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O conceito de Lebensraum
Para entender o pensamento de Adolf Hitler, que consolidou a ideologia nazista e produziu horrores como o holocausto, é necessário que saibamos o que o Führer do III Reich compreendia como “Espaço Vital” ou, em alemão, Lebensraum.
O conceito de Lebensraum popularizou-se no século XIX, após a Unificação Alemã, por meio dos trabalhos do geógrafo Friedrich Ratzel. Como é sabido, o século XIX foi o século do imperialismo e do neocolonialismo. Muitas das nações europeias e países de outros continentes, como os Estados Unidos e o Japão, empenharam-se em conquistar grandes extensões de terras a fim de garantir um pleno desenvolvimento de suas capacidades econômicas. Ratzel, que havia visitado os EUA na época do auge da Doutrina Monroe, passou depois a conceber uma doutrina geopolítica que defendia que toda “raça ou povo com dotes civilizacionais superiores” precisaria de um vasto espaço físico para o seu pleno desenvolvimento. A conquista desse “espaço vital” dependia da subjugação de “povos ou raças inferiores”, ocupantes de territórios “indignos” deles.
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Hitler e a ampliação do conceito de Lebensraum
A perspectiva de Ratzel teve grande repercussão entre os nacionalistas alemães após a Primeira Guerra Mundial, haja vista que o Império Alemão havia ruído com a guerra e, com isso, perdido partes importantes de seu território, como a Alsácia-Lorena, e também suas colônias na África. Quando Hitler começou a amadurecer as ideias nazistas, na década de 1920, o conceito elaborado por Ratzel caiu-lhe como uma luva. Como aponta o historiador estadunidense Timothy Snyder, em sua obra Terra Negra – o holocausto como história e advertência, para Hitler, o espaço vital era encarado não apenas no sentido político-econômico, mas também no sentido propriamente ecológico, isto é, de habitat.
Isso não quer dizer que Hitler passou meramente a traçar uma relação direta entre natureza e política, como se dá a entender à primeira vista. Não, ele passou a defender a ideia de que a política era a natureza e vice-versa. Vejamos uma citação de Snyder, que comenta a obra Minha luta, que Hitler escreveu na época em que estava na prisão, em 1924:
“A natureza desconhece limites políticos”, escreveu Hitler. “Ela põe forma de vida neste mundo e os deixa livres no jogo pelo poder”. Como política era natureza, e natureza era luta, não havia pensamento político possível. Essa conclusão era uma formulação extremada de um lugar-comum do século XIX segundo o qual as atividades humanas podem ser entendidas como manifestações biológicas.” [1]
Segundo Snyder, para Hitler, a “incessante luta entre as raças não era um elemento da vida, mas sua essência”. Ele concebeu também a ideia de que os judeus estavam na contramão desse determinismo natural ao darem ao mundo as noções de compaixão, fé, solidariedade universal etc. Além disso, o líder nazista acreditava que ele próprio tinha a missão de:
[…] resgatar o pecado original da espiritualidade judaica e restaurar o paraíso de sangue. Como o Homo sapiens só pode sobreviver por meio do assassinato racial sem limites, o triunfo judaico da razão sobre o impulso representaria o fim da espécie. O que uma raça precisava, pensava Hitler, era de uma “visão de mundo” que lhe permitisse triunfar, o que significava, em última análise, ter “fé” na sua própria missão natural.” [2]
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Os judeus, segundo Hitler, não poderiam triunfar enquanto civilização influente porque isso representaria uma ameaça para a espécie humana – o seu fim –, já que o elemento de luta zoológica, que teria produzido a própria especiação natural do humano, extinguiria-se. Com a vitória da moral e da visão de mundo judaica, os humanos pereceriam de fraqueza, de falta de tônus natural, e a Terra regrediria para a época anterior à presença humana.
Hitler ainda acreditava que doutrinas com pretensões universalistas como a moral cristã, a democracia liberal e até mesmo o comunismo (Marx, Lenin e Trotsky, por exemplo, vinham de linhagens de sangue judeu) eram produtos da raça judaica. Todas essas doutrinas eliminavam o caráter apontado acima, da política como natureza, como expressão de uma luta zoológica, na qual deve prevalecer o mais apto a conquistar seu espaço vital. Esses eram os principais fundamentos do antissemitismo nazista. Como diz Snyder, “o relato do assassinato em massa dos judeus da Europa tinha de ser planetário, porque o pensamento de Hitler era ecológico, tratando os judeus como uma chaga da natureza.”
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Projeto de expansão para o Leste
Esse “pensamento ecológico” de Hitler teve sua aplicação máxima quando houve a Operação Barbarossa, isto é, a operação de ataque à União Soviética em 1941. O grande projeto nazista de expansão territorial tinha como principal alvo o Leste europeu, sobretudo as estepes férteis, como as da Ucrânia. Os eslavos eram considerados por Hitler integrantes de uma raça desorganizada, sem capacidade de administração de seus vastos territórios e, por isso, deveriam ser subjugados e escravizados. Com o avanço sobre o Leste, proporcionado pelo recuo das forças soviéticas, os nazistas começaram a elaborar projetos de construção do seu espaço vital nessa região.
Os alimentos produzidos na Ucrânia e em outras terras seriam desviados para alimentar a população alemã e de outras nações da Europa Ocidental submetidas ao III Reich. Para tanto, seria necessário destruir a URSS e, com ela, dezenas de milhões de eslavos. O início desse processo começou com o extermínio dos judeus que viviam no Leste, sobretudo poloneses (só em Auchwitz foram mortos cerca 1.500.000).
O segundo passo seria matar de fome a população eslava. O próprio Stalin já havia feito isso em 1932-1933 com os ucranianos, mas com outros propósitos. Hitler pensava na mesma estratégia, só que com vistas à colonização total da região. Como diz Snyder:
O axioma de Hitler da vida como uma guerra de fome e sua intenção de mover uma campanha de fome contra os eslavos se refletiam em documentos políticos elaborados depois de sua ascensão ao poder na Alemanha, em 1933. Um Plano de Fome criado sob a autoridade de Hermann Göring previa que “muitas dezenas de milhões de pessoas neste território se tornarão supérfluas e morrerão ou emigrarão para a Sibéria”. [3]
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Lebensraum, alimentação e crescimento populacional
A lógica cruel da noção de Lebensraum de Hitler também se apoiava na ideia de que os recursos alimentícios poderiam tornar-se escassos para qualquer nação que tivesse um número populacional elevado. Esse tipo de compreensão derivava do fato de que o mundo ainda não havia conhecido a Revolução Verde, isto é, a mecanização da agricultura e aplicação de fertilizantes no solo para torná-lo agricultável. Essa realidade só apareceria após a Segunda Guerra. Hitler acreditava que uma nação, para garantir o alimento para sua “raça”, precisava retirar o alimento de outras raças à força – incluindo eliminar a raça mais fraca para que não houvesse a necessidade de alimentá-la.
NOTAS
[1] SNYDER, Timothy. Terra Negra – o holocausto como história e advertência. Trad. Donald M. Garshagen e Renata Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. p. 16.
[2] Idem. p. 18.
[3] Ibidem. pp. 37-38.
Por Me. Cláudio Fernandes