PUBLICIDADE
Quando falamos sobre o Simbolismo brasileiro, imediatamente associamos o movimento literário a seu principal representante: o poeta Cruz e Sousa. Contudo, é preciso fazer justiça e não permitir que outros nomes ligados a essa importante escola sejam esquecidos. Entre esses nomes, está o de Alphonsus de Guimaraens, uma das principais expressões poéticas do período simbolista. Dono de uma obra marcada pela influência do Ultrarromantismo (a segunda geração do Romantismo brasileiro), Guimaraens levou para a poesia temas que exploram o sentido da morte, do amor impossível, do misticismo, da solidão e da inadaptação ao mundo.
Alphonsus de Guimaraens nasceu na cidade mineira de Ouro Preto no dia 24 de julho de 1870. Transferiu-se para São Paulo, onde estudou Direito, e posteriormente regressou a seu estado natal, exercendo na cidade de Mariana o cargo de juiz durante muitos anos. Sua poesia, equilibrada e uniforme, é quase toda voltada para o tema da morte da mulher amada (a morte da prima a quem amava, Constança, marcou profundamente a vida do poeta), e todos os outros temas que explorou – natureza, arte e religião – estão relacionados àquele. Alfredo Bosi, renomado crítico literário brasileiro, ao comparar a lírica de Guimaraens à lírica de Cruz e Sousa, observou que há uma “descida de tom”, conforme palavras do próprio em seu História concisa da Literatura brasileira: na poesia de Alphonsus de Guimaraens há um certo comedimento, característica que a diferencia da universalidade da linguagem simbolista de Cruz e Sousa; o espaço quase sempre é o de Mariana e a temática sempre relacionada ao drama existencial vivido pelo poeta.
À prima que faleceu aos 17 anos, Alphonsus de Guimaraens prestou uma singela homenagem: batizou a filha com o mesmo nome, Constança. A menina morreu ainda criança, fato que levou o poeta ao suicídio no dia 15 de julho de 1921, às vésperas de completar 51 anos de idade. O ato extremo do poeta, ocultado durante anos pela família, só foi revelado muito tempo depois. No túmulo simples no qual foi enterrado, uma cruz de madeira foi colocada e nela a seguinte inscrição: “Aqui jaz o poeta do luar”.
Para que você conheça mais sobre o estilo e a linguagem desse importante nome do Simbolismo, o Brasil Escola selecionou para sua leitura cinco poemas de Alphonsus de Guimaraens. Ao entrar em contato com os versos do escritor, você conhecerá uma das poéticas mais místicas e espiritualistas da literatura brasileira. Boa leitura!
A Catedral
Entre brumas ao longe surge a aurora,
O hialino orvalho aos poucos se evapora,
Agoniza o arrebol.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu risonho
Toda branca de sol.
E o sino canta em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
O astro glorioso segue a eterna estrada.
Uma áurea seta lhe cintila em cada
Refulgente raio de luz.
A catedral ebúrnea do meu sonho,
Onde os meus olhos tão cansados ponho,
Recebe a benção de Jesus.
E o sino clama em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
Por entre lírios e lilases desce
A tarde esquiva: amargurada prece
Poe-se a luz a rezar.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu tristonho
Toda branca de luar.
E o sino chora em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
O céu é todo trevas: o vento uiva.
Do relâmpago a cabeleira ruiva
Vem acoitar o rosto meu.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Afunda-se no caos do céu medonho
Como um astro que já morreu.
E o sino chora em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
Ismália
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava longe do céu...
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar. . .
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma, subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
Ismália é um dos poemas mais conhecidos de Alphonsus de Guimaraens
Hão de Chorar por Ela os Cinamomos...
Hão de chorar por ela os cinamomos,
Murchando as flores ao tombar do dia.
Dos laranjais hão de cair os pomos,
Lembrando-se daquela que os colhia.
As estrelas dirão — "Ai! nada somos,
Pois ela se morreu silente e fria.. . "
E pondo os olhos nela como pomos,
Hão de chorar a irmã que lhes sorria.
A lua, que lhe foi mãe carinhosa,
Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la
Entre lírios e pétalas de rosa.
Os meus sonhos de amor serão defuntos...
E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,
Pensando em mim: — "Por que não vieram juntos?"
Cantem outros a clara cor virente
Cantem outros a clara cor virente
Do bosque em flor e a luz do dia eterno...
Envoltos nos clarões fulvos do oriente,
Cantem a primavera: eu canto o inverno.
Para muitos o imoto céu clemente
É um manto de carinho suave e terno:
Cantam a vida, e nenhum deles sente
Que decantando vai o próprio inferno.
Cantem esta mansão, onde entre prantos
Cada um espera o sepulcral punhado
De úmido pó que há de abafar-lhe os cantos...
Cada um de nós é a bússola sem norte.
Sempre o presente pior do que o passado.
Cantem outros a vida: eu canto a morte...
Soneto
Encontrei-te. Era o mês... Que importa o mês? Agosto,
Setembro, outubro, maio, abril, janeiro ou março,
Brilhasse o luar que importa? ou fosse o sol já posto,
No teu olhar todo o meu sonho andava esparso.
Que saudades de amor na aurora do teu rosto!
Que horizonte de fé, no olhar tranquilo e garço!
Nunca mais me lembrei se era no mês de agosto,
Setembro, outubro, abril, maio, janeiro, ou março.
Encontrei-te. Depois... depois tudo se some
Desfaz-se o teu olhar em nuvens de ouro e poeira.
Era o dia... Que importa o dia, um simples nome?
Ou sábado sem luz, domingo sem conforto,
Segunda, terça ou quarta, ou quinta ou sexta-feira,
Brilhasse o sol que importa? ou fosse o luar já morto?
Por Luana Castro
Graduada em Letras