Notificações
Você não tem notificações no momento.
Novo canal do Brasil Escola no
WhatsApp!
Siga agora!
Whatsapp icon Whatsapp
Copy icon

Murilo Mendes

Murilo Mendes é um escritor da segunda geração do modernismo brasileiro. Sua poesia é marcada por ironia, elementos surreais e referências católicas.

Imprimir
Texto:
A+
A-
Ouça o texto abaixo!

PUBLICIDADE

Murilo Mendes nasceu em 13 de maio de 1901. É um escritor da segunda fase do modernismo brasileiro. Seu primeiro livro, Poemas, foi publicado em 1930 e ganhou o Prêmio de Poesia da Fundação Graça Aranha. Com a morte de seu melhor amigo, o pintor Ismael Nery, em 1934, Murilo Mendes aproximou-se do catolicismo, cujas referências passaram a fazer parte de sua poesia. Na Itália, recebeu o Prêmio Internacional de Poesia Etna-Taormina (1972) e o Prêmio Viareggio (1973).

Suas obras apresentam marcas surrealistas, além de reflexões sobre o mundo contemporâneo e questionamentos existenciais e sociais atrelados ao aspecto espiritual. Um de seus livros mais conhecidos é História do Brasil, de 1932, em que deixa transparecer a irreverência da fase anterior do modernismo. Afinal, como disse o autor: “Os movimentos retrógrados não me interessam”.

Leia também: Mario Quintana – poeta associado à segunda fase do modernismo

Tópicos deste artigo

Biografia de Murilo Mendes

“Retrato de Murilo Mendes” (1922), obra do pintor Ismael Nery (1900-1934).
“Retrato de Murilo Mendes” (1922), obra do pintor Ismael Nery (1900-1934).

Murilo Mendes nasceu em 13 de maio de 1901, em Juiz de Fora, no estado de Minas Gerais, e ficou órfão de mãe no ano seguinte. Quando tinha sete anos, o poeta Belmiro Braga (1872-1937) ensinou o menino a metrificar poemas e a fazer rimas. Aos 11 anos, ele participava de um grêmio literário, e, com 14, já tinha lido autores como Racine (1639-1699) e Molière (1622-1673). Em 1917, iniciava sua carreira de escritor com alguns poemas em prosa.

Em 1920, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou no Ministério da Fazenda, como arquivista. Até que, em 1928, publicou seu primeiro poema-piada, intitulado “República”, na Revista de Antropofagia, e, em 1929, o poema “Canto novo”, na revista Verde, de Cataguases. Já em 1930, publicou seu primeiro livro: Poemas, que ganhou o Prêmio de Poesia da Fundação Graça Aranha no ano seguinte. Em 1932, publicou o auto “Bumba-meu-poeta”, na revista Nova.

Em 1934, morreu seu melhor amigo, Ismael Nery, uma amizade começada em 1921. O sofrimento causado por essa morte foi responsável pela aproximação de Murilo Mendes com o catolicismo. Em 1936, foi nomeado inspetor de ensino secundário do Distrito Federal. Nesse mesmo ano, tornou-se secretário da Comissão Nacional de Literatura Infantil. Em 1939, no início da Segunda Guerra Mundial, enviou um telegrama para Hitler: “Em nome de Wolfgang Amadeus Mozart, protesto contra a ocupação de Salzburg”.

Não pare agora... Tem mais depois da publicidade ;)

Em 1943, devido à tuberculose, Murilo Mendes foi internado em um sanatório por seis meses. O escritor recuperou-se, e, em 1946, passou a trabalhar como escrivão. Em 1948, publicou 17 crônicas sobre Ismael Nery nos periódicos A Manhã e O Estado de S. Paulo. Já em 1953, deu uma conferência na França, na Universidade Sorbonne, sobre Jorge de Lima. Entre 1953 e 1956, proferiu conferências na Bélgica e Holanda. Em 1956, teve seu visto negado e foi considerado persona non grata pelo governo ditatorial da Espanha.

Em 1957, mudou-se para a Itália, onde trabalhou, por meio do Departamento Cultural do Itamarati, como professor de Cultura Brasileira na Universidade de Roma e na Universidade de Pisa. Foi na Itália que recebeu os seguintes prêmios: Prêmio Internacional de Poesia Etna-Taormina (1972) e Prêmio Viareggio (1973).

Murilo Mendes, que morreu em 13 de agosto de 1975, colaborou também com os seguintes periódicos: A Tarde, A Ordem, Boletim de Ariel, Lanterna Verde, Dom Casmurro e Revista Acadêmica. Foi retratado pelos seguintes artistas: Ismael Nery (1901-1934), José Maria dos Reis Júnior (1903-1985), Alberto da Veiga Guignard (1896-1962), Candido Portinari (1903-1962), Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992) e Flávio de Carvalho (1899-1973).

Características literárias de Murilo Mendes

O catolicismo é a base das reflexões existenciais de Murilo Mendes.
O catolicismo é a base das reflexões existenciais de Murilo Mendes.

Murilo Mendes faz parte da segunda geração modernista (1930-1945), que é assim caracterizada:

  • Escritores e escritoras passam a dedicar-se à reflexão do mundo contemporâneo.

  • Questionamento sobre o sentido da existência, do porquê de estar-se no mundo.

  • Necessidade de resgatar a crença na espécie humana, apesar de a realidade inspirar o pessimismo.

  • Conflito espiritual: como acreditar na existência de Deus diante de uma realidade tão atroz?

  • Poesia focada no contexto sociopolítico.

  • Busca de explicações para os acontecimentos contemporâneos.

  • Liberdade para utilizar todo tipo de recurso formal: versos livres (sem rima e sem métrica), brancos (com métrica e sem rima) ou regulares (com métrica e rima).

  • Fase de reconstrução, já que a primeira fase foi de destruição (de valores tradicionais e acadêmicos).

Além dessas características, o autor apresenta estas especificidades:

  • Marcas do surrealismo.

  • Elementos da tradição católica.

  • Perspectiva irônica típica da primeira geração modernista.

  • Consciência social associada ao aspecto espiritual.

Leia também: Manuel Bandeira – autor que passou por diversas mudanças em sua obra

Obras de Murilo Mendes

Os principais livros de Murilo Mendes são:

  • Poemas (1930)

  • História do Brasil (1932)

  • Tempo e eternidade (1935)|1|

  • O sinal de Deus (1936)

  • A poesia em pânico (1937)

  • O visionário (1941)

  • As metamorfoses (1944)

  • Mundo enigma (1945)

  • O discípulo de Emaús (1945)

  • Poesia liberdade (1947)

  • Janela do caos (1949)

  • Contemplação de Ouro Preto (1954)

  • Poesias (1959)

  • Siciliana (1959)

  • Tempo espanhol (1959)

  • A idade do serrote (1968)

  • Convergência (1970)

  • Poliedro (1972)

Sua obra História do Brasil merece destaque, pois é um de seus livros mais irônicos, caracterizado pelo espírito irreverente da geração anterior. Nesse livro, o autor, de certa forma, reescreve a história do Brasil por meio de poemas que falam de fatos como o Descobrimento do Brasil, a Inconfidência Mineira e a Proclamação da República, entre outros.

Assim, no poema “Carta de Pero Vaz”, o eu lírico, com uma linguagem próxima daquela da carta original de Pero Vaz de Caminha, comunica ao rei sobre as riquezas do Brasil e dá indicações de que a Coroa terá muito lucro com a exploração da nova terra:

Carta de Pero Vaz

A terra é mui graciosa,
Tão fértil eu nunca vi.
A gente vai passear,
No chão espeta um caniço,
No dia seguinte nasce
Bengala de castão de oiro.
Tem goiabas, melancias,
Banana que nem chuchu.
Quanto aos bichos, tem-nos muitos,
De plumagens mui vistosas.
Tem macaco até demais.
Diamantes tem à vontade,
Esmeralda é para os trouxas.
Reforçai, Senhor, a arca,
Cruzados não faltarão,
Vossa perna encanareis,
Salvo o devido respeito.
Ficarei muito saudoso
Se for embora daqui.

Estátua de Tiradentes. [1]
Estátua de Tiradentes. [1]

Já em “O alferes na cadeira”, o eu lírico é Tiradentes. Aliás, o verso “Os dentes me arrancaram” é uma ironia ao fato de o alferes ter sido um dentista. Antes de morrer em uma cadeira elétrica, ele pensa na posteridade, quer ser herói por motivos fúteis, ou seja, ter o nome no jornal e uma estátua em praça pública:

O alferes na cadeira

Antes eu fosse Dirceu,
Vivesse aos pés da mulata
Desfiando o lundu do amor,
Fazendo crochet de noite,
Do que estar como estou:
Os dentes me arrancaram,
Incendeiam meu chalet;
Não pude livrar ninguém
Da escravidão atual;
Arranjei foi mais um escravo,
Eu mesmo, entrei na cadeia;
Tirei retrato de herói,
Mostrei a mestre Silvério
Os planos desta revolta;
Pareço com aviador
Que faz viagem no polo,
Queria mesmo morrer;
Sentei na cadeira elétrica,
Morro, inda mesmo que tarde
A morte que sempre sonhei,
— Não essa morte vulgar,
Apagada, clandestina:
Eu quero morrer de herói,
Eu amo a posteridade;
Comecei me lamentando
De não ser como Dirceu,
Mas é só pra tapear;
Acabei me convencendo
Que não há nada melhor
Do que a gente ser herói;
Eu amo a posteridade,
Quero nome no jornal,
Estátua na praça pública,
Vejam a minha vocação!...
Vamos, apertem o botão.

Poemas de Murilo Mendes

O tom apocalíptico de alguns poemas está relacionado à época em que ele viveu, marcada por duas grandes guerras, e à sua simpatia pelo catolicismo.
O tom apocalíptico de alguns poemas está relacionado à época em que ele viveu, marcada por duas grandes guerras, e à sua simpatia pelo catolicismo.

É marcante, na obra de Murilo Mendes, a influência do catolicismo. Como se pode observar no poema “A destruição”, extraído do livro A poesia em pânico. Nesse poema, o eu lírico afirma que realizou o mal e não teve ânimo para fazer o bem. Declara a superioridade do amor, direcionado tanto ao culpado quanto ao inocente. Ainda, faz uma interlocução com Maria Madalena, considerada adúltera por alguns e prostituta por outros, segundo cada interpretação bíblica.

No entanto, tradicionalmente, a imagem dela é associada à sensualidade. Por isso, o eu lírico diz que ela dominou “a força da carne” e que, pelo mesmo motivo, está mais perto dos humanos do que a Virgem Maria, que, por ser virgem, está livre do pecado original, associado ao sexo, segundo algumas interpretações. Por fim, o eu lírico conclui que o que nos une é o pecado, e não a graça (pureza, santidade), e que somos parte da “comunidade do desespero”, que existirá até que o mundo acabe-se, isto é, até o apocalipse:

A destruição

Morrerei abominando o mal que cometi
E sem ânimo para fazer o bem.
Amo tanto o culpado como o inocente.
Ó Madalena, tu que dominaste a força da carne,
Estás mais perto de nós do que a Virgem Maria,
Isenta, desde a eternidade, da culpa original.
Meus irmãos, somos mais unidos pelo pecado do que pela Graça:
Pertencemos à numerosa comunidade do desespero
Que existirá até a consumação do mundo.

No poema “O filho do século”, do livro O visionário, o eu lírico, em tom de despedida, menciona aquilo que não mais poderá fazer, como andar de bicicleta ou conversar no portão com “meninas de cabelos cacheados”. Segundo ele, não existirão mais a valsa Danúbio azul, as “tardes preguiçosas”, os “cheiros do mundo”, os “sambas” ou o “puro amor”.

Ao dizer que ele se desfez da medalhinha da Virgem, o eu lírico parece indicar que não tem mais fé, pois está cansado de tudo, não tem “forças para gritar um grande grito”. A causa disso é a realidade implacável do século XX: “Cairei no chão do século vinte”. Século que é assim mostrado: “multidões famintas”, “gases venenosos”, “barricadas”, “fuzilamentos”, “raiva”, “vingança”, “protesto geral”, “voos destruidores”, “fomes”, “sonhos perdidos”, “misérias”.

O eu lírico está, portanto, demonstrando um cenário de guerra, que ele acaba associando ao fim do mundo quando menciona os “anjos-aviões” que fogem “a galope”, o que nos remete aos cavaleiros do apocalipse. Segundo a tradição cristã, os cavaleiros são peste, guerra, fome e morte. Eles sinalizam a chegada do fim do mundo e, no poema, levam consigo o “cálice da esperança”, portanto, deixam a desesperança entre nós.

Além disso, o último verso do poema faz uma intertextualidade com a fala de Jesus Cristo pregado na cruz: “Pai, por que me abandonastes?”. Aqui, o eu lírico troca o pai (Deus) pelo tempo e espaço. Isso pode ser uma ironia em relação à ciência (lembremo-nos de que a teoria da relatividade está associada ao tempo e ao espaço), ou, ao substituir Deus por essas dimensões, o eu lírico mostra que o desespero levou-o à falta de fé:

O filho do século

Nunca mais andarei de bicicleta
Nem conversarei no portão
Com meninas de cabelos cacheados
Adeus valsa “Danúbio Azul”
Adeus tardes preguiçosas
Adeus cheiros do mundo sambas
Adeus puro amor
Atirei ao fogo a medalhinha da Virgem
Não tenho forças para gritar um grande grito
Cairei no chão do século vinte
Aguardem-me lá fora
As multidões famintas justiceiras
Sujeitos com gases venenosos
É a hora das barricadas
É a hora do fuzilamento, da raiva maior
Os vivos pedem vingança
Os mortos minerais vegetais pedem vingança
É a hora do protesto geral
É a hora dos voos destruidores
É a hora das barricadas, dos fuzilamentos
Fomes desejos ânsias sonhos perdidos,
Misérias de todos os países uni-vos
Fogem a galope os anjos-aviões
Carregando o cálice da esperança
Tempo espaço firmes porque me abandonastes.

Veja também: Poemas da primeira geração modernista

Frases

A seguir, vamos ler algumas frases do autor retiradas de entrevista feita por Leo Gilson Ribeiro (1929-2007) e publicada na revista Veja, em 1972:

“Eu sou um homem que espia a maré.”

“Os movimentos retrógrados não me interessam.”

“Eu sou complexo, tenho muito de racionalista e de irracionalista.”

“O texto para um poeta é qualquer coisa de definitivo.”

“Não me interessa absolutamente a consagração popular.”

“Nunca tomei parte em grupos: rejeito alguns e admiro outros.”

“Se um dia realizar-se a sociedade sem classes, acho que será mais um motivo de avanço do cristianismo.”

“O cristianismo está engatinhando.”

Nota

|1| Em coautoria com Jorge de Lima (1893-1953).

Crédito da imagem

[1] Wagner Campelo / Shutterstock

 

Por Warley Souza
Professor de Literatura

Escritor do artigo
Escrito por: Warley Souza Professor de Português e Literatura, com licenciatura e mestrado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:

SOUZA, Warley. "Murilo Mendes"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/murilo-mendes.htm. Acesso em 02 de novembro de 2024.

De estudante para estudante


Videoaulas