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Augusto dos Anjos

A voz mais ímpar da literatura pré-moderna nacional, Augusto dos Anjos é até hoje um dos poetas mais lidos e mais reeditados no Brasil, mesmo tendo produzido apenas um livro.

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Augusto dos Anjos, o mais sombrio dos poetas brasileiros, foi também o mais original. Sua obra poética, composta por apenas um livro de poemas, não se encaixa em nenhuma escola literária, embora tenha sido influenciado por características do Naturalismo e do Simbolismo, a produção única de Augusto dos Anjos não pode ser enquadrada em nenhum desses movimentos. É por isso que classificamos o poeta juntamente aos seus contemporâneos do Pré-Modernismo.

Mesclando termos filosóficos embebidos em puro pessimismo e vocabulário científico, que raramente seriam encontrados em textos poéticos, Augusto dos Anjos escreveu uma poesia violenta, visceral, atravessada por uma angústia cósmica, por uma eterna lembrança sepulcral.

Leia também: Lima Barreto – grande nome da prosa pré-modernista do Brasil

Tópicos deste artigo

Biografia de Augusto dos Anjos

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu em 20 de abril de 1884, no Engenho Pau D’Arco, Vila do Espírito Santo, atual município de Sapé, na Paraíba. Filho de antigos senhores de engenho, o poeta vivenciou, desde a infância, a lenta decadência de sua família. O pai, bacharel em Direito, ensinou-lhe as primeiras letras até seu ingresso no Liceu Paraibano para cursar o ensino secundário.

Em 1903, matriculou-se na Faculdade de Direito de Recife. Nesse período, começou a publicar alguns poemas no jornal paraibano O Comércio. Os versos chamaram a atenção dos leitores, principalmente de maneira negativa: o poeta foi tido como histérico, desequilibrado, neurastênico, qualidades que lhe seriam atribuídas ao longo da vida. Na Paraíba, foi apelidado de “Doutor Tristeza”.

Formado em 1907, Augusto dos Anjos nunca exerceu a profissão de advogado ou magistrado. Foi de Recife para a capital paraibana, onde passou a lecionar Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Em 1910, casou-se com Ester Fialho, com quem teve três filhos – o primeiro deles morreu ainda recém-nascido.

Augusto dos anjos - o poeta ligado à temática da morte e da podridão
Augusto dos Anjos - o poeta ligado à temática da morte e da podridão

Desentendimentos com o governador da Paraíba levaram o poeta a se transferir para o Rio de Janeiro, onde passou a lecionar Geografia depois de cerca de um ano desempregado. Em 1912, publica seu único livro, Eu, com a ajuda financeira do irmão. Mas não obteve nenhum reconhecimento do público leitor – exceto o repúdio da crítica de seu tempo, apegada ao lirismo comedido e parnasiano.

Em junho de 1914, mudou-se para Leopoldina (MG), assumindo o cargo de diretor de um grupo escolar na cidade, mas uma pneumonia dupla interrompeu a trajetória do poeta, que faleceu com apenas 30 anos, em 12 de novembro de 1914.

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Estilo de Augusto dos Anjos

Augusto dos Anjos é provavelmente o mais original dos poetas brasileiros. Embora tenha recebido algumas influências do Simbolismo e do Naturalismo, movimentos poéticos em voga na época, seu estilo literário não se encaixa em nenhuma das escolas.

Pessimista, cósmica, paradoxal, mórbida e angustiante, a poesia de Augusto dos Anjos é feita de um vocabulário científico misturado com uma tristeza profunda. O questionamento existencial encontra a ciência e a Teoria da Evolução de Darwin em uma combinação insólita, jamais vista antes, que constantemente relembra a fatal finitude humana nos termos da decomposição da matéria, da carne putrefata que encerra o tempo do vivente.

O amor, o prazer, a volúpia não são senão uma luta orgânica das células, como o é toda a existência humana, destinada a tornar-se cadáver e alimentar os vermes decompositores. E a própria construção dos versos de Augusto dos Anjos exprime essa luta: tudo é dito de maneira dura, cheia de excessos e hipérboles, em métrica rígida.

Trata-se de uma estética da podridão, da agonia, da deformação, misturando termos filosóficos e biológicos que eclodem em um grito violento em busca das razões da existência humana. Influenciada por Arthur Schopenhauer, cuja teoria filosófica percebia uma perene impossibilidade de felicidade, já que a vida humana se resume a um pêndulo entre o sofrimento e o tédio, a poesia de Augusto dos Anjos reverbera uma “eterna mágoa”, uma dor existencial perene a que estão implacavelmente submetidos todos os seres.

Veja também: Expressionismo – vanguarda europeia que também abordou a angústia existencial

Obras de Augusto dos Anjos

Augusto dos Anjos foi poeta de um livro só, intitulado Eu. Isso se deu em parte por sua morte prematura, em parte pelo gosto literário da época, que deliberadamente ignorou seu volume de poemas, ou o rechaçou veementemente. Olavo Bilac, bastante famoso em sua época, tomou conhecimento da existência do poeta apenas depois de sua morte e ao ouvir declamado um dos poemas de Augusto dos Anjos, disse: “Fez bem em morrer, não se perde grande coisa”.

A arrogância, petulância e insensibilidade do “príncipe dos poetas” parnasiano não poderia se provar mais errada: Augusto dos Anjos obteve fama póstuma. A terceira edição de seu livro de poemas, publicada em 1928, adicionou mais alguns escritos à coletânea, passando a se chamar Eu e outras poesias e vendeu 3 mil exemplares em 15 dias e 5.500 exemplares em dois meses. O livro já ultrapassa as 40 edições e Augusto dos Anjos segue sendo um dos poetas mais lidos do Brasil.

Poemas de Augusto dos Anjos

Versos íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Vocabulário
Formidável:
extraordinário, grandioso
Quimera: Fantasia, imaginação, delírio

“Versos íntimos” talvez seja o mais conhecido dos poemas de Augusto dos Anjos. Soneto decassílabo, com esquema de rimas ABBA-BAAB-CCD-EED, exprime a revolta diante da vivência atroz da máxima hobbesiana “o homem é o lobo do homem”. Nessa “terra miserável”, “entre feras”, não florescem os afetos – é um mundo de ingratidão, onde o beijo precede o escarro, onde aquele que ontem afagava, hoje apedreja.

Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundíssimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme – este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

Vocabulário
Rutilância:
brilho, esplendor
Epigênese: processo de desenvolvimento de um embrião a partir de um zigoto sem forma
Frialdade: frieza, indiferença

Em “Psicologia de um vencido”, também um soneto decassílabo com esquema de rimas ABBA-BAAB-CCD-EED, percebemos a presença pungente do vocabulário científico paralelamente a um quadro de sofrimento perene, que desde a infância o acompanha. Misérrimo (e com gosto pelos superlativos), sente repugnância pelo mundo, como se atingido por uma doença, com sintomas físicos. E percebe atento o verme, em analogia à morte, ao fim da existência e da matéria, que o espreita: é a estética da podridão.

Budismo moderno

Tome, Dr., esta tesoura, e... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte!

Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo
Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!

Vocabulário
Diatomáceas:
algas unicelulares que realizam fotossíntese e são encontradas em água doce ou salgada
Criptógama: plantas que se reproduzem por meio de esporos
Esbroa: reduz a pó, desagrega-se

“Budismo moderno” também é um soneto decassílabo, mas, dessa vez, com esquema de rimas ABBA-ABBA-CCD-EED. Nesse poema, o vocabulário biológico e muitas vezes esdrúxulo, pouquíssimo convencional em composições poéticas (“diatomáceas”, “criptógama”, “célula”, “óvulo”), é utilizado para enfatizar a composição orgânica, material da vida humana. A sugestão para que o médico o corte é já uma primeira lembrança dessa existência carnal: o coração, metáfora sentimental por excelência, terminará apenas como alimento dos vermes decompositores.

Uma curiosidade sobre esse soneto em particular é ter sido musicado por Arnaldo Antunes.

Queixas noturnas

Quem foi que viu a minha Dor chorando?!
Saio. Minh’alma sai agoniada.
Andam monstros sombrios pela estrada
E pela estrada, entre esses monstros, ando!

[...]

O quadro de aflições que me consomem
O próprio Pedro Américo não pinta...
Para pintá-lo, era preciso a tinta
Feita de todos os tormentos do homem!

[...]

Bati nas pedras dum tormento rude
E a minha mágoa de hoje é tão intensa
Que eu penso que a Alegria é uma doença
E a Tristeza é minha única saúde.

[...]

Sobre histórias de amor o interrogar-me
É vão, é inútil, é improfícuo, em suma;
Não sou capaz de amar mulher alguma
Nem há mulher talvez capaz de amar-me.

O amor tem favos e tem caldos quentes,
E ao mesmo tempo que faz bem, faz mal;
O coração do poeta é um hospital
Onde morreram todos os doentes.

Hoje é amargo tudo quanto eu gosto;
A bênção matutina que recebo...
E é tudo: o pão que como, a água que bebo,
O velho tamarindo a que me encosto!

[...]

Melancolia! Estende-me a tu’asa!
És a árvore em que devo reclinar-me...
Se algum dia o Prazer vier procurar-me
Dize a este monstro que eu fugi de casa!

Vocabulário
Improfícuo:
improdutivo, ineficaz, inútil

“Queixas noturnas” é um longo poema, composto de 19 quadras decassílabas (rimas entre os versos 1 e 4; 2 e 3 de cada estrofe), do qual destacamos alguns trechos. Sabemos, já pelo título, que se trata de uma lamentação. Dor, agonia, monstros, aflições, tormentos, doença: tudo isso acomete o poeta, cuja tristeza é tão intensa que Pedro Américo (1843-1905), grande pintor acadêmico responsável por quadros famosos como Independência ou morte! (1888), não seria capaz de representar em uma obra.

O próprio poeta luta para expressar tamanha aflição diante de uma vida em que o amor, o prazer, a luz solar, tudo perdeu o sentido. Importante a menção ao tamarindo, árvore que desde a infância o acompanha e que aparece em diversos outros poemas. Trata-se de um dado biográfico: Augusto dos Anjos sentava-se à sombra do tamarindo na propriedade de Engenho do Pau d’Arco para escrever. A árvore foi preservada e pode ser visitada no Memorial Augusto dos Anjos, no município de Sapé (PB).

Acesse também: Murilo Mendes – autor modernista que mostrou em algumas obras o conflito espiritual

Frases de Augusto dos Anjos

“Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!” (do poema Vandalismo)

“Que ninguém doma um coração de poeta!” (do poema Vencedor)

“O amor, poeta, é como a cana azeda,/ A toda boca que o não prova engana.” (do poema Versos de amor)

“A mão que afaga é a mesma que apedreja.” (do poema Versos íntimos)

“O amor na Humanidade é uma mentira.” (do poema Idealismo)

“A Consciência Humana é este morcego!/ Por mais que a gente faça, à noite, ele entra/ Imperceptivelmente em nosso quarto!” (do poema O morcego)

 

Por Luiza Brandino
Professora de Literatura 

Escritor do artigo
Escrito por: Luiza Brandino Escritor oficial Brasil Escola

Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:

BRANDINO, Luiza. "Augusto dos Anjos"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/augusto-dos-anjos-1.htm. Acesso em 17 de novembro de 2024.

De estudante para estudante


Lista de exercícios


Exercício 1

Sobre a obra de Augusto dos Anjos, assinale a alternativa incorreta:

a) Unindo o Simbolismo ao cientificismo naturalista, Augusto dos Anjos apresenta grande originalidade em seus versos, cujo ineditismo figura como uma experiência única na literatura mundial.

b) Influenciado pelo pessimismo do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, Augusto dos Anjos deixa expresso em sua poesia seus anseios e angústias existenciais.

c) Destacou-se no gênero conto, sem grandes pretensões de promover renovação estética. Criticou a falta de uma identidade genuinamente nacional através de uma linguagem inovadora e irônica.

d) Pode ser situado entre os escritores pré-modernistas devido ao caráter sincrético de sua poesia, que não priorizava uma única influência.

e) A poesia de Augusto dos Anjos emprega termos considerados “baixos” e “antipoéticos”, sobretudo se comparados à linguagem literária vigente, provocando grande estranhamento no público e na crítica especializada.

Exercício 2

 Saia de mim como suor
Tudo o que eu sei de cor
Sai de mim como excreto
Tudo que está correto
Saia de mim [...]
Tudo o que for perfeito
Saia de mim como um grito
Tudo o que eu acredito
Tudo que eu não esqueça
Tudo que for certeza

Saia de mim vomitado,
Expelido, exorcizado
Tudo que está estagnado
Saia de mim como escarro [...]
Sangue, lágrima, catarro

Saia de mim a verdade!”.

Saia de mim – Arnaldo Antunes

Podemos perceber, nos versos da música Saia de mim, do grupo Titãs, uma linguagem que tem nitidamente como intenção chocar e subverter valores sociais regidos por uma tendência politicamente correta. As palavras incomuns utilizadas nos versos denunciam uma forte influência do seguinte poeta:

a) Paulo Leminski.

b) Haroldo de Campos.

c) Gregório de Matos.

d) Ferreira Gullar.

e) Augusto dos Anjos.