politécnica fluminense, onde não conseguiu manter-se por muito tempo, por falta de dinheiro. Transferiu-se, então, para a Escola Militar da Praia Vermelha, onde permaneceu por dois anos, até ser preso e expulso por rebeldia: republicano, quebrou seu sabre e recusou-se a prestar continência ao ministro da guerra do Império.
Mudou-se para São Paulo, onde passou a escrever para o jornal A Província de São Paulo, antecessor do atual O Estado de S. Paulo. Casou-se com Anna Ribeiro, filha do major Sólon Ribeiro. Depois de proclamada a República, foi reintegrado ao Exército.
Graduou-se em Engenharia Militar pela Escola Superior de Guerra em 1892, trabalhou como engenheiro na construção da estrada de ferro Central do Brasil, mas desligou-se do Exército em 1896, principalmente por divergências político-ideológicas. Não lhe aprazia o rumo que tomava o novo governo, tampouco as severas punições aplicadas aos envolvidos na Revolta da Armada.
Em 1897, partiu para a Bahia, a convite do jornal A Província de São Paulo, como correspondente de guerra, para cobrir os eventos de Canudos. Escreveu 22 artigos — a gênese do romance Os sertões, que seria publicado cinco anos depois.
Exerceu diversos cargos públicos, tendo sido convidado pelo Itamaraty para fixar os limites geográficos entre Brasil e Peru. Foi nessa época que contraiu malária, em Manaus. A doença reavivou sintomas de uma antiga tuberculose.
De volta ao interior paulista, descobriu que a esposa o traía com um tenente do Exército, de nome Dilermando de Assis. Adoentado, ficou por um tempo remoendo o ódio, até que, na manhã do dia 15 de agosto de 1909, saiu decidido a matar Dilermando. Entraram em duelo: Euclides disparou duas vezes contra o amante, mas não resistiu: o tenente era campeão de tiro. Euclides morreu com uma bala que lhe atravessou o pulmão.
Características literárias
Muitas vezes chamado de barroco científico, pela opulência das imagens e pelo uso acentuado de oposições e contrastes, o texto de Euclides da Cunha é uma verdadeira engenharia da palavra. Sua formação nas ciências exatas contribuiu para a construção frasal que utiliza termos técnicos — tanto melhor quanto mais precisa a palavra.
Frases densas e sinuosas compõem seu estilo — quanto mais complexo o tema tratado, mais complexa será a linguagem utilizada pelo autor.
Pioneiro na aproximação entre literatura e história, vê-se a influência das correntes teóricas do positivismo e do determinismo em seus escritos. É também um grande pesquisador, e seu método de escrita consiste na observação demorada e na pesquisa pura.
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Os sertões
Publicada pela primeira vez em 1902, Os sertões é objeto de análise de diversas áreas do conhecimento. Além da literatura, profissionais da antropologia, história, ciências sociais e geografia dedicam-se à pesquisa da obra, graças à sua contribuição ímpar para os primeiros pilares da reflexão sobre as peculiaridades socioculturais brasileiras.
Esse clássico da literatura nacional tem como ponto de partida os artigos escritos por Euclides da Cunha, para o jornal A Província de São Paulo, sobre a Guerra de Canudos, ocorrida no sertão baiano. A obra, no entanto, vai muito além do relato do conflito: o autor desenvolve um panorama que capta um dos vários processos de modernização do Brasil, e ressalta como eles se deram de forma não democrática, apresentando um grande compilado das contradições sociais, da pobreza e da miséria que assolavam a região nordestina.
Foi principalmente essa escassez de recursos que levou a figura messiânica de Antônio Conselheiro a reunir mais de 30 mil pessoas insatisfeitas com os rumos do governo republicano, que impunha um aumento abusivo de impostos e prejudicava os mais pobres. O resultado do embate foi um sangrento massacre de civis.
Os sertões é dividido em três partes: a primeira, “A terra”, é composta por aspectos essenciais da topografia sertaneja, e escrita com o rigor científico de um geógrafo e, ao mesmo tempo, ressaltando o papel metafórico dessa natureza árida — para além de um cenário do conflito, esse sertão encerra, na obra, analogias poéticas. A segunda, “O homem”, delineia o perfil racial do nordestino e reverbera boa parte das teorias raciais da época, que consideravam a miscigenação como prejudicial ao desenvolvimento de um povo. A terceira, “A luta”, narra os combates entre os membros do Exército e os rebeldes liderados por Antônio Conselheiro.
Essa divisão é parte de uma proposta relacionada às ideologias positivistas e deterministas do século XIX — o homem é um fruto de seu meio. Assim, para entender o conflito, o autor segue o raciocínio de que a história é determinada pelos fatores do meio, da raça e do momento. O meio árido é o responsável por originar o sertanejo, homem forte, gerado pelas hostilidades apresentadas pela natureza que o cerca.
A linguagem da obra é um de seus pontos altos: polifônica, nela se misturam brasileirismos, expressões populares, arcaísmos típicos da linguagem sertaneja, vocábulos indígenas, termos da imprensa panfletária e do ideário político-militar.
Os sertões obteve sucesso literário imediato: esgotou a primeira tiragem, de dois mil exemplares, e rendeu ao autor a nomeação para a Academia Brasileira de Letras.
Por Luiza Brandino
Professora de Literatura