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O acontecimento conhecido como “Queda de Constantinopla”, ocorrido em 29 de maio de 1453, é tão importante para a história mundial que foi eleito por historiadores do século XIX como aquele que encerrava o período histórico da Idade Média e, por conseguinte, dava início à Idade Moderna. Constantinopla foi conquistada e subjugada pelo sultão otomano Mehmed II, que ficou conhecido pela alcunha de “O Conquistador”. Para compreendermos esse episódio, é necessários nos determos em alguns detalhes do contexto que o envolveu.
Sabemos que Constantinopla, antes do século IV d.C., chamava-se Bizâncio e já era uma importantíssima cidade grega, fundada na Anatólia, no século VII a.C. Essa cidade tornou-se bastante influente na época do Império Alexandrino, destacando-se como um dos grandes polos da cultura helenística. Quando, no século I a.C., sobreveio o domínio do Império Romano sobre os antigos territórios helenísticos, Bizâncio tornou-se a referência central do lado oriental do Império – apesar de haver sofrido um ataque de Roma em 196 a.C. Com as crises sucessivas em Roma, no século IV d.C, dadas as invasões bárbaras, um dos chefes políticos mais proeminentes da época, Constantino, mudou a sede do Império Romano para Bizâncio e, em 330, trocou o nome da cidade por Constantinopla.
Constantino logo se converteu ao cristianismo, religião que a essa altura já tinha raízes profundas na região da Anatólia e em todo o Império Romano do Ocidente. Aos poucos o Império Bizantino caracterizou-se pela fusão entre a cultura grega (helenística) e a judaico-cristã e também se tornou um dos mais prósperos impérios da Idade Média. Constantinopla foi a mais cobiçada cidade a ser hostilizada por hordas de bárbaros, como os hunos, que tentaram transpor suas muralhas por diversas vezes. Os reinos cristãos ocidentais também tiveram seus estranhamentos com os bizantinos ortodoxos. O ponto alto das divergências entre Ocidente e Oriente europeu nessa época foi a Quarta Cruzada, de 1202, que resultou na invasão e saque de Constantinopla e na criação do chamado Império Latino, que só foi desmantelado pelos bizantinos em 1261.
Com esses ataques frequentes, Constantinopla passou a ficar cada vez mais isolada, com domínios territoriais mais escassos e com as suas defesas fragilizadas. Essa vulnerabilidade foi bem aproveitada pelo mais poderoso império que havia despontado no mundo islâmico, o Império Otomano. Os otomanos eram, inicialmente, cavaleiros nômades da Ásia central que se converteram ao islamismo no século IX. Eles entraram na Europa, pelo Estreito de Dardanelos, em 1345, a convite de um imperador bizantino, João V Paleólogo, que precisava de guerreiros para combater um usurpador. Todavia, os otomanos, com o tempo, não se contentaram em apenas receber o soldo dado pelo imperador, mas começaram a conquistar cidades importantes sob a influência bizantina, como Galípoli.
João V Paleólogo chegou a oferecer aos reis ocidentais o fim do Cisma entre a Igreja Católica e a Ortodoxa se o ajudassem contra os otomanos. O problema foi parcialmente resolvido depois de uma negociação com o sultão Murad I, em 1371, na qual foi oferecida uma relação de suserania. Nas décadas que se seguiram, as relações entre bizantinos e otomanos passaram a ficar cada vez mais tensas, haja vista o espaço que esses últimos já haviam conquistado ao longo da Península Balcânica. Quando Mehmet II marchou com suas tropas para Constantinopla, em 1453, não estava disposto a negociar acordos como fizeram os sultões que o antecederam. Seu objetivo era claro: tomar a cidade e fazer dela o centro de um império ainda mais vasto para os otomanos, como descreve o historiador Alan Palmer:
Logo depois do amanhecer de terça-feira, 29 de maio de 1453, as tropas do Sultão conseguiram penetrar por um pequeno portão nas inexpugnáveis muralhas em Kerkoporta. Ao cair do sol, o que restava da cidade saqueada estava em suas mãos. Constantino XI Dragases, octogésimo sexto imperador dos gregos, morreu combatendo nas ruas estreitas sob as muralhas de oeste. Depois de mais de mil e cem anos, não restava um só imperador cristão no Oriente. [1]
A ocupação da cidade foi rápida e uma das primeiras ações do sultão foi descaracterizar a basílica de Hagia Sofia (Igreja Cristã Ortodoxa bizantina) e transformá-la em Mesquita, como atesta também Alan Palmer:
Quando o sultão Mehmed II entrou em Constantinopla em seu portilho naquela tarde de terça-feira, foi primeiro a Santa Sofia, a igreja da Santa Sabedoria, e pôs a basílica sob sua proteção antes de ordenar que fosse transformada em mesquita. Cerca de sessenta e cinco horas mais tarde, retornou à basílica para as preces rituais do meio-dia da sexta-feira. A transformação era simbólica para os planos do Conquistador. O mesmo aconteceu quando insistiu em investir com toda a solenidade um erudito monge ortodoxo no trono patriarcal, então vago. Mehmed visava a continuidade. Para ele, o “terrível acontecimento” não era o fim definitivo de um império de expressão mundial e tampouco um novo começo para o sultanato. Queria ir além de simplesmente se apropriar de altares cristãos para colocá-los a serviço do Islã. [2]
Essa pretensão de continuidade de elementos da cultura bizantina facilitaria para Mehmed e seus sucessores a conquista de boa parte do mundo cristão ortodoxo daquela região. O Império Otomano, que depois mudaria o nome de Constantinopla para Istambul, chegou ao seu apogeu nos três séculos seguintes.
* Créditos da imagem: Shutterstock e Lestertair
Por Me. Cláudio Fernandes