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Democracia racial

Democracia racial é o estado de perfeita igualdade entre as pessoas independentemente de raça, cor ou etnia, o que levaria a uma sociedade sem nenhum tipo de exclusão racial.

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Democracia racial é o estado de plena igualdade entre as pessoas independentemente de raça, cor ou etnia. No mundo atual, apesar do fim da escravização e da condenação de práticas e de ideologias racistas, ainda não existe democracia racial, visto que há um abismo imenso que segrega populações negras, indígenas e aborígenes da população branca.

Leia mais: Intolerância religiosa – questão que, muitas vezes, está relacionada com o racismo

Tópicos deste artigo

O que é democracia racial?

Quando falamos em democracia em sentido amplo, não estamos falando apenas de possibilidade de participação política mas também de igualdade de direitos, igualdade social, igualdade racial e liberdade garantida a todas as pessoas.

Pensar em democracia racial requer, portanto, pensar em uma sociedade em que todas as pessoas, independentemente de sua origem étnico-racial e da cor de suas peles, sejam livres e tenham direitos iguais.

A democracia racial ainda não existe, mas deve ser buscada para que tenhamos uma sociedade justa.
A democracia racial ainda não existe, mas deve ser buscada para que tenhamos uma sociedade justa.

Devido ao passado de escravidão, racismo e exploração de territórios africanos por parte de nações europeias que deixou uma imensa cicatriz de preconceito e discriminação em nossa sociedade, além do terrível holocausto que sentenciou à morte injusta milhões de judeus, a Organização das Nações Unidas (ONU) promulgou, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A declaração enfatiza a igualdade de direitos entre todos os seres humanos, independentemente de raça, cor, religião, nacionalidade ou gênero.

Segundo o art. 2 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”|1|. O reconhecimento de direitos iguais por parte da ONU consiste num importante passo para o estabelecimento da democracia racial no mundo.

Acesse também: Como ficou a vida dos ex-escravos após a Lei Áurea?

A Constituição da República Federativa Brasileira de 1988 também enfatiza o estabelecimento de direitos iguais entre pessoas independentemente de qualquer elemento distintivo. O art. 5 da Constituição diz o seguinte: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”|2|. Apesar de não mencionar diretamente a questão étnico-racial, o trecho citado do documento atesta que não pode haver discriminação de qualquer natureza, ficando implícito que discriminação racial não é permitida.

Os documentos citados são ferramentas importantes para a construção de uma nação onde haja democracia racial, no entanto, não basta a promulgação da lei, sendo necessário que ela seja cumprida. Para além da discriminação e do preconceito racial, muito precisa ser feito para que um país seja, de fato, considerado uma democracia racial.

Devido ao fato de existir um racismo estrutural que segrega negros e brancos em classes sociais diferentes, que dificulta o acesso da população negra a serviços básicos de educação, saúde, segurança e ao emprego digno, faz-se necessária a tomada de medidas de reparação histórica para que uma nação seja, de fato, uma democracia racial.

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Existe democracia racial no Brasil?

A resposta imediata à pergunta iniciada no tópico é “não”. Não existe democracia racial no Brasil, como não existe democracia racial em qualquer lugar do mundo. Existe, no máximo, um mito de uma democracia racial pelo fato de o racismo aqui não ser tão evidente quanto é nos Estados Unidos, na Europa ou na África do Sul.

Os Estados Unidos e a África do Sul mantiveram sistemas legais de segregação racial que perduraram, no caso dos Estados Unidos, até a década de 1960 e, no caso sul-africano, até a década de 1980. Nesses casos, a população negra era tratada como cidadã de segunda categoria, tendo acessos restritos a serviços públicos e direitos civis restritos ou até negados.

A escravização dos negros no passado é o principal fator que ainda impede a formação de uma sociedade democrática para negros e brancos.
A escravização dos negros no passado é o principal fator que ainda impede a formação de uma sociedade democrática para negros e brancos.

Desde a abolição da escravatura no Brasil, nunca houve lei restritiva que segregasse oficialmente a população negra da população branca. No entanto, há uma ideologia racista que perdura até hoje e, sobretudo, há um racismo velado, estrutural, que mantém a população negra à parte da plenitude de seus direitos em nosso país.

Segundo Kabengele Munaga, congolês naturalizado no Brasil e professor emérito de Antropologia da USP, “a democracia só será uma realidade quando houver, de fato, igualdade racial no Brasil e o negro não sofrer nenhuma espécie de discriminação, de preconceito, de estigmatização e segregação, seja em termos de classe, seja em termos de raça. Por isso, a luta de classes, para o negro, deve caminhar juntamente com a luta racial propriamente dita”|3|. Desse modo, o racismo estrutural brasileiro é um impedimento para que haja ascensão social dos negros, e, enquanto houver distinção de classes sociais marcada também pela cor da pele, é impossível falar-se em uma democracia racial.

O racismo estrutural é aquele que não é explícito em um preconceito e uma discriminação claros e distintos, ele está enraizado na sociedade. O racismo estrutural finca-se nas bases da sociedade brasileira e só é perceptível por um olhar apurado que veja a discrepância de renda, de empregabilidade e de marginalização da população negra em relação à população branca. Pelo fato de o Brasil não ter apresentado um projeto oficial de segregação entre negros e brancos, houve aqui a disseminação de uma ideologia (ou mito) da democracia racial.

Veja também: Cultura brasileira, produto da miscigenação

O que é o “mito da democracia racial”?

Mito é algo irreal, inexistente, uma narrativa fantasiosa. Falar em “mito da democracia racial” leva-nos a interpretar que a democracia racial não existe. De fato, atualmente, sobretudo no Brasil, a democracia racial é uma lenda. Boa parte do senso comum afirma que no Brasil não há racismo, que nele há uma democracia racial pelo fato de não haver uma divisão de raças tão forte quanto há nos Estados Unidos atualmente.

O livro Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, expõe uma suposta relação cordial entre negros e brancos. [1]
O livro Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, expõe uma suposta relação cordial entre negros e brancos. [1]

A origem mais forte e sociologicamente descrita do mito da democracia racial aqui no Brasil advém dos escritos do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre. Freyre foi um estudioso da sociologia e da antropologia no Brasil, no século XX. Apesar de situar-se no período pré-científico da sociologia brasileira (quando os sociólogos eram intelectuais e eruditos com formações em outras áreas, como o direito e a filosofia, mas dedicavam-se a estudar sociologia), o pensador pernambucano graduou-se e doutorou-se em ciências sociais nos Estados Unidos, desenvolvendo uma tese sobre a organização social do Brasil colonial.

Em Casa grande e senzala, a obra mais difundida desse autor, ele vai na contramão das teorias do chamado racismo científico do início do século XX, que defendiam a pureza racial e o “branqueamento” do povo brasileiro como ponto de partida para chegar-se a um estágio de maior evolução social. Para o sociólogo brasileiro, era a miscigenação que gerava um povo mais forte e capaz de maior desenvolvimento. O problema da tese de Freyre é que ela considerava como certa a existência de uma relação cordial entre senhores e escravos no período colonial brasileiro.

Segundo o sociólogo, os senhores mantinham uma relação de cordialidade com seus escravos e escravas, mantendo com estas, muitas vezes, relações sexuais. O problema dessa visão é que ela não enxerga que a cordialidade do escravo para com o seu senhor advém do medo e que as relações sexuais entre escravas e senhores brancos eram, na maioria das vezes, estupro ou consentidas por elas por conta do medo que tinham de sofrer castigos ao negarem-se a tal ato. O mesmo fenômeno aconteceu com as índias brasileiras e os brancos.

Esse ciclo de abusos sexuais resultou nos primeiros casos de miscigenação no Brasil ainda no século XVI e intensificou-se até o fim da escravidão. Não podemos dizer que toda a miscigenação do período seja fruto de abuso e de estupros, mas a maior parte foi. Acontece que em outros países, como os Estados Unidos, que também tiveram grande parte da mão de obra da época baseada na escravização de povos africanos, quase não houve miscigenação. Esse fato, arriscamos dizer, não aconteceu por falta de cordialidade entre povos negros e colonos nos Estados Unidos, mas por conta da moral protestante de origem anglicana (a Igreja anglicana era a mais forte entre os colonos ingleses nos séculos XVII e XVIII), que condenava veementemente e de maneira mais severa qualquer ato sexual que não fosse para a procriação dentro do casamento.

De fato, dado o fim da escravidão, pode-se constatar no Brasil a grande miscigenação entre negros de origem africana, brancos de origem europeia e índios nativos das terras brasileiras, o que difere nosso país de todos os outros territórios colonizados no Ocidente. No entanto, o racismo persistiu ainda por muito tempo de maneira descarada, pública e impune e, ainda hoje, persiste nos âmbitos privado e público de maneira velada e estrutural.

Autores como Kabengele Munaga, o saudoso sociólogo brasileiro e professor da USP Florestan Fernandes, o artista e político Abdias do Nascimento, a escritora Conceição Evaristo, entre outros nomes, são os responsáveis por desmistificar a ideia da existência de uma democracia racial no Brasil.

O racismo estrutural e a crença de que não há racismo no Brasil são grandes inimigos na luta por uma sociedade mais justa. Assim como a homofobia e a misoginia, o racismo é um entrave para que se forme uma sociedade brasileira baseada nos pilares democráticos e republicanos da igualdade e da liberdade.

Crédito de imagem

[1] Global Editora [Reprodução]

Notas

|1| DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, ONU, 1948.

|2| BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988. 53. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2018, p. 9.

|3| Confira o discurso de Kabengele Munaga, em matéria do portal GGN, clicando aqui.

 

Por Francisco Porfírio
Professor de Sociologia

Escritor do artigo
Escrito por: Francisco Porfírio Escritor oficial Brasil Escola

Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:

PORFíRIO, Francisco. "Democracia racial"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historia/democracia-racial.htm. Acesso em 28 de março de 2024.

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Lista de exercícios


Exercício 1

(UENP) Do ponto de vista sociológico, o Brasil se constituiu sobre o mito da democracia racial principalmente depois da publicação de Casa grande e senzala de Gilberto Freyre (2003). De acordo com Florestan Fernandes (1965) o ideal de miscigenação fora difundido como mecanismo de absorção do mestiço não para a ascensão social do negro, mas para a hegemonia da classe dominante. O mito da democracia racial assentou-se sobre dois fundamentos: 1) o mito do bom senhor; 2) o mito do escravo submisso. Analise as afirmações:

I. A crença no bom senhor exalta a vulgaridade das elites modernas, como diria Contardo Calligaris, e juntamente com uma espécie de pseudocordialidade seriam responsáveis pela manutenção e o aprofundamento das diferenças sociais.

II. O mito do escravo submisso fez com que a sociedade de um modo geral não encarasse de frente a violência da escravidão, fez com que os ouvidos se ensurdecessem aos clamores do movimento negro, por direitos e por justiça.

III. As proposições legislativas sobre a inclusão de negros vão desde o Projeto de Lei que reserva aos negros um percentual fixo de cargos da administração pública, aos que instituem cotas para negros nas universidades públicas e nos meios de comunicação.

Assinale a alternativa correta:

a) todas as afirmações são verdadeiras.

b) apenas a afirmação II é verdadeira.

c) as afirmações I e III são verdadeiras.

d) as afirmações I e II são falsas.

e) todas as afirmações são falsas.

Exercício 2

É correto dizer que Gilberto Freyre procurou pensar a formação da sociedade patriarcal brasileira, a partir da publicação de Casa Grande & Senzala, influenciado:

a) pelas teorias raciais do nazismo.

b) pela antropologia de Franz Boas.

c) pelo marxismo britânico dos anos 1920.

d) pela teoria crítica da Escola de Frankfurt.

e) pelo pensamento autoritário do fascismo italiano.