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A Semana de Arte Moderna de 1922 foi um marco para a literatura brasileira. À época, o movimento transgressor que tinha como objetivo derrubar qualquer tipo de influência europeia nas artes brasileiras não foi bem recebido pela crítica e pelo público, mas aos poucos foi ganhando uma enorme importância histórica. Tudo o que hoje é produzido no campo da literatura apresenta relação com a fase heroica do modernismo: não fosse o arrojamento da tríade modernista – Manuel Bandeira, Oswald e Mário de Andrade –, talvez nossas letras ainda estivessem sob o domínio dos moldes clássicos e dos padrões europeus.
O principal compromisso dos primeiros modernistas era com a construção de uma literatura genuinamente brasileira, uma literatura que falasse de seu povo e de seus costumes por meio de uma linguagem livre de arcaísmos, na qual os temas do cotidiano, o nacionalismo, o humor e a ironia fossem privilegiados. Na primeira leitura, os textos da primeira geração modernista causam grande impacto, visto o rompimento com o poema clássico, cuja preocupação era, essencialmente, com a forma – daí o grande embate com toda a poesia produzida, principalmente, pelos escritores parnasianos.
Para mostrar para você um pouco mais sobre a produção literária da fase heroica do modernismo brasileiro, selecionamos cinco poemas da primeira geração modernista, poemas que abriram caminhos para grandes escritores da prosa e da poesia, nomes que foram influenciados pelo estilo e despojamento literário impressos nesses textos, entre eles o grande poeta Carlos Drummond de Andrade. Nesses poemas, você encontrará a fina ironia, o humor e uma interessante relação dialógica com poemas clássicos de nossa literatura. Boa leitura!
Canto de regresso à pátria
Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo.
Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.
Oswald de Andrade
Debussy
Para cá, para lá . . .
Para cá, para lá . . .
Um novelozinho de linha . . .
Para cá, para lá . . .
Para cá, para lá . . .
Oscila no ar pela mão de uma criança
(Vem e vai . . .)
Que delicadamente e quase a adormecer o balança
— Psio . . . —
Para cá, para lá . . .
Para cá e . . .
— O novelozinho caiu.
Moça Linda Bem Tratada
Moça linda bem tratada,
Três séculos de família,
Burra como uma porta:
Um amor.
Grã-fino do despudor,
Esporte, ignorância e sexo,
Burro como uma porta:
Um coió.
Mulher gordaça, filó,
De ouro por todos os poros
Burra como uma porta:
Paciência...
Plutocrata sem consciência,
Nada porta, terremoto
Que a porta do pobre arromba:
Uma bomba.
Eu sou trezentos...
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
As sensações renascem de si mesmas sem repouso,
Ôh espelhos, ôh! Pirineus! ôh caiçaras!
Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!
Abraço no meu leito as milhores palavras,
E os suspiros que dou são violinos alheios;
Eu piso a terra como quem descobre a furto
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo...
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
Só o esquecimento é que condensa,
E então minha alma servirá de abrigo.
Mário de Andrade
Por Luana Castro
Graduada em Letras