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Entre as personalidades históricas de grande vulto, certamente Napoleão Bonaparte foi a que mais influenciou gerações inteiras de artistas, desde pintores e escultores até poetas e romancistas. Tendo se destacado como um grande político que transformou radicalmente a geografia europeia, Napoleão também foi um “divisor de águas” no que se refere à estratégia militar.
Com menos de 30 anos, já era considerado um gênio militar sem igual. Suas grandiosas batalhas (no Norte da África, no Oriente Médio, no continente europeu e em alto mar) transformaram-no em um ícone, idolatrado por muitos e odiado por tantos outros.
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As guerras napoleônicas e a Literatura
Ao longo de quase quinze anos, as Guerras Napoleônicas definiram o destino de nações inteiras e sua atmosfera foi captada por inúmeros escritores, de modo que pode ser traçado um panorama inteiro do século XIX a partir da literatura que teve como tema, direta ou indiretamente, as campanhas de Napoleão Bonaparte, como a de Austerlitz. Entre os grandes escritores que pautaram muitas de suas obras a partir da personalidade napoleônica, estão, por exemplo, dois russos e três franceses: Fédor Dostoiévski e Léon Tolstói, Honré de Balzac, Victor Hugo e Stendhal, respectivamente.
Tolstói escreveu a monumental obra Guerra e Paz como forma de dar conta de todo o processo das campanhas militares do exército czarista russo contra o exército de Napoleão. O volumoso romance apresenta centenas de personagens e descreve as cenas de batalhas e das tensões psicológicas com riquezas de detalhes. Mas o que mais impressiona na narrativa de Tolstói é o modo como ele conseguiu transformar personagens históricos reais, sobretudo Napoleão, em personagens vivamente dramáticos. Do mesmo modo, Dostoiévski conseguiu construir um de seus mais impressionantes personagens, Raskolnikov, em Crime e Castigo, como alguém que, obcecado por Napoleão Bonaparte, julga-se um espírito superior aos outros, uma pessoa que, a exemplo do imperador francês, estaria destinada a conquistar altos patamares na História.
Balzac e Victor Hugo construíram, também, galerias de personagens que habitam o universo moldado pelas guerras napoleônicas. Quanto a isso, duas obras desses autores são notórias: A Duquesa de Langeais, de Balzac, e Os miseráveis, de Victor Hugo. Muitos outros autores abordaram esse mesmo tema e os seus reflexos posteriores, como a onda de revoluções na França, na década de 1830. Mas um exemplo de autor de língua francesa que conseguiu dissecar o modo como Napoleão foi idolatrado foi Stendhal. Os romances O Vermelho e o Negro e A cartuxa de Parma estão entre as referências obrigatórias para a compreensão do mundo após o advento de Napoleão.
Em o Vermelho e o Negro, Stendhal erigiu o personagem Julien Sorel como sendo um obcecado por Napoleão Bonaparte, assim como o Raskolnikov de Dostoiévski. Stendhal procurou mostrar como a ambição social de Sorel e os passos meticulosos que esse jovem dava em direção à execução de suas pretensões eram inspirados na ambição napoleônica, na figura do grande herói conquistador. Em A Cartuxa de Parma, Stendhal trouxe à luz o personagem Frabrice del Dongo, um aristocrata de origem italiana, súdito do rei austríaco, que resolveu (fascinado por Napoleão) entrar para o exército nacional francês. Entretanto, del Dongo mostrou-se tão ou mais desastrado que o personagem de Cervantes, Dom Quixote de la Mancha. O trecho a seguir demonstra bem o comportamento de del Dongo:
“Ah! Até que enfim, eis-me no fogo!”, pensou. “Vi o fogo!”, repetia a si mesmo, com satisfação. “Agora sou um verdadeiro militar.” Nesse instante, a escola ia em disparada, e nosso herói compreendeu que eram balas de canhão que faziam voar terra por todo lado. Por mais que olhasse para o lado de onde vinham as balas, via apenas a fumaça branca da bateria a uma distância enorme, e no meio do ronco igual e contínuo produzido pelos canhoneios parecia-lhe ouvir as descargas muito mais próximas; não entendia rigorosamente nada.” [1]
Com essa personagem, Stendhal quis satirizar exatamente o culto à figura de Napoleão e o tom majestoso com o qual as batalhas napoleônicas eram retratadas, tanto por pintores quanto por outros romancistas.
NOTAS
[1] STENDHAL. A cartuxa de Parma. (trad. Rosa Freire D' Aguiar.) São Paulo: PEGUIM/ Companhia das Letras, 2012. p. 80.