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Fernando Pessoa é um dos maiores escritores da literatura em língua portuguesa e certamente ocupa lugar de destaque também na literatura mundial. Poeta de características inigualáveis, conferiu novos significados ao fazer poético, valendo-se do recurso da heteronímia, peculiaridade que fez dele um artista múltiplo. Pessoa era vários em um só, e dos transbordamentos do poeta nasceram outras personalidades.
Tópicos deste artigo
Trajetória de Fernando Pessoa
Fernando Pessoa nasceu em Lisboa, Portugal, em 1888. Em 1914, escreveu os primeiros poemas de seus principais heterônimos: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis. Sob o heterônimo de Bernardo Soares, considerado o alter-ego do poeta, escreveu os fragmentos que posteriormente foram reunidos em O livro do desassossego, uma de suas mais importantes obras. Seu nome também está ligado ao modernismo português, movimento do qual foi precursor ao lado dos escritores Almada Negreiros e Mário de Sá-Carneiro. Ajudou a fundar a revista Orpheu, responsável por divulgar as ideias modernistas em Portugal e também no Brasil.
Leia também: Cinco poemas da Literatura Portuguesa
Embora tenha tido uma carreira literária profícua, o único livro de poesia em português que publicou em vida foi Mensagem, no ano de 1934. O poeta, que foi alfabetizado em inglês (a carreira diplomática do padrasto levou a família para Durban, África do Sul) escreveu a maioria de seus livros nesse idioma, conciliando o ofício de escritor com o de tradutor. Traduziu importantes autores, entre eles Lord Byron, Shakespeare e as principais histórias de Edgar Allan Poe, entre elas, a mais famosa, O corvo. Faleceu em sua cidade natal, Lisboa, em 1935, mas continua presente com toda a força e originalidade de sua obra.
Para que você conheça um pouco mais do legado desse escritor que é fundamental para a história da literatura em língua portuguesa, o Brasil Escola selecionou os melhores poemas de Fernando Pessoa. Esperamos que você sinta-se instigado e convidado a conhecer, depois desse breve encontro com o poeta, um pouco mais da obra de um dos mais importantes escritores do mundo. Boa leitura!
Enquanto vivo, Fernando Pessoa publicou apenas um livro em língua portuguesa, o livro de poemas Mensagem
5 melhores poemas de Fernando Pessoa
Poema em linha reta
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado
[sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida…
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Álvaro de Campos
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Fernando Pessoa
Não sei quantas almas tenho
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.
Fernando Pessoa
É Preciso Também não Ter Filosofia Nenhuma
Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
Alberto Caeiro
Colhe o Dia, porque És Ele
Uns, com os olhos postos no passado,
Veem o que não veem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, veem
O que não pode ver-se.
Por que tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.
Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.
Ricardo Reis
Por Luana Castro
Graduada em Letras