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Estrela da vida inteira — análise literária

“Estrela da vida inteira”, obra de Manuel Bandeira, reúne todos os livros de poesia do autor, inclusive os poemas traduzidos por esse notável modernista brasileiro.

Capa do livro “Estrela da vida inteira”, publicado pela editora Nova Fronteira. [1]
Capa do livro “Estrela da vida inteira”, publicado pela editora Nova Fronteira. [1]
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Estrela da vida inteira é um livro de Manuel Bandeira, autor da primeira geração modernista. A obra foi publicada, pela primeira vez, em 1965. Ela reúne a poesia de uma “vida inteira” do poeta, isto é, contém todos os livros de poesia já publicados pelo escritor, como o seu primeiro livro — A cinza das horas —, que apresenta traços do parnasianismo e simbolismo.

Os temas presentes na obra são variados, tais como amor, memória, morte, cotidiano, nacionalismo, entre outros. Assim, ela é composta pelos livros:

  • A cinza das horas (1917)

  • Carnaval (1919)

  • O ritmo dissoluto (1924)

  • Libertinagem (1930)

  • Estrela da manhã (1936)

  • Lira dos cinquent’anos (1940)

  • Belo belo (1948)

  • Opus 10 (1952)

  • Estrela da tarde (1963)

  • Mafuá do malungo (1948)

  • Poemas traduzidos (1945)

Leia também: Cinco poemas de Manuel Bandeira 

Tópicos deste artigo

Características da obra Estrela da vida inteira

Estrela da vida inteira, de 1965, é a poesia completa de Manuel Bandeira reunida em um só livro. Essa obra é composta, portanto, de todos os livros de poesia anteriores do autor. Em suas primeiras poesias, Manuel Bandeira apresenta traços do parnasianismo e do simbolismo, como é possível verificar no livro A cinza das horas, de 1917. A partir de O ritmo dissoluto, de 1924, e Libertinagem, de 1930, as marcas do modernismo estão presentes, como o uso de versos livres e ironia.

As primeiras poesias do poeta são marcadas pela melancolia e temática da morte, além do rigor formal, isto é, o uso de metrificação e rimas nos versos. Em seguida, ele se filia ao modernismo. Nessa fase, além dos versos livres, é possível identificar elementos nacionalistas e regionalistas. Já em suas últimas poesias, Bandeira retoma os versos regulares, como é possível verificar em A estrela da tarde, de 1963.

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Temáticas de Estrela da vida inteira

Entre os diversos temas que caracterizam a poesia de Bandeira, é possível destacar os seguintes:

  • Desencanto

  • Memória

  • Amor

  • Tristeza

  • Doença

  • Morte

  • Erotismo

  • Cotidiano

  • Misticismo

  • Questões sociais

  • Nacionalismo

  • Metalinguagem

  • Regionalismo

  • Homenagem

Leia também: Poemas da primeira geração modernista 

Livros da obra Estrela da vida inteira

  • Cinza das horas

A cinza das horas (1917) é uma obra marcada pelo rigor formal, ou seja, tem versos regulares, além de teor melancólico e temática do amor e da morte, como é possível verificar no trecho do poema “Boda espiritual”, escrito em versos alexandrinos (12 sílabas poéticas):

Tu não estás comigo em momentos escassos:
No pensamento meu, amor, tu vives nua
— Toda nua, pudica e bela, nos meus braços.
[...]
Tua boca sem voz implora em um arquejo.
Eu te estreito cada vez mais, e espio absorto
A maravilha astral dessa nudez sem pejo...

E te amo como se ama um passarinho morto.

  • Carnaval

Em Carnaval (1919), livro em que está publicado o famoso poema “Os sapos”, ainda são predominantes os versos regulares, que deixam transparecer um tom irônico e certo pessimismo, exemplificados também no poema “Bacanal”, uma paródia do poema “Mocidade e morte”, do escritor romântico Castro Alves (1847-1871), e escrito com versos octossílabos (oito sílabas poéticas):

Quero beber! cantar asneiras
No esto brutal das bebedeiras
Que tudo emborca e faz em caco...
                  Evoé Baco!

Lá se me parte a alma levada
No torvelim da mascarada,
A gargalhar em doudo assomo...
                   Evoé Momo!

Lacem-na toda, multicores,
As serpentinas dos amores,
Cobras de lívidos venenos...
                   Evoé Vênus!

[…]

  • O ritmo dissoluto

O ritmo dissoluto (1924) mostra a transição do poeta para o modernismo, pois é possível perceber a presença de versos regulares, mas também de versos livres, como no poema “Meninos carvoeiros”, de temática social:

Os meninos carvoeiros
Passam a caminho da cidade.
— Eh, carvoero!
E vão tocando os animais com um relho enorme.

[...]
— Eh, carvoero!
Só mesmo estas crianças raquíticas
Vão bem com estes burrinhos descadeirados.
A madrugada ingênua parece feita para eles...
Pequenina, ingênua miséria!
Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis!
— Eh, carvoero!
[...]

  • Libertinagem

Em Libertinagem (1930) está o poema “Poética”, que, de forma metalinguística, defende os ideais da primeira geração modernista, e também o famoso e irônico “Vou-me embora pra Pasárgada”. Nesse livro, predominam os versos livres, a temática nacionalista regionalista e a simplicidade, que caracteriza o poema “Namorados”:

O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:

— Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com sua cara.
A moça olhou de lado e esperou.
— Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagarta listada?
A moça se lembrava:

— A gente fica olhando...

[...]
O rapaz prosseguiu com muita doçura:
— Antônia, você parece uma lagarta listada.

[...]

Leia mais: João Cabral de Melo Neto – o poeta-engenheiro do modernismo do Brasil

  • Estrela da manhã

Estrela da Manhã (1936) traz temática social, elementos do cotidiano e um retorno à simetria de versos, como em “Flores murchas”, poema escrito com versos em redondilha menor (cinco sílabas poéticas):

Pálidas crianças
Mal desabrochadas
Na manhã da vida!
Tristes asiladas
Que pendeis cansadas
Como flores murchas!

[...]

Pálidas meninas
Sem amor de mãe,
Pálidas meninas
Uniformizadas,
Quem vos arrancara
Dessas vestes tristes
Onde a caridade
Vos amortalhou!

[...]

Ao cair da tarde
Vós me recordais
— Oh meninas tristes! —
Minhas esperanças!
Minhas esperanças
— Meninas cansadas,
Pálidas crianças
A quem ninguém diz:
— Anjos, debandai!...

  • Lira dos cinquent’anos

Já em Lira dos cinquent’anos (1940), Manuel Bandeira dialoga com a tradição e com a memória, como se fizesse um resgate de sua história pessoal e da história de seu país, sem se esquecer das influências culturais externas. Nessa obra, poemas com versos simétricos convivem com versos livres, e o cotidiano está entremeado de lembranças, como ilustra o poema “Canção do vento e da minha vida”:

O vento varria as folhas,
O vento varria os frutos,
O vento varria as flores...

E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De frutos, de flores, de folhas
.

[...]
O vento varria os meses
E varria os teus sorrisos...
O vento varria tudo!

E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De tudo.

O vento é metáfora para tempo.
O vento é metáfora para tempo.
  • Belo belo

Belo belo (1948) utiliza versos simétricos e versos livres, e trata de temas regionais, além de temáticas como o Natal e o amor, entre outras. Faz também homenagens, como no “Poema só para Jaime Ovalle”:

Quando hoje acordei, ainda fazia escuro
(Embora a manhã já estivesse avançada).
Chovia.
Chovia uma triste chuva de resignação
Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite.
Então me levantei,
Bebi o café que eu mesmo preparei,
Depois me deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando...
— Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.

  • Opus 10

Em Opus 10 (1952), livro com poemas compostos em versos simétricos e livres, é possível verificar temas regionais, além de referências à morte, ao cotidiano e a elementos da tradição católica, como no poema “Oração para aviadores”:

[...]

Santa Clara, clareai.
Afastai
Todo risco.
Por amor de S. Francisco,
Vosso mestre, nosso pai,
Santa Clara, todo risco
Dissipai.

Santa Clara, clareai.

  • Estrela da tarde

Em Estrela da tarde (1963), os versos regulares convivem com os versos livres. O livro tem um tom melancólico de despedida, entremeado por lembranças, como demonstra o poema “Canção para a minha morte”, escrito em versos hexassílabos (seis sílabas poéticas):

Bem que filho do Norte,
Não sou bravo nem forte.
Mas, como a vida amei
Quero te amar, ó morte,

— Minha morte, pesar
Que não te escolherei.
[...]
Sei que é grande maçada
Morrer, mas morrerei
— Quando fores servida —
Sem maiores saudades
Desta madrasta vida,
Que, todavia, amei.

Leia também: Mário Quintana – poeta que abordava a vida com simplicidade e humor

  • Mafuá do malungo

Mafuá do malungo (1948) também utiliza versos simétricos e livres. Possui poemas que homenageiam, por exemplo, o escritor francês Paul Verlaine (1844-1896) ou o brasileiro Vinicius de Moraes (1913-1980), além de ironizar personalidades políticas e fazer um “Autorretrato”, composto por versos octossílabos:

Provinciano que nunca soube
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;
[...]
Arquiteto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia

Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,
Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional.

  • Poemas traduzidos

Por fim, em Poemas traduzidos (1945), Bandeira traduz poemas de escritores como Rainer Maria Rilker (1875-1926), Rubén Darío (1867-1916), Paul Verlaine, entre outros, como Paul Éluard (1895-1952), autor de “Em seu lugar”:

Raio de sol entre dois límpidos diamantes
E a lua a se fundir nos trigais obstinados

Uma imóvel mulher tomou lugar na terra
No calor ela se ilumina lentamente
Profundamente como um broto e como um fruto

Nele a noite floresce o dia amadurece.

Manuel Bandeira

Manuel Bandeira atravessou diversas estéticas literárias em sua obra.
Manuel Bandeira atravessou diversas estéticas literárias em sua obra.

Manuel Bandeira nasceu em 19 de abril de 1886, em Recife, e morreu em 13 de outubro de 1968, no Rio de Janeiro. Estudou Arquitetura na Escola Politécnica de São Paulo, mas, devido a problemas de saúde causados pela tuberculose, não concluiu o curso. Morou na Suíça de junho de 1913 a outubro de 1914, onde esteve internado no sanatório de Clavadel, buscando curar-se da doença.

Anos depois, participou do movimento modernista brasileiro. Foi inspetor federal de ensino, além de professor de Literaturas Hispano-Americanas na Faculdade de Filosofia da atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 29 de agosto de 1940, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras.

Como integrante do modernismo brasileiro, o escritor produziu obras marcadas pela liberdade formal, além da temática de cunho nacionalista e regionalista, focada em elementos do cotidiano, sem abrir mão de uma linguagem despojada e irônica. Assim, apesar de, no início de sua carreira de poeta, ter recebido influências do parnasianismo e simbolismo, Bandeira foi um dos principais autores da primeira geração modernista. Para conhecer mais sobre vida e obra desse importante poeta, leia: Manuel Bandeira.

Crédito da imagem

[1] Ediouro Publicações (reprodução)

 

Por Warley Souza
Professor de Literatura

Escritor do artigo
Escrito por: Warley Souza Professor de Português e Literatura, com licenciatura e mestrado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:

SOUZA, Warley. "Estrela da vida inteira — análise literária"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/estrela-da-vida-inteira.htm. Acesso em 21 de dezembro de 2024.

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