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Júlia Lopes de Almeida, escritora brasileira, nasceu em 24 de setembro de 1862, no Rio de Janeiro. Ainda criança, mudou-se com a família para Campinas. Em 1886, viajou para Portugal. Nesse país, casou-se com o escritor português Filinto de Almeida (1857-1945) e publicou seu primeiro livro — Traços e iluminuras. No Brasil, escreveu para vários periódicos, atividade incomum para mulheres da época, e foi a única mulher entre os idealizadores da Academia Brasileira de Letras, apesar de ter sido impedida de ocupar uma cadeira nessa instituição.
Considerada uma escritora com ideias avançadas para a sua época, já que defendia a abolição da escravatura, a república, o divórcio, a educação formal de mulheres e os direitos civis, Júlia Lopes de Almeida é associada ao realismo e ao naturalismo. Portanto, a sua obra mais conhecida — A falência (1901) — é marcada pela objetividade, crítica à sociedade brasileira, temática do adultério e determinismo. Assim, a contista, romancista, cronista e dramaturga teve relativo sucesso em sua época, antes de falecer em 30 de maio de 1934, no Rio de Janeiro.
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Biografia
Júlia Lopes de Almeida, filha de portugueses ricos e cultos, nasceu em 24 de setembro de 1862, no Rio de Janeiro. Porém, quando ainda era criança, ela e sua família se mudaram para uma fazenda, em Campinas, no estado de São Paulo. A escritora recebeu uma educação liberal e, com o apoio do pai, aos 19 anos de idade, já escrevia para A Gazeta de Campinas, atividade intelectual incomum para as mulheres da época, uma vez que era monopolizada pelos homens.
Alguns anos depois, em 1886, Júlia Lopes de Almeida mudou-se para Lisboa, em Portugal, e publicou, em coautoria com a irmã — a escritora Adelina Lopes Vieira (1850-1923) —, o livro Contos infantis. Por isso, é considerada uma das pioneiras da literatura infantil brasileira. Ali conheceu e se casou com o poeta português Filinto de Almeida e publicou seu primeiro livro para adultos — Traços e iluminuras —, que foi escrito quando a autora tinha 24 anos.
A contista, romancista, cronista e dramaturga Júlia Lopes de Almeida retornou ao Brasil em 1888. Mas, décadas depois, de 1913 a 1918, morou novamente em Portugal. E, de 1925 a 1931, fixou residência em Paris. Morreu no Rio de Janeiro, em 30 de maio de 1934, vítima de malária, possivelmente contraída em sua recente viagem à África, deixando uma obra de autoria feminina extensa e não só literária, mas também historicamente significativa.
A escritora tinha ideias bem avançadas para a sua época, pois defendia a abolição da escravatura, a república, o divórcio e a educação formal de mulheres, além dos direitos civis. Escreveu para periódicos como A Mensageira, Única, O Quinze de Novembro, Kosmos, O País, A Gazeta de Notícias, A Semana, Jornal do Comércio, Ilustração Brasileira, Tribuna Liberal e Brasil-Portugal. Também realizou palestras sobre o lugar da mulher na sociedade brasileira e outras questões nacionais.
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Academia Brasileira de Letras
A Academia Brasileira de Letras foi fundada em 1897; porém, seu planejamento começou logo após a Proclamação da República (1889), por iniciativa de um grupo de intelectuais. Entre eles, Júlia Lopes de Almeida era a única mulher. Assim, o escritor Lúcio de Mendonça (1854-1909), em artigo no jornal Estado de S. Paulo, mostrou ser justo oferecer uma cadeira na Academia para a escritora. Todavia, isso não ocorreu, pois, segundo os intelectuais que se opuseram, não havia mulheres na Académie Française de Lettres, que servia de inspiração para a Academia Brasileira.
Em vez da escritora, foi aceito o seu marido, Filinto de Almeida, para ocupar a cadeira número 3, na Academia Brasileira de Letras, que se manteve exclusivamente masculina até 1977, quando Rachel de Queiroz (1910-2003) tornou-se a primeira mulher eleita para a Academia. Porém, quando a ABL completou 120 anos, Júlia Lopes de Almeida foi homenageada, como forma de restituir seu nome como cofundadora.
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Características literárias
Júlia Lopes de Almeida é considerada uma autora que transita entre o realismo e o naturalismo. Portanto, é possível encontrar em suas obras as seguintes características:
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Objetividade: em oposição ao sentimentalismo.
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Antropocentrismo: valorização da razão.
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Crítica à sociedade brasileira.
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Valorização do momento presente.
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Presença da temática do adultério.
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Cientificismo: uso exagerado de teorias científicas na análise de personagens.
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Determinismo: influência do meio, raça e momento histórico sobre os personagens.
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Biologismo: o comportamento dos personagens é associado a causas biológicas.
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Zoomorfização: atribuição de características animais a seres humanos.
Obras
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Traços e iluminuras — contos (1887).
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A família Medeiros — romance (1892).
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A viúva Simões — romance (1897).
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Memórias de Marta — romance (1899).
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A falência — romance (1901).
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Ânsia eterna — contos (1903).
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A intrusa — romance (1908).
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A herança — teatro (1909).
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Cruel amor — romance (1911).
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A Silveirinha — romance (1913).
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Correio da roça — romance (1913).
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Era uma vez… — contos (1917).
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A isca — novelas (1922).
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Pássaro tonto — romance (1934).
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O funil do diabo — romance (1934).
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A caolha — conto (s. d.).
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O caminho do céu — teatro (s. d.).
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A última entrevista — teatro (s. d.).
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A senhora marquesa — teatro (s. d.).
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O dinheiro dos outros — teatro (s. d.).
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Vai raiar o sol — teatro (s. d.).
A falência é a obra de Júlia Lopes de Almeida mais considerada pela crítica. Nesse livro, o narrador mostra a decadência de uma família rica, cujo patriarca, um comerciante de café, acaba indo à falência, na última década do século XIX. Assim, Francisco Teodoro, um português residente no Brasil, consegue ficar rico, com muito trabalho e esforço, e depois se casa com a bela, porém pobre, Camila, em um casamento arranjado, como era comum na época.
Tinham-se acostumado um ao outro, viviam em paz, quando a Sidônia reapareceu na vida de Teodoro, obrigando-o a desvios e infidelidades. Nem a pobre Camila desconfiara nunca... Também, nada lhe tinha faltado e já devia ser um regalo para ela cobrir de boas roupas o seu corpo de neve, ter mesa farta, e andar pela cidade atraindo as vistas, no deleite da sua graça...
O casal tem quatro filhos: Mário, Ruth, Lia e Raquel. Em sua casa, mora também a sobrinha de Camila — Nina —, uma agregada que se ocupa da organização da casa. Francisco Teodoro, no entanto, é um viciado em trabalho e não percebe que Camila, sua esposa, tem um caso extraconjugal com um médico, o doutor Gervásio. Nessa relação, Camila busca a satisfação afetivo-sexual que não encontra no casamento, e não se sente culpada, pelo contrário, ela se vê em pé de igualdade com o marido.
— Remorsos... remorsos de quê? Pensa, Gervásio, que, desde o primeiro ano de casado, o meu marido não me traiu também? Qual é a mulher, por mais estúpida, ou mais indiferente, que não adivinhe, que não sinta o adultério do marido no próprio dia em que ele é cometido? Há sempre um vestígio da outra, que se mostra em um gesto, em um perfume, em uma palavra, em um carinho... Eles traem-se com as compensações que nos trazem...
A situação se complica quando Francisco Teodoro comete um erro em seus negócios e perde tudo. Ele então se suicida. Novamente pobre, Camila vai viver na humilde casa de Nina, dada por Francisco ainda em vida. Dessa forma, o foco da narrativa está sobre as personagens femininas, que são fortes e podem sobreviver sem o amparo masculino. A autonomia feminina, portanto, é sugerida no romance, sem, contudo, haver aprofundamento do tema.
Por fim, a obra apresenta traços do naturalismo, centrado no determinismo (influência do meio, raça e momento histórico), como é possível ver neste trecho.
Mas as meninas ficaram, trouxeram a rastos uma esteira, sentaram-se nela e a Noca não teve remédio senão cortar os vestidos das bonecas e ainda dar-lhes agulhas, linhas e retalhos. Distribuído o serviço, levantou-se. Nina passava a caminho da despensa e sorriu-lhe; mas a mulata mal correspondeu ao cumprimento, enjoada pela bondade daquela criatura.
A culpa era do sangue, da sua raça, que menos estima os superiores quanto mais estes a afagam. Por isso ela morria de amores por Mário, um rapazinho atrevido, de gênio autoritário e palavras duras.
Crédito da imagem
|1| Editora Companhia das Letras / Reprodução
Por Warley Souza
Professor de Literatura