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Cinco poemas de Cecília Meireles

Os poemas de Cecília Meireles, permeados por elementos neossimbolistas, evidenciam a magnitude daquela que é considerada a principal voz feminina da poesia moderna brasileira.

Cecília Meireles nasceu no Rio de Janeiro, no dia 7 de novembro de 1901. Faleceu na mesma cidade, no dia 9 de novembro de 1964, aos 63 anos *
Cecília Meireles nasceu no Rio de Janeiro, no dia 7 de novembro de 1901. Faleceu na mesma cidade, no dia 9 de novembro de 1964, aos 63 anos *
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Tenho um vício terrível” — me confessa Cecília Meireles, com ar de quem acumulou setenta pecados capitais. “Meu vício é gostar de gente. Você acha que isso tem cura? Tenho tal amor pela criatura humana, em profundidade, que deve ser doença.” “Em pequena (eu era uma menina secreta, quieta, olhando muito as coisas, sonhando) tive tremenda emoção quando descobri as cores em estado de pureza, sentada num tapete persa. Caminhava por dentro das cores e inventava o meu mundo. Depois, ao olhar o chão, a madeira, analisava os veios e via florestas e lendas. Do mesmo jeito que via cores e florestas, depois olhei gente. Há quem pense que meu isolamento, meu modo de estar só (quem sabe se é porque descendo de gente da Ilha de São Miguel em que até se namora de uma ilha pra outra?), é distância quando, na realidade, é a minha maneira de me deslumbrar com as pessoas, analisar seus veios, suas florestas.”

(Fragmento da última entrevista de Cecília Meireles, concedida em maio de 1964 ao jornalista Pedro Bloch)

Cecília Meireles é considerada a principal voz feminina da poesia moderna brasileira. Nunca antes uma escritora havia ganhado tamanha visibilidade, figurando entre os mais importantes nomes da literatura brasileira. Embora sua obra poética tenha alcançado maior reconhecimento, Cecília também produziu contos, crônicas, literatura infantil e contribuições para o folclore brasileiro.

Cecília é uma escritora ímpar: sua obra nunca esteve filiada a nenhum movimento literário, embora seus poemas apresentem características próprias do Simbolismo. Podemos dizer que a poeta seguiu as tradições da lírica luso-brasileira, e elementos recorrentes encontrados em sua obra permitem-nos constatar sua inclinação neossimbolista, tais como o vento, a água, o mar, o ar, o tempo, o espaço, a solidão e a música.

A escritora tinha apreço pelos valores tradicionais da poesia, por isso o cuidado com as palavras, minuciosamente selecionadas para conferir musicalidade aos versos, em sua maioria curtos e permeados por paralelismos. Predominam, nos poemas de Cecília, temas como a transitoriedade da vida, o tempo, o infinito, o amor, a criação artística e a natureza, sempre abordados de maneira reflexiva e filosófica. Embora seu estilo seja intimista, Cecília também experimentou a poesia histórica com a famosa obra Romanceiro da Inconfidência, publicada em 1953. Nela, a escritora narra os acontecimentos de Vila Rica à época da Inconfidência Mineira, construindo uma narrativa que funde história e lenda, fruto de um árduo trabalho de pesquisa que durou dez anos.

A escritora, que faleceu aos 63 anos em sua cidade natal, Rio de Janeiro, no dia 9 de novembro de 1964, deixou uma extensa e intensa contribuição para a literatura brasileira. Para que você sinta um pouco mais do lirismo presente nos versos da poeta, o Brasil Escola selecionou cinco poemas de Cecília Meireles que certamente serão um convite irrecusável para que você conheça um pouco mais de sua inigualável obra. Boa leitura!

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Canção do Amor-Perfeito

Eu vi o raio de sol 
beijar o outono. 
Eu vi na mão dos adeuses 
o anel de ouro. 
Não quero dizer o dia. 
Não posso dizer o dono. 

Eu vi bandeiras abertas 
sobre o mar largo 
e ouvi cantar as sereias. 
Longe, num barco, 
deixei meus olhos alegres, 
trouxe meu sorriso amargo. 

Bem no regaço da lua, 
já não padeço. 
Ai, seja como quiseres, 
Amor-Perfeito, 
gostaria que ficasses, 
mas, se fores, não te esqueço. 

Cecília Meireles

Motivo
 

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias, 
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico, 
se permaneço ou me desfaço, 
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

Cecília Meireles

Murmúrio

Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.

Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.

Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
- Vê que nem te digo - esperança!
- Vê que nem sequer sonho - amor!

Cecília Meireles

Onda


Quem falou de primavera

sem ter visto o teu sorriso,

falou sem saber o que era.

 

Pus o meu lábio indeciso

na concha verde e espumosa

modelada ao vento liso:

 

tinha frescuras de rosa,

aroma de viagem clara

e um som de prata gloriosa.

 

Mas desfez-se em coisa rara:

pérolas de sal tão finas

- nem a areia as igualara!

 

Tenho no meu lábio as ruínas

de arquiteturas de espuma

com paredes cristalinas...

 

Voltei aos campos de bruma,

onde as árvores perdidas

não prometem sombra alguma.

 

As coisas acontecidas,

mesmo longe, ficam perto

para sempre e em muitas vidas:

 

mas quem falou de deserto

sem nunca ver os meus olhos...

- falou, mas não estava certo.

Cecília Meireles

Fio

No fio da respiração, 
rola a minha vida monótona, 
rola o peso do meu coração.

Tu não vês o jogo perdendo-se
como as palavras de uma canção.

Passas longe, entre nuvens rápidas, 
com tantas estrelas na mão...

— Para que serve o fio trêmulo
em que rola o meu coração?

Cecília Meireles

*A imagem que ilustra o artigo é capa do livro “Cecília de bolso – Uma antologia poética”, Editora L&PM Pocket.


Por Luana Castro
Graduada em Letras

Escritor do artigo
Escrito por: Luana Castro Alves Perez Escritor oficial Brasil Escola

Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:

PEREZ, Luana Castro Alves. "Cinco poemas de Cecília Meireles"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/cinco-poemas-cecilia-meireles.htm. Acesso em 21 de novembro de 2024.

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