PUBLICIDADE
Darwinismo social é uma adaptação feita, no final do século XIX, por muitos autores que tentaram aplicar os princípios da teoria da evolução, de Charles Darwin, no funcionamento das sociedades humanas; e, com isso, acabaram criando algumas distorções. A ideia geral do darwinismo social é usar conceitos como “seleção natural” e “luta pela sobrevivência” para explicar a competição entre os indivíduos ou os grupos humanos, assim como Darwin o fez com as demais espécies animais e vegetais.
O darwinismo social pode ser exemplificado por duas correntes. Uma delas apresenta um viés racista e colonialista que se desenvolveu no continente europeu. Essa vertente não coloca em primeiro plano a disputa entre indivíduos, mas o conflito entre raças e povos ao redor do mundo. No tocante à desigualdade social, o darwinismo social atribui a brecha entre ricos e pobres à maior “aptidão” dos primeiros para sobreviverem e prosperarem.
Leia também: Teoria das três raças — o que diz o mito da democracia racial no Brasil
Tópicos deste artigo
- 1 - Resumo sobre darwinismo social
- 2 - Videoaula sobre darwinismo social
- 3 - O que é darwinismo social?
- 4 - Exemplo de darwinismo social
- 5 - Qual é a origem do darwinismo social?
- 6 - Darwinismo social e racismo
- 7 - Darwinismo social e neocolonialismo
- 8 - O que é eugenia e qual a sua relação com o darwinismo social?
- 9 - Darwinismo social no Brasil
- 10 - Quais foram as consequências do darwinismo social?
Resumo sobre darwinismo social
- O darwinismo social é uma distorção das teses do biólogo inglês Charles Darwin com o objetivo de aplicá-las nas sociedades humanas.
- Expoentes do darwinismo social apareceram primeiro na Europa, no fim do século XIX, como o filósofo Herbert Spencer e o antropólogo Edward Tylor.
- Existem estas vertentes de darwinismo social: individualista, racista ou geográfico.
- A eugenia se transformou numa tentativa de aplicar o darwinismo social no nascimento das pessoas.
- O darwinismo social é uma das ideologias que foram usadas para justificar o neocolonialismo dos séculos XIX e XX.
Videoaula sobre darwinismo social
O que é darwinismo social?
O darwinismo social é uma perspectiva teórica que emergiu na Europa, no fim do século XIX, e foi adotada por uma série de filósofos, antropólogos e muitos políticos e líderes industriais europeus — os mais beneficiados por ela. Embora o próprio Charles Darwin (1809-1892) rejeitasse a aplicação da teoria da evolução nas sociedades humanas, os defensores do darwinismo social tentaram fazer exatamente isso.
Em primeiro lugar, Charles Darwin afirmou, em sua obra A origem das espécies, publicada em 1859, que a natureza parecia funcionar bem, sem interferências externas a ela, por meio de um mecanismo nomeado de seleção natural. As teses biológicas de Darwin provocaram um intenso debate sobre as origens e a evolução da humanidade.
Os defensores do darwinismo social usaram com muita liberdade as teses evolucionistas de Darwin, com o intuito de argumentar o seguinte: se a natureza funciona bem, sem interferências externas a ela, pelo processo de seleção natural, que mais parece uma espécie de competição mortal vencida pelos mais aptos, então as sociedades humanas podem seguir o mesmo caminho. Inclusive, a famosa frase “sobrevivência dos mais aptos” foi cunhada por Herbert Spencer, um defensor do darwinismo social, e não pelo cientista Charles Darwin.
Portanto, o darwinismo social é uma teoria, datada do século XIX, que defende semelhanças entre a evolução do mundo natural e a história das sociedades humanas. Da mesma forma que ocorreria no plano natural, o darwinismo social afirma que as sociedades ricas e industriosas, consideradas mais fortes e aptas, tendem a suplantar as sociedades mais atrasadas. E isso aconteceria sem interferências externas que busquem ajudar os menos aptos. No final das contas, mesmo justificando a dominação e a opressão, o darwinismo social acredita que isso acontece para o bem de todos.
Veja também: Capacitismo — prática discriminatória que afeta indivíduos com algum tipo de deficiência
Exemplo de darwinismo social
Existem duas versões do darwinismo social: uma fundada na luta entre indivíduos e a outra, na luta entre as raças. O darwinismo social individualista pode ser exemplificado, na Inglaterra, pelo autor Herbert Spencer (1820-1903). A ideia inicial de Spencer é a de que a competição entre indivíduos é o motor tanto da economia como da evolução social.
O argumento seria o de que a luta pela vida, numa sociedade cheia de concorrência, necessariamente, conduz à eliminação dos mais fracos e à sobrevivência dos mais fortes. A sociedade é a arena onde esse combate é travado, onde quem triunfa mereceu a vitória porque, de algum jeito, foi mais produtivo ou eficiente.
Essa visão de luta pela vida, que nos parece um tanto impiedosa, é, na mente de Herbert Spencer, uma fonte de moral e inteligência, porque, segundo ele, tende a produzir uma sociedade de indivíduos cada vez mais resilientes, inventivos e adaptados.
Contrabalanceando o tratamento dado aos “vitoriosos”, Herbert Spencer considera a assistência aos pobres e às pessoas que apresentam algum tipo de deficiência uma perda de tempo, uma vez que isso só ajudaria a prolongar a sina dos indivíduos miseráveis, fracos e inadaptados.
Qual é a origem do darwinismo social?
A origem do darwinismo social está associada ao desenvolvimento do capitalismo liberal, à industrialização e urbanização das sociedades europeias, no fim do século XIX, momento marcado pela expansão imperialista e colonial sobre países dos continentes africano e asiático.
Foi nesse contexto que métodos sociológicos e antropológicos, tomados de empréstimos das ciências naturais, foram usados para estudar as sociedades tribais em várias partes do mundo. Os europeus já tinham algumas ideias sobre essas sociedades, formuladas desde a conquista das Américas, quando eles entraram em contato com hábitos e costumes muito diferentes dos seus.
Após recorrer a esses métodos para estudar diferentes agrupamentos humanos em seus mais diversos aspectos físicos, biológicos, institucionais, sociais e políticos, o antropólogo inglês Edward Tylor (1832-1917) usou o darwinismo social para explicar por que a evolução da sociedade resulta em uma diversidade de culturas.
Segundo ele, os povos tribais estudados constituiriam um estágio “primitivo” pelo qual já teriam passado todas as sociedades “evoluídas”. Desse modo, ganhou áurea cientificista o argumento equivocado de se levar a “civilização” aos povos considerados “bárbaros”, o que forneceu elementos para que muitos justificassem a colonização europeia.
No início do século XX, os Estados Unidos se tornaram o motor do capitalismo, o que preparou o terreno para o sucesso do darwinismo social individualista. O economista e sociólogo norte-americano William Graham Sumner (1840-1910), que fundou o departamento de sociologia da Universidade de Yale, foi um defensor apaixonado do darwinismo social.
Segundo ele, o desenvolvimento das sociedades assemelha-se à evolução natural, com competição entre vários grupos raciais, étnicos, de classe etc. Essa competição fornece a dinâmica necessária para que a sociedade progrida com a vitória de grupos superiores sobre os inferiores e menos aptos.
Darwinismo social e racismo
O darwinismo social também tem uma linha de cunho racista e colonialista que se desenvolveu no continente europeu. Essa vertente não coloca em primeiro plano a disputa entre indivíduos, mas o conflito entre raças e povos. Os teóricos dessa corrente foram os franceses Joseph Arthur de Gobineau (1816-1882) e Georges Vacher de Lapouge (1854-1936), e também o inglês naturalizado alemão Houston Stewart Chamberlain (1855-1927), genro de Richard Wagner e violentamente antissemita.
As teorias racistas desse pensador alemão, que pregava a superioridade dos grupos arianos, forneceram ao fascismo as suas bases doutrinais. É importante lembrar que a divisão clássica das “raças”, conforme os darwinistas a conheceram, não é mais aceita pela comunidade científica como antes.
Os estudos atuais, com base nos avanços da genética, indicam que o genoma é constituído por 30 mil a 50 mil genes diferentes, muitos deles comuns a todos os seres humanos. As diferenças morfológicas entre “raças” ou grupos humanos — cor de pele, tipo de cabelo, configuração de crânio, lábios, nariz etc. — foram causadas por lentas modificações genéticas, ao longo de milhões de anos, correlacionadas à adaptação das populações humanas a fatores geográficos, como radiação solar, temperatura e outros.
Darwinismo social e neocolonialismo
O darwinismo social de cunho racista e colonialista foi uma das teorias que participaram da forte campanha de justificação ideológica que acompanhou o neocolonialismo, isto é, uma forma específica de dominação imperialista, envolvendo a formação de impérios coloniais, que durou da segunda metade do século XIX e até a metade do século XX.
Em resumo, o neocolonialismo foi marcado pelo avanço dos países mais ricos e desenvolvidos daquela época — Inglaterra, França, Holanda, Bélgica, Estados Unidos, Portugal, Espanha, Alemanha, Itália, Rússia e Japão — sobre os países mais vulneráveis da África, da Ásia e da América Latina.
No caso dos países europeus, o neocolonialismo foi acompanhado por uma forte campanha de justificação ideológica que disfarçava os verdadeiros objetivos da expansão imperialista, procurando difundir a ideia de que a Europa cumpriria uma “missão civilizadora” ao ocupar os países na África e na Ásia. Essa missão consistiria em levar aos “povos primitivos” daqueles continentes os valores da cultura europeia e da democracia liberal.
O capitalismo europeu (e norte-americano) precisava resolver problemas relacionados ao acesso à matéria-prima e à existência de excedentes de capital e de produtos, que passaram a ser extraídos, reinvestidos e consumidos na África, Ásia e América Latina. Nem todos os países europeus ficaram satisfeitos com isso, particularmente Alemanha e Itália, que ficaram em desvantagem na repartição das zonas de influência em todos os continentes.
Essas tensões, ao mesmo tempo que eram silenciadas pela ideologia neocolonialista, foram responsáveis por desencadear, entre as potências europeias, uma corrida armamentista que levou à eclosão da Primeira Guerra Mundial, dos regimes fascistas e totalitários e da Segunda Guerra Mundial.
O que é eugenia e qual a sua relação com o darwinismo social?
Eugenia ou eugenismo é um termo que foi cunhado, em 1883, pelo matemático e estatístico inglês Francis Galton (1822-1911). Segundo ele, o termo designa a “ciência” da “melhoria das qualidades hereditárias” das populações.
Pela avaliação da inteligência das pessoas, recorrendo a métodos duvidosos, o objetivo da eugenia seria o de reconhecer e identificar os indivíduos mais e menos dotados. Desse modo, os cientistas poderiam incentivar a reprodução dos mais inteligentes e desfavorecer os menos inteligentes, freando assim a sua proliferação.
Segundo a historiadora Lilia Schwarcz, a eugenia, cuja meta era interferir na reprodução das populações, se converteu numa espécie de prática avançada do darwinismo social:
Transformada em um movimento científico e social vigoroso a partir dos anos 1880, a eugenia cumpria metas diversas. Como ciência, ela supunha uma nova compreensão das leis da hereditariedade humana, cuja aplicação visava à produção de nascimentos desejáveis e controlados; enquanto movimento social, preocupava-se em promover casamentos entre determinados grupos e — talvez o mais importante — desencorajar certas uniões consideradas nocivas à sociedade.|1|
Para os defensores do darwinismo social, o progresso estaria restrito às sociedades “puras”, livres de um processo de miscigenação, deixando a evolução social de ser obrigatória. Portanto, as intervenções eugenistas tinham como objetivo controlar esse processo para evitar o que eles chamavam de “degeneração” humana.
Darwinismo social no Brasil
O livro O espetáculo das raças, da historiadora Lilia Moritz Schwarcz, analisa qual foi a influência do darwinismo social no Brasil durante o século XIX e início do século XX. A historiadora argumenta que o darwinismo social de cunho racista, que enfatizava a competição entre as raças e a “sobrevivência do mais apto”, foi apropriado e adaptado pelos intelectuais brasileiros da época para justificar desigualdades raciais e sociais no país.
Sendo assim, a ideia de que algumas raças eram naturalmente superiores a outras, e de que a miscigenação poderia enfraquecer a nação, foi usada para legitimar a exclusão de grupos étnicos não europeus da cidadania e para promover políticas de branqueamento da população. Schwarcz também explora como o darwinismo social se manifestou em diversas esferas da sociedade brasileira, incluindo na literatura, na arte, na ciência e na política.
O darwinismo social influenciou a maneira como a sociedade brasileira pensava sobre raça, hierarquia social e nacionalidade. Por exemplo, a teoria do branqueamento, que buscou aumentar a proporção de pessoas brancas na população brasileira por meio da imigração europeia, foi influenciada por essas ideias. Por fim, o darwinismo social contribuiu para a construção de uma ideologia racial que perpetuou a discriminação e a exclusão de afro-brasileiros e indígenas na nossa sociedade.
Saiba mais: Relação entre diversidade cultural e desigualdade social no Brasil
Quais foram as consequências do darwinismo social?
Enquanto durou, o darwinismo social teve como principal consequência fornecer elementos para que muitos justificassem a imposição da língua, da religião, da moral, enfim, da própria cultura europeia como se ela fosse superior.
Além disso, tornou-se uma ideologia popular que estimulou a percepção da desigualdade social como uma consequência natural do progresso evolutivo humano, o que desencorajava qualquer tipo de intervenção do governo ou de outras origens para melhorar as condições da vida social de grupos desprivilegiados.
Outra consequência foram as próprias críticas feitas ao darwinismo social. Ele foi combatido, em sua época, por intelectuais como Thomas H. Huxley, que recriminou essa teoria considerando-a um modo truculento de explicar a evolução. O antropólogo alemão Franz Boas (1858-1942) se opôs ao darwinismo social e outras teorias evolucionistas, rejeitando ideias de progresso, evolução e superioridade como parâmetros para avaliar o estágio de uma cultura.
Segundo Boas, considerado o fundador da antropologia cultural, cada cultura tem a sua especificidade, em razão da complexidade dos sistemas de parentesco, de crenças e de rituais. Suas conclusões basearam-se em pesquisas de campo, um novo método adquirido pela antropologia e que a afastou de teorias que não passavam de especulações fantasiosas.
Com base na rejeição do darwinismo social, foi forjado o conceito de relativismo cultural, justamente para combater o eurocentrismo de intelectuais que desrespeitavam as especificidades de cada cultura.
Atualmente, o darwinismo social tem pouca ou nenhuma credibilidade entre os modernos cientistas sociais. Em certo sentido, ele se baseia em uma tautologia porque mede aptidão em termos do que a aptidão deve supostamente explicar: os ricos são mais ricos porque são mais aptos, e a prova de sua maior aptidão está na riqueza de que dispõem.
Contudo, se questionarmos por que a posse de grande riqueza é uma medida válida de aptidão, e não um acidente, como nascer em família rica, por exemplo, então percebemos que o darwinismo social foi utilizado apenas para mascarar a opressão social, racial e de outros tipos promovida pelo imperialismo neocolonial.
Nota
|1|SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 79
Fonte
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.