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Maria Firmina dos Reis é uma escritora maranhense e romântica do século XIX, nascida em 11 de março de 1822 e falecida em 11 de novembro de 1917. Além de escritora, foi professora, musicista e a criadora da primeira escola mista do Brasil. Sua obra consiste em uma novela indianista chamada Gupeva (1861), o livro de poesias Cantos à beira-mar (1871), o conto A escrava (1887), além de composições musicais. Seu livro mais conhecido é Úrsula, romance abolicionista de 1859.
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Tópicos deste artigo
- 1 - Biografia de Maria Firmina dos Reis
- 2 - Contexto histórico
- 3 - Características literárias de Maria Firmina dos Reis
- 4 - Obras de Maria Firmina dos Reis
Biografia de Maria Firmina dos Reis
A escritora Maria Firmina dos Reis nasceu em 11 de março de 1822, em São Luís, no estado do Maranhão. Por isso, o 11 de março, em sua homenagem, é o Dia da Mulher Maranhense. Era filha da escrava alforriada Leonor Felipa dos Reis e, possivelmente, de João Pedro Esteves, um homem rico da região. Além de escritora, foi professora primária, de 1847 a 1881, e musicista.
Úrsula, sua obra mais conhecida, foi publicada em 1859, com o pseudônimo de Uma Maranhense. A partir daí, Maria Firmina dos Reis passou a escrever para vários jornais, nos quais publicou alguns de seus poemas. Escreveu uma novela, um conto, publicou um livro de poesias, além de composições musicais.
Em 1880, adquiriu o título de mestra régia. Nesse mesmo ano, criou uma escola gratuita para crianças, mas essa instituição não durou muito. Por ser uma escola mista, a iniciativa da professora, na época, provocou descontentamento em parte da sociedade do povoado de Maçaricó. Assim, a escritora e professora entrou para a história como a fundadora, segundo Zahidé Lupinacci Muzart (1939-2015), da “primeira escola mista do país”. Já aposentada, continuou lecionando em Maçaricó para filhos de lavradores e fazendeiros.
Morreu em 11 de novembro de 1917. Segundo José Nascimento Morais Filho (1882-1958), estava cega e pobre. Sua obra ficou esquecida até 1962, quando o historiador Horácio de Almeida (1896-1983) colocou a escritora em evidência. Recentemente, as pesquisas sobre a vida e obra de Maria Firmina dos Reis e a divulgação do seu nome intensificaram-se, e, aos poucos, a escritora vai sendo integrada ao cânone literário brasileiro.
Contexto histórico
Maria Firmina dos Reis viveu no contexto histórico do século XIX no Brasil. Apesar de estar distante do Rio de Janeiro, centro político do país naquele século, também sofreu a influência dos acontecimentos históricos nacionais, como bem demonstram suas obras. A autora está, portanto, inserida no contexto que propiciou o surgimento e desenvolvimento do romantismo no Brasil.
O primeiro fato histórico, nesse sentido, ocorreu em 1815, quando o Brasil deixou oficialmente a sua condição de colônia e transformou-se em reino governado por d. João VI (1767-1826). Como evolução desse acontecimento, anos depois, em 1822, ocorreu a independência do Brasil, proclamada por d. Pedro I (1798-1834), o que estimulou o sentimento nacionalista nos artistas e permitiu o surgimento, em terras brasileiras, do romantismo.
Outro fato histórico que influenciou a escrita romântica foi o surgimento dos movimentos abolicionistas, que levaram à promulgação de leis como a Lei Eusébio de Queirós (1950), que proibia o tráfico de escravos; a Lei do Ventre Livre (1871), que decretava a liberdade dos filhos de escravas que nascessem a partir da data de sua promulgação; a Lei dos Sexagenários (1885), que dava a liberdade aos escravos com 60 anos ou mais; e, por fim, a Lei Áurea (1888), que aboliu a escravidão no país.
Segundo Angela Alonso, doutora em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP):
“Quem primeiro explicou a abolição foram os abolicionistas. Seus discursos em efemérides, retrospectos na imprensa e memórias delinearam fatos, líderes e datas capitais do abolicionismo. Joaquim Nabuco, em Minha formação, José do Patrocínio, em artigos (Cidade do Rio, 5/5/1889), Duque Estrada (1918) e Evaristo de Moraes (1924), embora reconhecendo predecessores, elegeram 1879 como o início do movimento antiescravista no Brasil.”
No entanto, a pesquisadora afirma:
“O movimento abolicionista, contudo, é anterior a 1879 e a Nabuco. Associações antiescravistas remontam às vésperas da Lei Eusébio de Queirós, que proibiu o tráfico ultramarino de escravos em 1850, e manifestações coletivas contra a escravidão cresceram na segunda metade dos anos 1860, antes da Lei do Ventre Livre.”
Portanto, esse contexto explica não só a filiação de Maria Firmina dos Reis ao romantismo, como também permite caracterizar as suas obras, como, por exemplo, o romance Gupeva, de caráter nacionalista, e Úrsula, claramente abolicionista.
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Características literárias de Maria Firmina dos Reis
A escritora Maria Firmina dos Reis nasceu no ano da proclamação da independência do Brasil, ou seja, 1922. Esse fato histórico, como já mencionado, impulsionou o sentimento de nacionalidade dos artistas brasileiros, o que levou ao surgimento do romantismo no Brasil, que tem seu início em 1936. Assim, de forma geral, as obras da autora apresentam as seguintes características românticas:
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Subjetividade
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Adjetivação intensa
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Bucolismo
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Uso abundante de exclamações, interrogações e reticências
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Personagens heroicos
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Mulher idealizada
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Amor idealizado
Assim, até o momento, o romance indianista brasileiro tinha em José de Alencar (1829-1877) o único autor consagrado nessa temática. Entretanto, a autora também escreveu uma obra do gênero, Gupeva, de 1861, posterior a O guarani (1857) e anterior a Iracema (1865) e Ubirajara (1874), a trilogia indianista de José de Alencar. Na prosa indianista romântica, o índio é tratado como herói nacional. O objetivo principal dessas obras era despertar o sentimento de nacionalidade nos leitores da época.
Na novela Gupeva (ressaltemos que é uma obra anterior à Iracema), é narrada a história de amor entre o francês Gastão e a jovem índia Épica. O título da obra deve-se ao padrasto da heroína. Gupeva é o nome do vilão da história, um dos obstáculos que pode impedir a felicidade dos amantes, como é comum em obras desse gênero.
Já em Úrsula, a influência histórica está associada aos ideais abolicionistas do século XIX, evidenciados na trama desse romance de 1859, portanto, bem anterior à publicação de A escrava Isaura (1875), de Bernardo Guimarães (1825-1884).
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Obras de Maria Firmina dos Reis
Maria Firmina dos Reis escreveu as seguintes obras:
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Gupeva (1861) - novela
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Cantos à beira-mar (1871) - poesias
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A escrava (1887) - conto
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Hino da libertação dos escravos (1888) - letra e música
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Hino à mocidade - letra e música
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Auto de bumba meu boi - letra e música
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Valsa - música
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Rosinha - letra e música
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Pastor estrela do Oriente - letra e música
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Canto de recordação - letra e música
→ Análise de Úrsula
Úrsula, considerado o primeiro romance abolicionista do Brasil, é a sua obra mais conhecida. Essencialmente, o livro de Maria Firmina dos Reis fala de amor e ódio, de escravidão e liberdade:
“— Cala-te, oh! pelo céu, cala-te, meu pobre Túlio — interrompeu o jovem cavaleiro — dia virá em que os homens reconheçam que são todos irmãos. [...] e amaldiçoo em teu nome ao primeiro homem que escravizou a seu semelhante. Sim — prosseguiu — tens razão; o branco desdenhou a generosidade do negro, e cuspiu sobre a pureza dos seus sentimentos! Sim, acerbo deve ser o seu sofrer, e eles que o não compreendem!! [...]”.
Tancredo, dono da fala que acabamos de transcrever, é o herói da história. O livro começa quando ele sofre um acidente:
“De repente o cavalo, baldo de vigor, em uma das cavidades onde o terreno se acidentava mais, mal podendo conter-se pelo langor dos seus lassos membros, distendeu as pernas, dilatou o pescoço, e dando uma volta sobre si, caiu redondamente. O choque era por demais violento para não despertar o meditabundo viajor: quis ainda evitar a queda: mas era tarde, e de envolta com o animal rolou no chão.”
Sem sentidos, após a queda, ele é salvo por Túlio, um jovem negro e escravo:
“Nesse comenos alguém despontou longe, e como se fora um ponto negro no extremo horizonte. Esse alguém, que pouco e pouco avultava, era um homem, e mais tarde suas formas já melhor se distinguiam. Trazia ele um quer que era que de longe mal se conhecia, e que descansando sobre um dos ombros, obrigava-o a reclinar a cabeça para o lado oposto. Todavia essa carga era bastantemente leve — um cântaro ou uma bilha: o homem ia sem dúvida em demanda de alguma fonte.”
Túlio leva Tancredo nos ombros até a fazenda onde vive a jovem Úrsula, que cuidará do cavaleiro: “Úrsula chegou-se ao leito do enfermo, e com timidez, que a compaixão quase destruía, tocou-lhe as mãos. As suas gelaram de desalento e de comoção, porque sentiu as do doente ardentes como a lava de um vulcão”.
Não é preciso dizer que Tancredo e Úrsula apaixonam-se:
“Após um momento de silêncio, o cavaleiro disse à filha de Luísa B...: ‘Eis, Úrsula, a fiel narração da minha vida, eis os meus primeiros amores; o resto toca-vos. Fazei-me venturoso. Oh! em vossas mãos está a minha sorte’. E como resposta: ‘A donzela, comovida, não pôde falar e estendeu-lhe a mão, que ele beijou com amor e reconhecimento’.”
Na sequência, Tancredo conhece Luísa B., a mãe de Úrsula:
“[...] ao aproximar-se do leito de Luísa B... uma comoção de pesar lhe feriu a alma. É que nesse esqueleto vivo, que a custo meneava os braços, o mancebo não podia descobrir sem grande custo os restos de uma penosa existência, que se finava lenta e dolorosamente”.
Nesse encontro, Luísa B. conta a Tancredo a sua triste história. O irmão dela nutre um ódio sem fim pela irmã. O motivo foi o fato de Luísa B. casar-se com Paulo B., que “meu irmão no seu orgulho julgou inferior a nós pelo nascimento e pela fortuna”. Após o casamento, seu marido foi assassinado e, em seguida, ela ficou paralítica.
Outra personagem importante na história é a preta Susana, uma velha escrava. Túlio, a quem Tancredo dá dinheiro para comprar a alforria, decide ir embora da fazenda em que era escravo e vai despedir-se de Susana, que é para ele como uma mãe. Antes de o ex-escravo partir, ela lhe conta a sua história. Foi capturada na África e transportada em um navio negreiro até o Brasil. Diferentemente de Túlio, que nascera escravo, Susana experimentou a verdadeira liberdade, que talvez o jovem, mesmo alforriado, nunca poderá conhecer, dada a realidade do país em que vive.
Logo em seguida, para tornar a história ainda mais envolvente, surge o vilão, que vê Úrsula pela primeira vez e apaixona-se:
“— Mulher! anjo ou demônio! Tu, a filha de minha irmã! Úrsula, para que te vi eu? Mulher, para que te amei?!... Muito ódio tive ao homem que foi teu pai: ele caiu às minhas mãos, e o meu ódio não ficou satisfeito. [...] Maldição! Paulo B... está vingado!”
A partir daí, nessa história de amor, os protagonistas enfrentam as dificuldades que podem impedir a sua felicidade, rumo a um destino trágico ou a um final feliz, ambicionado pelas leitoras (e leitores) de folhetins do século XIX. No entanto, a obra é mais do que isso, pois, segundo a pesquisadora Zahidé Lupinacci Muzart:
“Ao lado do amor entre os jovens protagonistas, Úrsula e Tancredo, a trama traz, como personagens importantes, dois escravos que vão dar a nota diferente ao romance, pois pela primeira vez o escravo negro tem voz e, pela memória, vai trazendo para o leitor uma África outra, um país de liberdade.”
Crédito da imagem
[1] Editora PUC-Minas (Reprodução)
Por Warley Souza
Professor de Literatura