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Georges-Louis Leclerc (1707-1788), mais conhecido como Conde de Buffon, foi um dos intelectuais franceses mais proeminentes do século XVIII, ao lado de iluministas como Voltaire e Rousseau. Esse pensador desenvolveu teses, isto é, ideias baseadas em especulações e pesquisas, sobre a inferioridade e o caráter degenerado e débil (isto é, imperfeito e mal formado) dos animais e das pessoas que se desenvolveram fora do continente europeu. Buffon servia-se do nascimento dos saberes que formaram a biologia moderna para fundamentar as suas teses. Aos estudos da vida e da formação biológica dos seres, o conde de Buffon acrescentou o ponto de vista do eurocentrismo.
O eurocentrismo, que nada mais é do que a postura intelectual (mas também política) de se tomar a o continente europeu e o homem europeu como parâmetro de comparação com outros povos, veio a moldar, por muito tempo, a visão que se tinha da disposição evolutiva do mundo e dos homens. Essa visão estabelecia uma “geografia evolutiva”, na qual a Europa assumia o grau máximo de desenvolvimento (tanto material quanto intelectual e racional), África e Ásia estavam em segundo plano, como continentes estagnados, e América ocupava o terceiro plano, como continente “jovem”, com natureza inóspita e um modelo de homem primitivo e selvagem.
Esse tipo de ideia, que se tornou comum no século XVIII e no século XIX, foi a base para a fundamentação de várias teorias racistas, como o arianismo — a ideologia nazista da raça pura e branca —, que conduziu milhões de pessoas (dentre elas, judeus, poloneses e ciganos) à morte nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. O modelo de civilização europeu impunha-se ao mundo nessa época. Foi dessa atmosfera que nasceu a ideologia do progresso e as filosofias da história, como aquelas desenvolvidas por Hegel e Spencer.
A tese sobre a debilidade dos animais na América é uma das mais famosas de Buffon. O pesquisador Antonelo Gerbi, em sua obra “O Novo Mundo: história de uma polêmica: 1700-1900”, analisou criteriosamente as ideias buffonianas e deu ao leitor amostras dessas ideias, como a proposta a seguir:
“Os cavalos, os asnos, os bois, os carneiros, as cabras, os porcos, os cães, etc., todos esses animais, digo, tornaram-se menores; e […] os que foram transportados, mas lá chegaram por si mesmos, numa palavra, aqueles que são comuns aos dois mundos, tais como os lobos, as raposas, os cervos, os cabritos monteses, os alces, são também consideravelmente menores na América que na Europa, e isto sem exceção alguma.” (BUFFON, apud GERBI, Antonelo. O Novo Mundo: história de uma polêmica: 1700-1900. São Paulo, Companhia das Letras, 1996. p. 20).
Nessa passagem, Buffon quis assinalar o caráter da variabilidade das espécies animais de acordo com o ambiente no qual se instalaram. Independentemente da espécie, para Buffon, no continente americano – por ser um continente inóspito e pouco favorável ao pleno desenvolvimento das faculdades vitais —, os seres vivos tendiam a desenvolver-se debilmente.
Essa perspectiva fez com que a América ficasse sempre em segundo plano quando o assunto era desenvolvimento. Ademais, com Buffon, o eurocentrismo afirmou-se na nova ciência da natureza viva, isto é, naquela forma de saber que se tornaria a biologia (O próprio Charles Darwin reconheceu em Buffon um grande precursor do entendimento contemporâneo do conceito de espécie). Esse tipo de ideia ajustou-se à noção de uma Europa que vivia um período de plenitude no século XVIII e que viria a se impor politicamente à Ásia e à África no século seguinte, no processo conhecido como Imperialismo.
* Créditos da imagem: Commons
Por Me. Cláudio Fernandes