PUBLICIDADE
O determinismo é uma corrente teórica que afirma que há um conjunto de condições que determinam as ações dos sujeitos no mundo, especulando, portanto, a existência de uma grande coesão universal que interliga todos os indivíduos como partes de um só contexto. O pensamento determinista esteve presente em diversas áreas do saber, inclusive naquelas consideradas não científicas.
Leia também: Positivismo – corrente teórica inspirada no ideal de progresso contínuo
Tópicos deste artigo
- 1 - O que é determinismo
- 2 - Tipos de determinismo
- 3 - Determinismo e liberdade
- 4 - Autores deterministas
O que é determinismo
A palavra determinismo vem do verbo “determinar”. O verbo determinar advém do latim determinare, que significa, literalmente, “terminar para fora”, ou seja, terminar com vistas a algo externo. O determinismo enquanto corrente filosófica afirma que existe uma cadeia de relações causais (de causa e efeito) que determinam padrões de construção do mundo, interferindo inclusive nas ações e na vida das pessoas.
O determinismo parte da ideia de que há uma determinação da ação e da vida dos indivíduos pelo meio, pelos fatores genéticos, pelo contexto religioso ou por algum aspecto. A determinação, nesse sentido, é constante no mundo, o que faz necessário crer que há uma interligação de vários elementos que se relacionam no Universo.
Saindo da ciência e da filosofia, se pensarmos na composição astrológica do horóscopo, há uma ideia central de que a posição dos astros no momento do nascimento de uma pessoa determinará traços de sua personalidade. Na concepção judaico-cristã de vida, todas as pessoas têm um destino escrito por Deus e são por ele determinadas. Os gregos antigos acreditavam num tipo de determinismo que ficou conhecido como fatalismo e foi bem exposto nas tragédias gregas.
A mitologia grega afirmava a existência de três figuras divinas, as três moiras, que, acompanhadas de outras divindades, determinavam o destino dos humanos. As moiras eram fiandeiras, sendo que uma delas fiava o fio da vida (representando o nascimento), a outra tecia o fio (representando a vida em si) e a última cortava esse fio (representando a morte). A tragédia Édipo rei, escrita pelo tragediógrafo grego Sófocles, faz uma excelente alusão ao fatalismo grego.
Édipo rei conta a história de Édipo, nascido na família composta por Laio, rei da cidade de Tebas, e sua esposa, Jocasta. Ao consultar o oráculo sobre o destino de seu filho, Laio descobre que Édipo iria matar-lhe e casar-se com Jocasta. Aterrorizado, Laio ordena a um serviçal que abandonasse o bebê entre Tebas e Corinto com os pés amarrados em uma árvore para que ele morresse.
No entanto, um pastor encontra Édipo, e o rei de Corinto, Pólibo, adota-o e cria-o como se fosse seu filho legítimo. Ao tornar-se adulto, Édipo consulta o oráculo, que o esclarece sobre sua sentença amaldiçoada pelos deuses: que ele iria matar seu pai e casar-se com sua mãe. Atormentado, Édipo foge de Corinto para que seu destino não se cumprisse.
No caminho para Tebas, Édipo encontra-se com Laio, com quem, sem saber que era seu pai e o rei de tebas, tem um desentendimento, matando-o. Na entrada de tebas, Édipo depara-se com a esfinge, uma figura mitológica com o corpo de um leão e a cabeça de uma mulher. A esfinge atormentava a população de Tebas fazendo-lhe enigmas, e quem não os respondesse corretamente era morto.
Édipo responde corretamente o enigma: qual é o animal que anda com quatro patas ao amanhecer, ao meio dia, com duas patas, e com três patas, ao anoitecer? A resposta é o homem, que engatinha quando bebê, anda com duas pernas quando adulto, e com o auxílio de uma bengala, quando velho. A esfinge mata-se após um humano responder o seu enigma, e Édipo é considerado herói do povo tebano. Sem rei na cidade, Édipo passa a ocupar o cargo, desposando a rainha, Jocasta, que ele não sabia ser a sua mãe.
Horrorizado pela morte do rei de Tebas, Laio, e sem saber que ele o matou, o novo rei, Édipo, anuncia que o assassino, se fosse pego, como pena teria os olhos arrancados. No desenrolar da tragédia, Édipo descobre por um mensageiro que havia sido adotado por Pólibo e que era filho de Laio e de Jocasta. Também descobre que o homem que ele matou era o rei de Tebas e seu pai. Atormentado, Édipo arrancou os próprios olhos e saiu da cidade de Tebas, vagando sem rumo até a sua morte. A noção de fatalismo expressa-se na tragédia, pois, por mais que todos os personagens principais (Édipo, Laio e Jocasta) tentassem fugir dos seus destinos, eles não conseguiram.
Tipos de determinismo
-
Pré-determinismo: Todo efeito está contido na causa, ou seja, as ações iniciais do Universo promoveram toda uma cadeia causal sobre tudo o que acontecerá. O pré-determinismo encontra ecos na teoria deísta de Universo, que entende que ele foi criado por uma inteligência superior, que pode ou não ser Deus, e que somente é entendida por meio da razão, e não da religião. Também há elemento pré-determinista na psicologia behaviorista, que afirma que a mente do ser humano é formada por um sistema mecânico, em que estímulos desencadeiam reações precisas.
Veja também: Cosmologia – estudo da origem e composição do Universo
-
Pós-determinismo: Nessa concepção comum na teologia e nas religiões monoteístas, há um evento externo ao ser humano — Deus, e toda a vida é determinada não por Ele diretamente, mas por uma vida vivida para agradar a Ele. Cria-se um sistema mecanicista de determinação da vida para algo externo à pessoa.
-
Co-determinismo: Os efeitos são resultados de múltiplas causas e de outros efeitos. Os efeitos de causas anteriores relacionam-se entre si, por meio de conexões infinitas. Assim, apesar de haver determinismo, é impossível haver previsão exata do futuro. Essa teoria encontra espaço na teoria do caos, teoria matemática que prevê a aplicação de erros que resultam em múltiplos resultados imprevisíveis, e na teoria rizomática, desenvolvida pelo filósofo francês Gilles Deleuze e pelo psicanalista francês Felix Guattari.
-
Determinismo genético: Não se trata de uma forma de determinismo precisa, mas é uma teoria que afirma que os genes e as condições genéticas de uma pessoa determinam a sua vida.
-
Determinismo geográfico: Teoria encontrada, de maneira sutil, na obra do geógrafo e antropólogo alemão Friedrich Ratzel afirma que o meio ambiente determina o comportamento das pessoas que ali vivem. No entanto, Ratzel salienta que, por meio da utilização dos recursos naturais e da criação da cultura, é possível galgar os efeitos deterministas do meio.
-
Determinismo social: Seria algo como a aplicação do determinismo geográfico nos meios sociais capitalistas das sociedades urbanizadas industriais. Nessa vertente, acredita-se que o meio social em que um indivíduo nasce determina sua vida e suas ações. Indivíduos que nascem em meios violentos, por exemplo, seriam violentos. No entanto, apesar da grande influência do meio na vida das pessoas, podemos usar as exceções para afirmar que a determinação social não apresenta relações seguras de causalidade.
Leia também: Naturalismo – escola literária que sofreu influências do determinismo social
Determinismo e liberdade
Um longo debate travado pela história do pensamento ocidental dá-se entre as questões do determinismo e da liberdade. A princípio, se há determinismo, não há liberdade. Esse problema perpassou a filosofia patrística de Santo Agostinho.
Por um lado, o filósofo, teólogo e padre Agostinho de Hipona defendia o dogma pós-determinista da vida vivida para Deus. Por outro lado, assim como o filósofo patrístico Boécio, Agostinho defendia o livre arbítrio que Deus deu ao ser humano para seguir o seu caminho.
Se existe o bem e o mal e o ser humano é punido quando segue pelo caminho do mal, ele não pode estar predeterminado a agir dessa maneira por Deus, pois, se assim fosse, Deus seria mal e injusto. Para Agostinho, Deus deu as possibilidades: seguir com ele (e seguir uma forma de pós-determinismo), para alcançar o bem, ou afastar-se dele e alcançar o mal.
Outros teóricos resolveram esse problema modificando a noção de liberdade ou simplesmente afirmando que não há liberdade. Para o filósofo alemão contemporâneo Friedrich Nietzsche, por exemplo, não há liberdade completa. Há a possibilidade de mudança por meio da cultura, mas não há liberdade individual completa, pois há o que ele chamou de vontade de poder, que é um conjunto de forças cósmicas que movem a natureza e a vida.
Para o filósofo francês contemporâneo Gilles Deleuze, a liberdade não é livre escolha, e sim criação. Nesse sentido, há o determinismo (co-determinismo, na teoria desse filósofo) que não esbarra na liberdade individual, pois todo indivíduo tem capacidade de criar.
Para o filósofo francês contemporâneo e existencialista Jean-Paul Sartre, defensor da liberdade incondicional como elemento primordial do ser humano, não pode haver qualquer tipo de determinismo, pois, do contrário, não haveria liberdade, e a única certeza do ser humano é a liberdade.
Autores deterministas
-
Friedrich Ratzel: geógrafo e antropólogo alemão, acreditava que o meio determinava a vida e as ações das pessoas. Apesar de ser um dos maiores nomes do determinismo, essa palavra não aparece em sua obra.
-
Friedrich Nietzsche: filósofo e filólogo alemão, afirmava haver uma força criativa universal que movimentaria toda a vida. Ele chamou essa força de vontade de poder, e ela seria a motriz e causa de tudo.
-
Charles Darwin: biólogo inglês e criador da teoria da evolução das espécies, não mencionou diretamente o determinismo e não se preocupou em defender uma posição determinista. Entretanto sua teoria diz que a sobrevivência de uma espécie depende de sua capacidade de adaptação ao meio, o que denota um princípio determinista. Se há adaptação, há sobrevivência.
-
Baruch de Espinosa: para o filósofo holandês, qualquer ação de um ser humano não é uma ação isolada. Ela é resultado de ações anteriores que ele mesmo tomou, e essas ações são resultados de outras ações, o que coloca o ser humano numa espiral sem fim até a sua morte.
-
Gilles Deleuze: inspirado por Nietzsche e Espinosa, Deleuze afirmava que a liberdade é a capacidade de criar, e o pensamento que distingue o ser humano dos demais animais também é fruto dessa capacidade. A capacidade de criar, porém, não esquiva o ser humano de determinações de forças nas ações dele mesmo e dos outros, o que lhe dá infinitas possibilidades de ação.
Por Francisco Porfírio
Professor de Sociologia