O cerco da cidade de Leningrado (atualmente se chama São Petersburgo) aconteceu de setembro de 1941 a janeiro de 1944 nas batalhas travadas durante a Segunda Guerra Mundial. Ao longo de quase 900 dias, a cidade soviética de Leningrado foi privada de seu acesso à água tratada, energia elétrica e, principalmente, comida, sendo deixada pelos nazistas à própria sorte. Os relatos que contam o drama da população evidenciam o lento sofrimento proporcionado pela falta de alimento.
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Qual foi o contexto do cerco de Leningrado?
O cerco de Leningrado desenvolveu-se nos cenários de guerra da disputa travada entre Alemanha Nazista e União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial. O conflito entre as duas nações iniciou-se de fato a partir do dia 6 de junho de 1941, quando a Alemanha deu início à Operação Barbarossa, a operação que coordenou a invasão da União Soviética.
A invasão alemã tinha como objetivo central promover a destruição do bolchevismo, escravizar a população eslava e utilizar sua força de trabalho para sustentar a população germânica no imaginado “espaço vital”. Por fim, a captação dos recursos abundantes da União Soviética, sobretudo petróleo e minérios, era vital para o funcionamento da economia de guerra da Alemanha.
A invasão alemã encontrou um adversário despreparado e com poucas defesas organizadas. Isso ocorreu porque Stalin negou-se a acreditar nas advertências que recebeu sobre as intenções de ataque dos alemães. Assim, os avanços dos alemães, em um primeiro momento, foram fulminantes. Os alvos centrais dos alemães eram: Leningrado, Moscou, Kiev e Stalingrado.
Como ocorreu o cerco a Leningrado?
O cerco a Leningrado consolidou-se na medida em que os exércitos alemães foram avançando em território soviético. À medida que os avanços aconteciam, o responsável pela defesa da região de Leningrado, Kliment Voroshilov, esperava um assalto direto sobre a cidade soviética que fica às margens do Mar Báltico.
O cerco de Leningrado oficializou-se no dia 8 de setembro de 1941, quando uma divisão motorizada do exército alemão conquistou uma posição ao norte da cidade. A única saída viável para a cidade de Leningrado era pelo Lago Ladoga. A cidade soviética, no início do cerco, abrigava três milhões de pessoas entre soldados e civis |1|.
Por causa dos fracassos de Voroshilov, Stalin optou por nomear Georgy Zhukov como o responsável pela defesa de Leningrado. Zhukov, assim como Voroshilov, estava à espera de um ataque terrestre e, assim, elaborou toda uma estratégia para repelir as forças alemãs e conter o sentimento de derrotismo nas forças que defendiam a cidade.
Adolf Hitler, no entanto, possuía outros planos para a cidade de Leningrado. A intenção do quartel-general de Hitler nunca foi ocupar a cidade, mas sim aniquilá-la. Os alemães prepararam-se para deixar a cidade de Leningrado morrer de fome. Essa ação dos nazistas, segundo Max Hastings, foi sugerida por Ernst Ziegelmeyer:
Por semanas, os russos mantiveram-se alheios ao fato de que os alemães não tinham intenção de atacar Leningrado […]. Em vez disso, Hitler preparou-se para matá-los de fome. O professor Ernst Ziegelmeyer, do Instituto de Nutrição de Munique – um dos muitos cientistas que deram conselhos diabólicos aos nazistas –, foi consultado sobre os aspectos práticos. Ele concordou que não havia necessidade de uma batalha; seria impossível que os russos fornecessem aos seus cidadãos sitiados mais de 250 gramas de pão por dia, ração insuficiente para sustentar a vida humana por tempo prolongado |2|.
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Assim, os nazistas iniciaram o cerco que, ao longo de 900 dias, foi o responsável pela morte de cerca de 1 milhão de pessoas. O cerco dos alemães sobre Leningrado iniciou-se com pesados bombardeios sobre a cidade, que, inclusive, foram responsáveis por destruir os armazéns que estocavam alimentos suficientes para alimentar a cidade por seis meses.
Por fim, os exércitos alemães posicionaram-se de maneira que ninguém saía e nem entrava de Leningrado. Logo, os resultados do cerco começaram a se fazer presentes, e a fome tornou-se comum. A população sem energia, sem água tratada, com rações de alimentos sensivelmente reduzidas depois da destruição dos armazéns e sem acesso a um estoque de lenha passou a sofrer diariamente.
A falta de alimento fez com que a população de Leningrado, em desespero, passasse a consumir todo tipo de alimento possível conforme o relato de Hastings ressalta:
Para um número incalculável de cidadãos, a morte por inanição parecia inescapável: passou-se a ferver papel de parede para extrair sua cola e a cozinhar e mastigar o couro. Conforme o escorbuto se tornava endêmico, produzia-se um extrato de pinho a partir de agulhas de pinheiro para se obter vitamina C […]. Pombos desapareceram das praças, caçados como alimento, assim como corvos e gaivotas; depois ratazanas e animais de estimação|3|.
Além disso, tornou-se comum ataque contra pessoas para roubar seus cartões de racionamento. Quando alguém, por causa do enfraquecimento, desmaiava em público, uma das primeiras coisas que acontecia era ter o seu cartão de racionamento roubado. Pessoas que estivessem carregando alimento nas ruas eram roubadas se estivessem desatentas.
O sofrimento e o desespero pela falta de alimentos despertaram o pior em muitas pessoas. Durante o tempo de cerco, foram registrados cerca de dois mil casos de canibalismo |4|. O sofrimento dos habitantes de Leningrado era ampliado pela rigidez do inverno russo, com temperaturas que alcançaram 30 graus negativos. A falta de energia impossibilitava o uso dos aquecedores, e a falta de um estoque de lenha fez a população queimar tudo quanto fosse possível.
O sofrimento em Leningrado, naturalmente, não foi igual para todos, pois membros do partido e do comissariado local, além de seus familiares e amigos, recebiam uma quantidade de suprimentos suficiente para sua sobrevivência. Parte da população, sobretudo donas de casas e adolescentes, tinha acesso a uma dose menor de ração diária, e seus cartões ficaram conhecidos como “cartão da morte”|5|.
A falta de alimentos na cidade era reduzida de maneira modesta quando o Lago Ladoga congelava o suficiente para que caminhões soviéticos cruzassem-no, levando mantimentos para a cidade. De qualquer maneira, no auge da falta de alimentos em Leningrado, chegaram a morrer cerca de 20 mil pessoas por dia por causa da fome, disseminação de doenças pelo enfraquecimento do corpo, uso de água não tratada e frio |6|.
O cerco a Leningrado estendeu-se até o dia 27 de janeiro de 1944 e só se encerrou com o recuo das forças alemãs – retrato do enfraquecimento das forças nazistas ao longo da guerra. Conforme mencionado, cerca de 1 milhão de pessoas morreram durante o cerco.
Notas
|1| BEEVOR, Antony. A Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Record, 2015, p. 233.
|2| HASTINGS, Max. Inferno: o mundo em guerra 1939-1945. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012, 183-184.
|3| Idem, p 185.
|4| BEEVOR, Antony. A Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Record, 2015, p. 329.
|5| Idem, p. 274.
|6| HASTINGS, Max. Inferno: o mundo em guerra 1939-1945. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012, 188.