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O Carnaval é uma das festas mais populares do nosso país, além de ser realizado também em diversas partes do mundo. A festa acontece entre fevereiro e março e é conhecida por ser um período de celebração com festas de rua, nas quais as pessoas fantasiam-se de diferentes formas e consomem bastante comida e bebida.
As origens históricas do Carnaval remontam a algumas celebrações realizadas por diferentes povos da Antiguidade, como gregos e romanos. No caso dos romanos, por exemplo, destacam-se as saturnais, festas que aconteciam em homenagem ao deus da agricultura. Era um momento de celebração marcado por inúmeras celebrações de rua.
A partir da Idade Média, a celebração foi adicionada ao calendário de festividades da Igreja Católica e tornou-se uma festa em que a população comemorava sua liberdade antes dos dias de seriedade e restrição que marcavam a Quaresma. Levando isso em consideração, trouxemos algumas informações a respeito de como aconteciam as celebrações carnavalescas na Europa da Idade Moderna (1453-1789).
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Tópicos deste artigo
- 1 - Carnaval na Idade Moderna
- 2 - Charivari
- 3 - O que representava o Carnaval na Idade Moderna?
- 4 - Curiosidades
Carnaval na Idade Moderna
O Carnaval acontecia em diferentes regiões da Europa, mas era particularmente forte na região mediterrânea, isto é, na Itália, Espanha e França. Comemorações semelhantes ao Carnaval — isto é, com festas de rua, fartura de comida e bebida e pessoas fantasiando-se — também aconteciam em outras épocas do ano, como a Festa dos Bobos, que acontecia em 28 de dezembro.
As festas poderiam ter seu início no final de dezembro ou em janeiro e poderiam ser estendidas até próximo do período de Quaresma. Importante considerar que o Carnaval não acontecia da mesma forma na Europa, pois cada região possuía seu modo de comemorá-lo. A festa era marcada pelo consumo excessivo de carne e de bebidas alcoólicas. O insulto, as zombarias e as brincadeiras também eram práticas desse período.
O historiador Peter Burke dá exemplos de locais públicos nos quais aconteciam as celebrações: Place Notre Dame, na cidade de Montpellier (França), e Piazza San Marco, em Veneza (Itália)|1|. As fantasias também eram um detalhe importante das comemorações, e era comum ver homens vestidos de mulher e mulheres vestidas de homem. As máscaras eram um acessório essencial e muitas tinham um nariz bem grande. Era comum também presenciar pessoas fantasiadas de padre, diabo e animais selvagens.
No Carnaval comemorado na Europa da Idade Moderna, já se construíam carros alegóricos que desfilavam pelas ruas das cidades.*
Nas praças das cidades europeias durante os últimos dias de Carnaval, concentrava-se uma série de ações organizadas por clubes formadas por membros das classes altas, como a Abbaye des Conards, de Rouen, na França, ou a Compagnie della Calza, de Veneza, na Itália. Esse tipo de clube organizava apresentações públicas compostas de três realizações, que eram:
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desfiles com carros alegóricos;
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competições populares;
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apresentação de alguma peça.
As brincadeiras também eram uma prática comum do Carnaval na Idade Moderna. Muitos representavam personagens nas ruas, imitando padres e advogados, as pessoas jogavam água umas nas outras, e zombarias de todo o tipo aconteciam. Uma das formas de zombaria mais conhecidas e destacadas pelos historiadores chamava-se charivari.
Charivari
O charivari era um ritual de justiça popular que acontecia, principalmente, no Carnaval, mas que poderia acontecer em outros períodos do ano, de acordo com as leis e as tradições de cada região da Europa. Muitas vezes, o charivari acontecia no período carnavalesco, porque, nesse período, a zombaria e os insultos eram permitidos abertamente.
Essa prática era conhecida em toda a Europa e podia ter algumas diferenças de execução em cada região em que acontecia. Ainda assim, o charivari, na sua forma mais conhecida, era caracterizado por uma canção de difamação, que era cantada sob a janela da residência da pessoa que estivesse sendo zombada. Era comum também forçar a vítima do charivari a desfilar pela cidade montada de costas num burro.
O charivari tinha como alvo pessoas que se envolviam em situações consideradas atípicas, incomuns. O ponto de vista aqui era o de “execrar indivíduos que ameaçavam as normas familiares e comunitárias”, como diz o historiador José Rivair Macedo|2|. O charivari acontecia contra
[…] moças que trocavam um rapaz da comunidade por um estrangeiro; moças de vida desregrada; noivas que se casavam grávidas usando o véu ou outras insígnias de virgindade; rapazes que se entregavam às viúvas; mulheres declaradas adúlteras, moças envolvidas com homens casados; maridos enganados pela esposa; maridos excessivamente violentos ou excessivamente fracos — sobretudo aqueles surrados pela mulher|3|.
Peter Burke também menciona que o charivari poderia “ser empregado fora do contexto do casamento, contra pregadores ou senhores rurais; na França do século XVII, os coletores de impostos eram expulsos das cidades que visitavam”|4|. O charivari era conhecido como asouade, na França, e skimmington ride, na Inglaterra.
O charivari, enquanto ato de difamação pública, é uma prática que vem da Antiguidade e muito comum nas regiões mediterrânicas. Além de atentar contra questões relativas ao casamento, também se voltava contra autoridades e pessoas acusadas de desvios — como os hereges. Os primeiros relatos conhecidos do charivari remontam ao século IX e às regiões dominadas pelo Império Bizantino.
O charivari, em alguns casos, também esteve vinculado com mecanismos jurídicos de determinadas cidades e, portanto, foi utilizado como punição ou como parte de uma punição. Um exemplo claro disso é o de que ladrões, em determinadas partes da Europa, eram transportados para seus locais de execução montados de costas em um burro — exatamente como acontecia no Carnaval durante a Idade Moderna.
O que representava o Carnaval na Idade Moderna?
Não existem registros daquela época que explicam diretamente o que o Carnaval representava para as pessoas da Idade Moderna, mas Peter Burke traz duas informações a respeito de como o Carnaval era visto, a partir de uma análise do pensamento e de outros registros do período|5|. Nesse sentido, o Carnaval era:
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um período de oposição à Quaresma. O Carnaval era um período de exageros exatamente porque a Quaresma era um período de privação, marcado pelo jejum e pela abstinência;
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entendido como uma representação de uma ideia muito comum na Europa da Idade Moderna: “o mundo de cabeça para baixo”.
No que diz respeito ao segundo ponto, cabem algumas observações. O mundo de cabeça para baixo era uma representação existente na cultura popular europeia que tratava de coisas e comportamentos que estavam fora de uma ordem natural. Assim, nessa ideia, homens e animais trocavam de papéis, assim como pais e filhos, alunos e professores, homens e mulheres etc.
Peter Burke também afirma que a ideia de mundo de cabeça para baixo estava presente em uma utopia daquela época conhecida como Cocanha — uma terra mitológica em que não havia trabalho, onde a comida era abundante e o sexo era obtido facilmente. Nesse ponto de vista, o Carnaval era entendido como uma Cocanha passageira|6|. Levando essa relação Carnaval e Cocanha em consideração, Peter Burke afirma:
O Carnaval era uma época de comédias, que muitas vezes apresentavam situações invertidas, em que o juiz era posto no tronco ou a mulher triunfava sobre o marido. […] Os tabus cotidianos que coibiam a expressão de impulsos sexuais e agressivos eram substituídos por estímulos a ela. O Carnaval, em suma, era uma época de desordem institucionalizada, um conjunto de rituais de inversão|7|.
Mas a liberdade do Carnaval e a sua imposição do mundo de cabeça para baixo foram, durante um certo momento, perseguidas pela Igreja Católica. Durante a segunda metade do século XVI, houve uma reação da Igreja e de algumas autoridades seculares contra as festas populares e toda a desordem causada por elas, tendo sido o Carnaval uma das celebrações afetadas.
A mencionada Abbaye des Conards, clube da cidade de Rouen, na França, que organizava peças e festas públicas durante o Carnaval, foi uma das atingidas pela repressão às festas populares. A festa de máscaras, organizada no período noturno por esse clube, foi proibida por ordem das autoridades francesas.
A perseguição às festas populares não se deu apenas em Rouen, mas espalhou-se pela Europa, e é explicada pelo historiador Georges Minois como tentativa das autoridades da época de reduzir possíveis conflitos causados por questões religiosas (a Europa estava no auge das rivalidades religiosas causadas pelo surgimento do Protestantismo). Além disso, a perseguição ao Carnaval aconteceu como reação do puritanismo, que se instalou em partes da Europa após a Reforma Religiosa|8|.
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Curiosidades
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A terça-feira gorda, isto é, a Terça-feira de Carnaval, era referida na Inglaterra como momento de “tanto cozer e grelhar, tanto torrar e tostar, tanto ensopar e fermentar, tanto assar, fritar, picar, cortar, trinchar, devorar e se entupir à tripa forra que a gente acharia que as pessoas mandaram para a pança de uma só vez as provisões de dois meses, ou que lastrearam suas barrigas com carne suficiente para uma viagem até Constantinopla ou às Índias Ocidentais”|9|.
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Em Nuremberg (Alemanha), existia um carro alegórico que desfilava pela cidade chamado Hölle.
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Competições de corrida, luta e corridas de cavalo frequentemente aconteciam no Carnaval. Na Itália, também era realizada a corrida de velhos e judeus.
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Nas comemorações de rua, o Carnaval era representado como um homem jovem e gordo, e a Quaresma, como uma mulher magra e velha.
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Em 1583, noventa açougueiros de Koenigsberg (atual Kaliningrado, na Rússia) fizeram um desfile carregando uma salsicha de duzentos quilos.
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Foi registrado em Nápoles, na Itália, um falo de madeira, que era carregado pelas ruas da cidade durante o Carnaval de 1664.
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O insulto era permitido abertamente durante o Carnaval.
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Era comum que acontecessem agressões a animais durante os dias de Carnaval. Uma das práticas era o apedrejamento de galos.
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A violência aumentava consideravelmente em toda a Europa durante o Carnaval, e roubos e agressões tornavam-se comuns.
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No Carnaval espanhol, era comemorada uma festa para Santa Ágata, na qual as mulheres mandavam e os homens tinham de obedecer.
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O Corpus Christi durante a Idade Moderna era acompanhado de comemorações carnavalescas, e havia grandes banquetes e carros alegóricos.
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Durante o Carnaval, poderiam acontecer cerimônias de execução em que as vítimas poderiam ser enforcadas, decapitadas, queimadas ou esquartejadas.
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O charivari foi uma prática comum na Europa até meados do século XIX.
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|1| BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 206.
|2| MACEDO, José Rivair. Charivari e ritual judiciário: a cavalgada infamante na Europa medieval. Para acessar, clique aqui.
|3| Idem nota 2.
|4| BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 222.
|5| Idem, p. 212.
|6| Idem, p. 214.
|7| Idem, p. 214.
|8| MINOIS, Georges. História do riso e do escárnio. São Paulo: Editora UNESP, 2003, p. 318-320.
|9| BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 207.
*Créditos da imagem: Marchesini62 / Shutterstock
Por Daniel Neves Silva
Graduado em História