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O antifascismo é uma forma de agir adotada por alguns movimentos sociais e tem como objetivo combater o avanço do fascismo e de grupos políticos de extrema-direita. Em geral reúne pessoas identificadas com correntes esquerdistas – socialistas, comunistas e anarquistas – para atuar contra o crescimento do movimento fascista, principalmente por meio da ação direta.
Surgiu durante as décadas de 1920 e 1930 no contexto em que o fascismo avançava na Itália e o nazismo avançava na Alemanha. Os grupos antifascistas que se originaram nesses locais fracassaram, mas essa forma de resistência apareceu em outros locais e continua atuando contra essa ideologia política na atualidade.
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Tópicos deste artigo
- 1 - O que representa o antifascismo?
- 2 - Quando surgiu o antifascismo?
- 3 - Antifascismo na Itália
- 4 - Antifascismo na Alemanha
- 5 - Antifascismo contemporâneo
O que representa o antifascismo?
O antifascismo não é entendido como um movimento político, mas sim como uma forma de ação que indivíduos e movimentos sociais adotam. Também conhecidos como “antifas”, os antifascistas contemporâneos realizam sua luta política por meio da ação direta.
A ação direta é uma forma de atuação política em que se reúnem pessoas dispostas a debater um assunto para propor melhorias à sociedade e para encontrar meios de reprimir comportamentos que são reprováveis e que colocam outras pessoas em risco. É uma medida de atuação autônoma e geralmente acontece sem o envolvimento de grandes partidos políticos.
Os antifascistas, em geral, estão ligados com ideologias políticas da esquerda, que são o anarquismo, o socialismo e o comunismo. Esses grupos foram os que coordenaram a criação do antifascismo nas décadas de 1920 e 1930 na luta contra o totalitarismo fascista e nazista no continente europeu.
Atualmente, o antifascismo estendeu o seu campo de luta e não limita a sua ação apenas contra os fascistas, mas contra toda prática política de extrema-direita. Além disso, coloca-se contra grupos políticos que representam ameaças para determinados grupos da sociedade, como imigrantes, homossexuais e negros, que são constantemente ameaçados por neonazistas e supremacistas.
Quando surgiu o antifascismo?
O antifascismo foi uma resposta ao crescimento do fascismo na Europa durante as décadas de 1920 e 1930. As primeiras experiências antifascistas significativas aconteceram na Itália e na Alemanha, países que tiveram os maiores regimes fascistas da história. Entretanto, o historiador Mark Bray afirma que podemos identificar um movimento “proto-antifascista” na França, no final do século XIX|1|.
No contexto francês, o país vinha sendo agitado pelo julgamento do capitão Alfred Dreyfus, um militar judeu que foi acusado de divulgar segredos militares da França para a Alemanha. A acusação contra Dreyfus era falsa, mas foi um forte indicativo do crescimento do antissemitismo, não só na França, mas em toda a Europa.
Na França foram formados pequenos grupos de defensores de Dreyfus, os quais ocupavam as ruas para se defender de grupos antissemitas que faziam ataques na França. Esse momento francês era um prelúdio do que aconteceria na Europa nas décadas seguintes. Quando o fascismo tomou a Itália e o nazismo avançou na Alemanha, o antifascismo organizou-se.
O fascismo estruturava-se no continente europeu desde a segunda metade do século XIX, mas foram as condições dadas pelo contexto do pós-Primeira Guerra Mundial que permitiram que essa ideologia política se estabelecesse. Os fatores responsáveis pelo surgimento do fascismo foram os ressentimentos com os resultados da Primeira Guerra, a crise econômica que atingiu alguns países, o temor pelo avanço do socialismo e o desejo de expansão imperialista.
Logo após a Primeira Guerra, ergueram-se diversos grupos militarizados com tendências ultranacionalistas, conservadoras e antissemitas. No cenário italiano, Benito Mussolini liderou o Fascio di Combattimento, criado em 1919, e, na Alemanha, Adolf Hitler liderou o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães.
Os grupos antifascistas que surgiram na Itália e Alemanha foram formados por ação de social-democratas, socialistas, comunistas e anarquistas, que encontraram no antifascismo uma forma de se defender do avanço fascista. O antifascismo nesses países foi uma forma de autodefesa porque a violência promovida pelos fascistas contra esses grupos era muito grande.
Nesses dois países, o crescimento das políticas fascistas ocorreu por meio da ação de grupos militarizados que perseguiam e atacavam seus opositores políticos (os grupos da esquerda em geral). Na Itália, a violência fascista foi realizada pelos bandos de camisas-negras, também conhecidos como squadristi. Na Alemanha, por sua vez, essa violência foi realizada pelas tropas de assalto, a Sturmabteilung ou SA.
Essa violência era canalizada contra socialistas, comunistas e anarquistas, principalmente, e o temor de muitos grupos da sociedade com o socialismo, como liberais que faziam parte das classes médias e elites econômicas, fez com que essa violência fosse bem recebida. No entanto, com o tempo, os fascistas ganharam força suficiente para se voltar até mesmo contra os liberais que apoiavam os ataques contra os socialistas. Agora nós veremos como se deu a resistência antifascista nesses dois locais.
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Antifascismo na Itália
A violência fascista na Itália foi o caminho encontrado por Benito Mussolini para impulsionar o crescimento do seu grupo político, o Fascio di Combattimento. Ele soube usar a violência dos squadristi para garantir o crescimento do fascismo e também soube controlá-la para conseguir espaço na política tradicional.
A Itália do pós-Primeira Guerra passava por grande agitação política em razão dos ressentimentos com os poucos ganhos com a Primeira Guerra, crise econômica e crescimento dos socialistas. Tudo isso fez surgir os fascistas, grupo que formava milícias para atacar socialistas no centro e norte da Itália, principalmente.
Nesses locais, os fascistas atacavam pessoas que participavam de greves realizadas por socialistas e escritórios montados por estes, além de agredi-los e ameaçá-los, obrigando muitos a fugirem de suas cidades para garantir a sua segurança. Com isso, o fascismo deixou de ser um movimento com centenas de seguidores em 1919 e passou a ser um partido médio com milhares de seguidores e com cadeiras no Parlamento italiano.
O crescimento do fascismo e sua violência causaram uma reação antifascista na Itália. Essas reações foram espontâneas e vinham de grupos de trabalhadores, sindicalistas, socialistas, entre outros, que se organizavam e adquiriam armas para se defender. A experiência antifascista mais significativa da Itália foi o Arditi del Popolo, liderada por Argo Secondari.
Essa ação antifascista italiana foi autônoma e não tinha ligações partidárias, porque os partidos de esquerda na Itália não aceitavam experiências autônomas e não aprovavam a resistência armada proposta pelo arditismo. Os arditistas formaram verdadeiras forças militares e promoveram grandes combates de rua contra os fascistas.
A força do arditismo, no entanto, durou por apenas um ano, já que o fascismo estava politicamente consolidado, possuindo riqueza material e legitimidade na visão de uma parcela da população italiana. Além disso, a estrutura política da esquerda italiana já tinha sido severamente destruída pelos fascistas. Quando Mussolini chegou ao poder em 1922, a força do Estado foi usada para esmagar a resistência antifascista.
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Antifascismo na Alemanha
O caso alemão foi um pouco diferente do caso italiano porque a resistência antifascista na Alemanha foi, em alguns casos, diretamente controlada por grandes partidos do país. O nazismo surgiu na Alemanha como resultado do ressentimento com a derrota na Primeira Guerra, a crise econômica, o ultranacionalismo, o antissemitismo e o conspiracionismo.
Os nazistas, assim como os fascistas, usavam da violência para combater os seus inimigos. No contexto alemão, além de socialistas, comunistas e anarquistas, os social-democratas e os judeus também eram perseguidos. A agitação revolucionária na Alemanha pós-Primeira Guerra era gigantesca e os nazistas aproveitaram-se disso.
O nazismo possuía tropas de assalto, conhecidas no alemão como Sturmabteilung (ou SA), que eram responsáveis por atacar os inimigos do nazismo como forma de intimidá-los. Ao longo da década de 1920, o partido nazista foi crescendo e garantindo mais espaço na política alemã. Quanto mais crescia, maior ficava a violência.
A esquerda alemã até procurou realizar ações para garantir maior presença entre ex-combatentes (um dos grupos que mais encheram as fileiras nazistas), mas os desentendimentos entre diferentes grupos da esquerda impediam que uma reação mais organizada surgisse. Assim, em 1928, o nazismo já possuía 60 mil membros|1|.
Nesse ano mesmo, as forças paramilitares dos nazistas começaram a invadir bairros de socialistas e comunistas e atacar locais de encontro de grupos da esquerda. Um caso simbólico foi realizado por Horst Wessel, um membro da SA que liderou um ataque contra a sede do Partido Comunista Alemão. Wessel acabou sendo atacado pelos comunistas e morreu em 23 de fevereiro de 1930.
Foi o crescimento da violência nazista que fez com que os grupos de esquerda organizassem uma resistência antifascista, sobretudo a partir de 1929. Mesmo com a resistência, o número de comunistas mortos cresceu a partir de 1930. Pelo menos 171 comunistas foram mortos entre 1930 e 1932.|2|
A reação antifascista na Alemanha teve o envolvimento de diferentes grupos, que foram formados com a finalidade de se colocar como uma frente de resistência ao nazismo. Um deles foi a Aliança dos Combatentes da Frente Vermelha, a Roter Frontkämpferbund, que formou milícias para atacar tabernas que serviam de ponto de encontro da SA.
Outro grupo antifascista que foi criado foi a Frente de Aço, controlada pelo Partido Social-Democrata Alemão, mas ela teve uma ação mais contida. O grupo antifascista mais expressivo da Alemanha naquele contexto foi a conhecida Ação Antifascista, a Antifaschistische Aktion, criada pelo Partido Comunista Alemão.
O objetivo da Ação Antifascista era criar uma frente que pudesse reunir comunistas e social-democratas na luta contra o nazismo. Foi esse grupo que desenvolveu o símbolo usado pelos antifascistas contemporâneos. Havia, no entanto, duas diferenças.
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As duas bandeiras presentes no símbolo antifascista alemão tinham a cor vermelha.
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As bandeiras estavam voltadas para o lado direito.
O antifascismo na Alemanha, assim como o da Itália, fracassou, mas gerou uma reação considerável. Richard J. Evans fala que cerca de 143 nazistas das forças paramilitares foram mortos em combates com milícias antifascistas entre 1930 e 1932|2|. O fracassou ocorreu porque a resistência alemã começou muito tardiamente.
O nazismo já era muito influente em 1930, sendo o segundo maior partido da Alemanha e, portanto, tinha mais recursos para empregar na luta contra os antifascistas. Quando os nazistas chegaram ao poder em janeiro de 1933, Hitler usou a Gestapo para perseguir e destruir as células antifascistas no país.
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Antifascismo contemporâneo
Vimos que o antifascismo surgiu no contexto do aparecimento das ditaduras totalitárias da extrema-direita. A derrota do nazifascismo durante a Segunda Guerra Mundial não significou o fim dessas ideologias. Elas seguiram existindo, no entanto de maneira muito marginalizada. Esse quadro, contudo, tem mudado radicalmente no século XXI, uma vez que os neofascistas adotaram outra estratégia, o que tem feito os ideais fascistas ganharem força no mundo.
O antifascismo continuou atuando na luta contra o fascismo, mas, a partir da segunda metade do século XX, adotou a luta contra a extrema-direita também como parte do movimento. O antifascismo contemporâneo foi dividido por Mark Bray em dois momentos: o primeiro, que se estendeu de 1945 a 2003, e o segundo, que se estendeu de 2003 até a atualidade|1|.
Além da luta contra a extrema-direita, o antifascismo moderno abraçou novas pautas, incluindo ideais antirracistas e anticapitalistas, além de sair em defesa das mulheres e dos direitos dos LGBTIs, etc. Nesse momento, o confronto aberto contra os grupos fascistas e de extrema-direita permaneceu como uma tática empregada em diversos lugares.
Os antifascistas modernos começaram a se inspirar em grupos autonomistas, isto é, aqueles que defendem a autogestão social como forma de organização política da sociedade. A luta antirracista tornou-se um elemento fundamental dos antifascistas, uma vez que, a partir da década de 1960, o fascismo associou-se diretamente com pautas anti-imigração e com grupos de supremacistas.
Foi essa pauta que fez com que grupos como o Asian Youth Movement, o United Black Youth League e o Rock Against Racism surgissem na Inglaterra; o RaRa surgisse na Holanda; e o Anti-Racist Action (ARA), nos Estados Unidos. Alguns desses movimentos tiveram ligação direta com o movimento punk, e o confronto físico contra supremacistas e fascistas foi arma frequente.
A mudança de estratégia dos fascistas a partir do século XXI fez com que essas formas de combate perdessem eficácia, além de ter ocorrido o fortalecimento dos movimentos neofascistas em diferentes locais do mundo.
Atualmente, o neofascismo tem se escondido no populismo de direita. Em geral, os neofascistas negam uma associação direta com símbolos e ideais fascistas, mas, na prática, importam as táticas, defendem os mesmos ideais e secretamente possuem admiração por supremacistas e por figuras conhecidas do nazismo e fascismo.
Na Europa e Estados Unidos, o neofascismo está diretamente ligado com ideais anti-imigração, racistas e islamofóbicos, conquistando muito espaço na política porque, como não há uma associação direta e pública dos populistas de direita com o nazifascismo, muitos não conseguem identificar esse elemento na ideologia dos neofascistas.
Esse cenário em que os neofascistas estão em partidos que conquistam o apoio popular e estão legitimados dentro do debate político faz com que as antigas táticas – confronto aberto e a ocupação dos espaços – sejam ineficazes. Alguns grupos antifascistas têm utilizado o doxxing, a exposição de informações pessoais de fascistas, sendo essa uma forma de atingi-los ao demonstrar publicamente sua ligação com grupos fascistas ou neonazistas.
Ainda assim, existe certa dificuldade dos grupos antifascistas modernos em encontrar formas de se combater esse crescimento da extrema-direita e do neofascismo. Apesar de o movimento antifascista ainda ser pequeno em número, a nova ameaça da extrema-direita e do fascismo tem estimulado o crescimento da reação antifascista na Europa, América do Norte e também no Brasil.
Notas
|1| BRAY, Mark. Antifa: o manual antifascista. São Paulo: Autonomia Literária, 2019.
|2| EVANS, Richard J. A chegada do Terceiro Reich. São Paulo: Planeta, 2016, p. 337.
Créditos das imagens: