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A meritocracia é um sistema social que ganhou destaque ao longo da história, principalmente no contexto das revoltas liberais do século XVIII. Nesse sistema, o sucesso e as recompensas são distribuídos com base nos méritos individuais, como conhecimento e esforço, por meio de processos seletivos que estimulam a competição. A palavra meritocracia é um neologismo composto por meritum, que significa “mérito” em latim, e cracia, derivado de kratos, em grego, que significa “governo” ou “poder”. Na meritocracia, o mérito de cada indivíduo é determinante para suas chances de mobilidade social.
Hoje, a palavra meritocracia é frequentemente usada para justificar a posição econômica ou social de alguém. É, em resumo, a ideia de que se aquela pessoa chegou aonde está, ocupando um bom emprego, com um bom salário, foi exclusivamente por mérito individual. Entretanto, a aplicação prática da meritocracia nem sempre é bem-sucedida, especialmente em países com altos índices de desigualdade social, como o Brasil, onde a falta de igualdade de oportunidades dificulta a avaliação justa do mérito e perpetua as disparidades sociais.
Leia também: Status social — a posição de cada pessoa na estrutura da sociedade
Tópicos deste artigo
- 1 - Resumo sobre meritocracia
- 2 - O que é meritocracia?
- 3 - Exemplos de meritocracia
- 4 - Origem da meritocracia
- 5 - Meritocracia no Brasil
- 6 - Vantagens e desvantagens da meritocracia
- 7 - Meritocracia e desigualdades sociais
- 8 - Meritocracia e igualitarismo
- 9 - Meritocracia e aristocracia
Resumo sobre meritocracia
- A meritocracia é um sistema social no qual o sucesso do indivíduo depende principalmente dos resultados apresentados por ele.
- O termo meritocracia significa, literalmente, “o governo do mérito” e remonta aos gregos antigos.
- Os sistemas educacionais no mundo todo, especialmente na Inglaterra, sofrem muita influência dela.
- A popularização da palavra aconteceu após a publicação de um livro de literatura por um professor de sociologia britânico, Michael Young.
- A teoria da propriedade de John Locke, filósofo liberal, é uma base importante para a meritocracia.
- No Brasil e em outros países altamente desiguais, a meritocracia funciona melhor como ideologia do sucesso do que como um sistema social.
- Ela está muito ligada às desigualdades sociais, pois elas podem influenciar a avaliação do mérito dos indivíduos.
- Enquanto o igualitarismo é uma concepção que se opõe aos privilégios e defende a igualdade entre os indivíduos, a meritocracia é um sistema social que valoriza os méritos individuais de cada pessoa. Eles podem ser compatíveis em uma sociedade.
- O surgimento da meritocracia, sistema social baseado nos méritos pessoais, contrapôs-se à aristocracia, sistema social baseado nos privilégios hereditários.
O que é meritocracia?
A meritocracia é um sistema social no qual o sucesso do indivíduo depende principalmente dos resultados obtidos por ele. Os resultados de cada um são avaliados em processos seletivos que estimulam a competição e levam em conta o conhecimento, a habilidade e até o esforço das pessoas. Na sociedade meritocrática, as recompensas, as posições de poder, os recursos sociais e os privilégios são distribuídos levando-se em conta esses resultados e o mérito de cada pessoa.
A palavra meritocracia é um neologismo. Ela foi construída com base em dois termos latinos: meritum, que significa “mérito”, e cracia, que vem do grego, kratos, e significa “governo” ou “poder”. Sendo assim, pode ser definida como: uma sociedade governada pelo mérito na qual as capacidades de cada indivíduo determinam as suas chances de mobilidade social.
Exemplos de meritocracia
São vários os exemplos de meritocracia no dia a dia e ao longo da história. Por exemplo, quando alguém concorre a uma vaga de emprego, a etapa da comparação dos currículos dos candidatos busca avaliar os méritos dos candidatos. O ingresso em universidades públicas passa pelos vestibulares. A escolha dos funcionários públicos, feita por meio de concursos, é o exemplo mais antigo conhecido de meritocracia.
Em certos períodos da história da China imperial, especialmente durante as dinastias Han (206 a.C.-220 d.C.) e Tang (618-907 d.C.), foram estabelecidos exames imperiais para selecionar funcionários públicos com base em seu mérito acadêmico. Os exames testavam os conhecimentos e habilidades dos candidatos em tópicos como literatura clássica, filosofia e administração. Aqueles que se destacavam nesses exames poderiam obter cargos governamentais, independentemente de sua origem social.
Atualmente, na China, nos níveis hierárquicos mais baixos, há eleições, o que quer dizer que, nas cidades e vilas, as pessoas votam e elegem os seus representantes. No entanto, para atingir os níveis mais altos do partido comunista, o único a dirigir o governo chinês, é preciso passar por uma espécie de processo meritocrático. É uma combinação de desempenho nos níveis mais baixos do governo com avaliações e exames, e que pode demorar até 40 anos.
A ideia de meritocracia serviu como orientação para a mudança no sistema educacional na Inglaterra desde a Lei da Educação de 1870 até as reformas do governo de Margaret Thatcher. Seu mandato como primeira-ministra, de 1979 a 1990, foi marcado por uma série de mudanças significativas no sistema educacional do país. Essas mudanças refletiram a visão política e ideológica de Thatcher, que buscava aplicar princípios de mercado e promover maior autonomia e competitividade no setor educacional.
Ela introduziu mecanismos de competição e mercado no sistema educacional. Foi estabelecido um sistema de escolha de escolas, permitindo aos pais selecionarem a escola de seus filhos, inclusive em escolas independentes e escolas estatais seletivas. Isso foi acompanhado pela criação de um sistema de financiamento baseado no número de alunos matriculados, o que incentivava as escolas a atraírem mais alunos para garantir financiamento adicional.
As reformas de Thatcher enfatizaram os resultados e os padrões de desempenho das escolas. A importância da prestação de contas e dos resultados no sistema educacional foi reforçada por meio de programas de avaliação de desempenho e da publicação de tabelas de classificação que comparavam o desempenho acadêmico das escolas. Essas medidas tinham como objetivo incentivar a melhoria dos padrões de ensino e criar um ambiente de concorrência entre as escolas.
Exemplos de meritocracia estão presentes no dia a dia e na história de países tão diferentes quanto Brasil, China e Inglaterra. A adoção dos critérios de mérito e capacidade individual surgiu como um combate aos privilégios de certos grupos sociais que monopolizavam os cargos públicos, as posições de poder e as vagas nas melhores escolas.
Origem da meritocracia
A popularização do termo meritocracia é devida ao livro, publicado em 1958, do sociólogo britânico Michael Young e intitulado The rise of the meritocracy (A ascensão da meritocracia). O livro usou o termo para descrever uma sociedade do futuro na qual as posições sociais e os privilégios são distribuídos com base no mérito individual, em oposição ao passado, quando o princípio da seleção por família determinava quem seriam os poderosos.
Na distopia narrativa de Young, as lideranças britânicas, por volta de 1870, começam a selecionar, entre a massa populacional, os indivíduos de maior mérito, para ocuparem os cargos políticos e as profissões de maior impacto social, observando coeficientes de inteligência e de esforço individual.
Por volta de 2033, o sistema fica tão eficaz que cria um mundo do trabalho no qual os empregos são distribuídos conforme tais coeficientes. A estratificação definida pelo poder econômico, antes balizada nos laços de sangue, é amparada agora no mérito individual. Assim foi atingido o estado de “justa desigualdade social” contra o qual, no fim do livro, se levanta uma grande revolta popular.
Outro fundamento teórico importante para a meritocracia pode ser encontrado na filosofia política do liberal John Locke. O filósofo inglês era médico e descendia de burgueses comerciantes. No contexto da luta contra o Estado absolutista, ele foi perseguido e obrigado a refugiar-se na Holanda, de onde retornou no mesmo navio em que viajava Guilherme de Orange, o responsável pela consolidação da monarquia parlamentar inglesa. As suas ideias fecundaram os fundamentos do liberalismo, entre os quais podemos citar a teoria da propriedade.
Para Locke, a propriedade privada já existia no estado de natureza, e, sendo uma instituição anterior à sociedade, ela é um direito natural do indivíduo e não pode ser violado pelo Estado. O homem, antes de tudo, é proprietário de seu corpo e seu trabalho, sendo livre para usá-los a fim de se apropriar da terra. A terra foi “dada” por Deus em comum a todos os homens.
No entanto, aquele indivíduo que trabalhar a matéria bruta encontrada no estado natural, para torná-la produtiva, estabelece sobre ela um direito próprio do qual estão excluídos todos os outros. Segundo Locke, “pelo trabalho retiramos [os bens] das mãos da natureza, onde eram comuns e pertenciam igualmente a todos. [...] Aquele que, em obediência a esta ordem de Deus, dominou, lavrou e semeou parte da terra, anexou-lhe por esse meio algo que lhe pertencia, a que nenhum outro tinha direito”.|1|
Então o argumento é: quem trabalha para produzir merece o direito de propriedade privada sobre o bem produzido. Por exemplo, existe um rio e nele há muitos peixes nadando livremente, mas, se alguma pessoa se dá ao trabalho de ir até esse rio pescar, então ela é a legítima proprietária dos peixes que conseguir extrair das águas.
A ideia de meritocracia, então, teve origem na Inglaterra. Se o livro de Michel Young popularizou a meritocracia na literatura, a teoria de John Locke atribuiu um valor moral ao trabalho que veio a exercer influência decisiva nas correntes de pensamento que o sucederam. O critério de mérito, do resultado obtido pelo esforço individual, segundo Locke, seria um dos que confirmariam o direito à propriedade privada.
Meritocracia no Brasil
No Brasil, o mérito individual é insuficiente para superar as desigualdades que permeiam a sociedade. Sob o ponto de vista de diversos indicadores, internacionais ou nacionais, o Brasil está entre os países do mundo em que mais se verificam desigualdades econômicas e sociais.
Pelo Índice de Gini, parâmetro internacional usado para medir a concentração de renda, de 177 países, o Brasil está entre os 10 países mais desiguais, sendo superado apenas por países como África do Sul, Namíbia, Haiti, Serra Leoa, Haiti e Honduras. Isso acontece porque a concentração de renda no Brasil é extrema. Em 2022, o rendimento médio do 1% da população que ganha mais (rendimento domiciliar per capita mensal de R$ 17.447) era 32,5 vezes maior que o rendimento médio dos 50% que ganham menos (R$ 537). Em 2021, essa razão era de 38,4 vezes.|2|
Se for aplicada em sua totalidade na realidade brasileira, sem que as pessoas tenham igualdade de condições e oportunidades, a meritocracia poderá alimentar o ciclo vicioso da desigualdade existente no Brasil, pois tratar igualmente os desiguais é perpetuar a desigualdade.
Vantagens e desvantagens da meritocracia
Vamos começar abordando as opiniões de quem defende a meritocracia. Muitos defensores argumentam que ela é um sistema justo se for comparado a outros sistemas de estratificação social, que adotam critérios como o nascimento.
Os defensores do mérito acreditam na possibilidade de diferenciar as pessoas observando apenas os seus resultados individuais, desconsiderando as interseções de sexo, raça, status ou riqueza. Se o foco for exclusivo no desempenho individual, as pessoas vão se esforçar o suficiente para atingir os seus objetivos, o que estimularia a competição e aumentaria a eficiência dos sistemas sociais.
Entre os defensores da meritocracia, existem os mais radicais, que tentam transformá-la na ideologia do sucesso. Eles costumam contar histórias comoventes sobre pessoas que, apesar dos obstáculos no caminho, não desistiram e conquistaram o sucesso, uma vaga de emprego ou uma vida rica. Se aquela pessoa foi capaz de conseguir, há a crença de que os outros também podem se esforçar e conseguir realizar suas metas.
Entre as desvantagens da meritocracia, tem-se a justificativa da desigualdade social como se fosse um resultado de mérito desigual, e não de preconceito, discriminação e opressão social. Esse tipo de ideologia é uma desvantagem da meritocracia. Se não for acompanhada de uma visão crítica sobre classe social e sobre desigualdades, a ideia de que o trabalho enriquece, e de que só depende de você a construção de uma vida rica, pode ser até perigosa para a saúde mental das pessoas.
A vivência sob a pressão para ter desempenho e resultados excepcionais, a autocobrança excessiva, a cultura do trabalho ininterrupto, a insegurança, a ansiedade e a autoestima prejudicada são fatores que podem levar à exaustão física e mental. É o que argumenta o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han no seu impactante livro A sociedade do cansaço (2010). A tese do livro é que a sociedade contemporânea é caracterizada por um excesso de positividade, produtividade e autoexploração.
Byung-Chul Han argumenta que, ao contrário das sociedades disciplinares do passado, que empregavam métodos coercitivos para controlar os indivíduos, a sociedade atual opera por meio de um sistema de autoexploração voluntária, no qual as pessoas se tornam seus próprios algozes ao se submeterem a uma lógica de trabalho incessante, produtividade máxima e busca constante por sucesso.
Essa lógica da autoexploração e busca incessante pelo sucesso está intimamente relacionada à ideologia da meritocracia como caminho para o sucesso. A meritocracia prega que o sucesso e as recompensas sociais devem ser alcançados com base no mérito individual, no esforço e na habilidade de cada indivíduo. Com isso, há a criação de uma cultura que valoriza a competição, a excelência pessoal e a busca incansável por resultados.
Apesar disso, na prática, as condições iniciais e os contextos sociais podem influenciar significativamente o acesso a oportunidades e recursos. Por exemplo, uma pessoa que nasce em uma família com baixa renda e acesso limitado à educação e saúde pode enfrentar desvantagens significativas em relação a outra pessoa com origens mais privilegiadas. Mesmo que ambas as pessoas se esforcem, as oportunidades e recursos disponíveis podem ser muito diferentes, dificultando a ascensão social e o alcance do sucesso para a pessoa com origens desfavorecidas.
As desigualdades socioeconômicas, educacionais, étnicas, de gênero e outros fatores podem criar disparidades significativas entre os indivíduos antes mesmo de qualquer avaliação de mérito ocorrer. Por exemplo, uma pessoa que nasce em uma família com baixa renda e acesso limitado à educação e saúde pode enfrentar desvantagens significativas em relação a outra pessoa com origens mais privilegiadas. Mesmo que ambas as pessoas tenham talento e esforcem-se, as oportunidades e recursos disponíveis podem ser muito diferentes, dificultando a ascensão social e o alcance do sucesso para as pessoas com origens desfavorecidas.
A meritocracia é benéfica enquanto uma busca por justiça e métodos válidos de medir o mérito individual a fim de proporcionar oportunidades iguais. Entretanto, se ela é convertida numa ideologia do sucesso, acaba por silenciar as causas sociais das desigualdades. Isso termina favorecendo novos grupos privilegiados, colocando as classes mais baixas e as minorias em situação desprivilegiada.
Meritocracia e desigualdades sociais
A concepção meritocrática de sociedade está intimamente ligada ao problema das desigualdades sociais. No contexto das revoltas liberais do século XVIII, quando a luta era por igualdade de direitos, a tentativa de justificar as desigualdades com base no mérito individual, e não do nascimento, foi uma tentativa de substituir privilégios hereditários por outros privilégios que seriam conquistados durante a vida do indivíduo.
As revoluções contemplavam os interesses de classe da burguesia, mas as demais classes subalternas, “o povo”, também aderiram à ideologia do mérito. Substituindo formalmente a ideia de nascimento por direito divino, as noções de igualdade, de mérito, de aptidão, de competência e de responsabilidade individual tornaram-se os elementos de uma ideologia que se popularizou por uma razão importante: a promessa de instrução popular e ascensão social. Cada indivíduo teria um estatuto conquistado, ao invés de ser cedido por herança.
No entanto, uma vez tendo suprimido, para seu próprio benefício, as desigualdades sociais hereditárias que a atrapalhavam, a burguesia recriou para seu proveito outra hierarquia social e novas desigualdades políticas, econômicas e sociais. Na França, por ocasião da Revolução de 1789, a proposta de sufrágio universal excluiu as mulheres e os empregados domésticos. A consagração do regime da propriedade privada, nos moldes de John Locke, resultou em novas desigualdades econômicas.
Por sua vez, a educação popular, que seria universal, a promessa mais sedutora dos iluministas, resultou em novas desigualdades sociais, por exemplo: a diferença de oportunidades de acesso ao ensino. Isso quer dizer que o sistema educativo, o maior mecanismo social criado para distribuir os indivíduos na estrutura ocupacional com base em seu talento, e não no nascimento, funciona melhor para umas classes sociais do que para as outras.
Apesar das promessas liberais, o fato é que as desigualdades sociais continuam a se manifestar. O acesso diferenciado a oportunidades e direitos — por questões econômicas, de raça, de gênero, de aptidão física ou de crença — faz persistir as desigualdades. Sociedades altamente desiguais (como a brasileira, a indiana ou a sul-africana) apresentam um enorme desafio para o discurso da meritocracia.
Veja também: Minorias sociais — os grupos sociais que vivem à margem da sociedade e dos núcleos de poder
Meritocracia e igualitarismo
O igualitarismo é uma concepção que se opõe aos privilégios e defende a igualdade entre os indivíduos. Por exemplo, igualitaristas se posicionam contra os direitos especiais de crianças nascidas nas classes mais ricas e favorecem a igualdade de oportunidades.
No entanto, muitos igualitarista toleram a desigualdade, sem cair em inconsistência, quando a consequência do privilégio em questão for benéfica para a sociedade. É o caso da teoria da justiça como equidade, de John Rawls. O seu livro Uma teoria da justiça, de 1971, é amplamente considerado a obra mais importante em teoria política publicada desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Segundo a concepção de John Rawls, a sociedade que almeja uma justiça como equidade deveria ajustar a sua estrutura básica em dois princípios. Partindo disso, o primeiro princípio é o da liberdade. Ele afirma que cada pessoa terá igual direito ao mais alargado sistema de liberdades básicas — liberdade de expressão, de culto, de consciência — que seja compatível com um sistema similar de liberdades para os outros.
O segundo princípio é o da diferença. Ele afirma que as desigualdades sociais e econômicas são aceitáveis desde que beneficiem os menos favorecidos da sociedade. Essa desigualdade deve ser estruturada de tal forma que seja vantajosa para os menos privilegiados; e ser vinculada a posições e cargos abertos a todos em condições de igualdade de oportunidades.
Sendo assim, juntando os dois princípios de justiça, a teoria da justiça como equidade defende que todos os bens sociais primários — liberdade e oportunidade, rendimento e saúde, as bases da autoestima — deverão ser distribuídos equitativamente, a menos que uma distribuição desigual de quaisquer deles seja vantajosa para os menos favorecidos.
Rawls não é um defensor do igualitarismo absoluto, mas sim de uma forma de igualitarismo relativo. Ele acredita que a desigualdade pode ser justificada desde que beneficie os membros menos favorecidos da sociedade. A ideia-chave é que: se algumas pessoas possuem mais recursos ou posição social, isso deve ser para o benefício de toda a comunidade, especialmente dos mais desfavorecidos.
A meritocracia é um sistema social no qual o sucesso do indivíduo depende principalmente dos resultados apresentados por ele. Essa concepção também pode ser acomodada dentro da teoria de Rawls, desde que a igualdade de oportunidades seja garantida. Se as posições e oportunidades forem distribuídas de forma justa, com base em mérito e habilidades individuais, e se as desigualdades resultantes beneficiarem os menos favorecidos, isso estaria em conformidade com a concepção de justiça de Rawls
Enfim, se o governo igualitário busca garantir o acesso equitativo aos recursos e oportunidades sociais, a meritocracia pode funcionar de forma justa. Para isso precisamos reduzir os efeitos da origem social, econômica, étnica, de gênero ou de qualquer outra característica pessoal na distribuição de riqueza, poder e prestígio para os indivíduos.
Meritocracia e igualitarismo são compatíveis em sociedades que oferecem o máximo possível de igualdade de oportunidades e, ao mesmo tempo, reconhece e valoriza os melhores desempenhos individuais. Desse modo, uma sociedade poderia ter desigualdades sem ser estratificada, ou seja, livre do processo social que sistematiza a desigualdade na distribuição de riqueza, poder e prestígio.
Meritocracia e aristocracia
A aristocracia é um sistema social que tem raízes antigas, remontando a sociedades antigas, como Grécia e Roma. Na aristocracia, o poder e a riqueza são concentrados nas mãos de uma elite hereditária, que geralmente se baseia na linhagem e no status de famílias nobres. O acesso a posições de poder e privilégios é determinado pela herança e não pelo mérito individual. A reação a esse tipo de sistema também pode ser encontrada na Antiguidade.
No livro Ética Nicomaqueia, Aristóteles distingue o conceito de justiça distributiva, que diz respeito ao modo correto de atribuir benefícios e obrigações aos cidadãos. Segundo Aristóteles, princípios como “a cada um conforme a sua necessidade”, “para cada um conforme o seu mérito” são exemplos corretos da justiça distributiva. Portanto, o pensador grego concordava com a distribuição das recompensas com base no mérito, desde que fossem concedidas oportunidades iguais a todos.
Séculos mais tarde, durante o período do iluminismo e as lutas contra o Antigo Regime, surgiram tensões significativas entre a ideia emergente de meritocracia e o sistema estabelecido de aristocracia. Na meritocracia, o sucesso e as recompensas são distribuídos com base nos méritos individuais por meio de estímulo à competição. Esse sistema social contrapõe a aristocracia, que se baseia na hereditariedade.
O iluminismo foi um movimento intelectual que floresceu durante os séculos XVII e XVIII, valorizando a razão, o conhecimento científico e a busca pela liberdade individual. Ele questionou os sistemas de governo absolutistas e hierárquicos, incluindo a aristocracia, e defendeu ideias de igualdade e justiça como fundamentais para uma sociedade progressista.
Naquele contexto, a aristocracia era um sistema social em que a autoridade e o poder eram transmitidos por hereditariedade, ou seja, pertenciam a uma elite privilegiada de famílias nobres, independentemente do mérito ou capacidade dos indivíduos. Além disso, a aristocracia perpetuava uma estrutura social rígida e hierárquica, na qual poucos tinham acesso ao poder e à riqueza, enquanto a maioria da população ficava subordinada e sem chances reais de mobilidade social.
Sendo assim, a partir dos pensadores iluministas, a ideia de meritocracia representou um desafio à ordem estabelecida. Os iluministas argumentavam que todos os indivíduos deveriam ter a oportunidade de desenvolver suas habilidades e talentos, e que o acesso ao poder e aos recursos deveria ser concedido com base numa competição justa.
Em resumo, no contexto de lutas contra o Antigo Regime, as tensões entre a ideia de meritocracia e o sistema de aristocracia foram evidentes, com os iluministas defendendo a valorização do mérito pessoal como uma alternativa ao sistema aristocrático baseado em privilégios hereditários. Essas tensões desempenharam um papel importante na transformação política e social da época, contribuindo para a emergência de ideias e valores que buscavam uma sociedade mais justa e igualitária.
Notas
|1| Locke, John. Segundo tratado sobre o governo (Coleção Os Pensadores: Locke 3a ed.). São Paulo: Abril Cultural, 1984.
|2| IBGE. PNAD Contínua: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Rendimentos 2022). Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/17270-pnad-continua.html?edicao=36796&t=resultados.
Fontes
Barbosa, L. Igualdade e meritocracia. 4a ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.
IBGE. PNAD Contínua: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Rendimentos 2022). Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/17270-pnad-continua.html?edicao=36796&t=resultados.
Johnson, A. G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
Locke, J. Segundo tratado sobre o governo (Coleção Os Pensadores: Locke 3a ed.). São Paulo: Abril Cultural, 1984.
Mazza, M. G. Meritocracia: origens do termo e desdobramentos no sistema educacional do Reino Unido. Revista Pro-posições, Campinas, v. 32, 2021.
Rawls, J. Uma Teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000.