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A função fática, também chamada de função de contato, é a função de linguagem que enfatiza o canal ou veículo de comunicação, a fim de manter o ato comunicativo em curso, ou seja, quando o emissor (locutor) busca estratégias para manter a interação com o receptor (interlocutor).
Leia também: Elementos presentes nos atos de comunicação
Tópicos deste artigo
Características da função fática
A função fática da linguagem é bastante marcada por expressões de cumprimento, despedida, bem como o uso de vocativos, que indicam que o emissor (locutor) deseja chamar a atenção do receptor (interlocutor) para que seja mantida a comunicação.
Ao desejar “bom dia”, ou mesmo quando o professor, em sala de aula, pergunta “Entendeu?”, percebemos a vontade de que a interação siga seu curso. Do “alô” ao “tchau”, do “bom dia” a “boa noite”, vemos que o ser humano é realmente o ser que fala e que nossos laços sociais fortalecem-se diante da necessidade de nos comunicarmos.
Muito claramente, é possível perceber a função fática na oralidade. A própria entonação dos falantes pode marcar o recurso de se manter a comunicação. Na linguagem verbal escrita, muitas vezes, há mais dificuldades em se checar o funcionamento do canal, no entanto, percebemos o uso de diversos métodos – principalmente por autores da Literatura – que se consolidam como formas eficientes de demonstrar essa relação direta entre locutor e interlocutor.
Vejamos como Machado de Assis trabalha essa função em sua magnífica escrita, construindo, ao longo do texto, a interlocução:
"Olhe, eu podia mesmo contar-lhe a minha vida inteira, em que há outras coisas interessantes, mas para isso era preciso tempo, ânimo e papel, e eu só tenho papel: o ânimo é frouxo, e o tempo assemelha-se à lamparina de madrugada. Não tarda o sol do outro dia, um sol dos diabos, impenetrável como a vida. Adeus, meu caro senhor, leia-me isso e queira-me bem: perdoe-me o que lhe parecer mau, e não maltrate muito a arruda, se lhe não cheira a rosas. Pediu-me um documento humano e ei-lo aqui. Não me peça também o império do Grão-Mogol, nem a fotografia dos Macabeus, peça, porém, os meus sapatos de defunto e não os dou a ninguém mais."
(Machado de Assis. O enfermeiro)
Ainda em Dom Casmurro, Machado de Assis estabelece o discurso do narrador em conversa com os leitores:
“Eu, leitor amigo, aceito a teoria do meu velho Marcolini, não só pela verossimilhança, que é muita vez toda a verdade, mas porque a minha vida se casa bem à definição. Cantei um duo tecnicismo, depois um trio, depois um quatro... Mas não adiantemos; vamos à primeira parte, em que eu vim a saber que já cantava, porque a denúncia de José Dias, meu caro leitor, foi dada principalmente a mim. A mim é que ele me denunciou.
(Machado de Assis em Dom Casmurro)
Por fim, apresentamos mais um exemplo de texto literário, do autor Luis Fernando Veríssimo, em que a função fática da linguagem contribui para a construção do humor no texto. Durante todo o diálogo, as personagens buscam o entendimento do código, mas se esforçando para que o ato comunicativo não se encerre.
Comunicação
É importante saber o nome das coisas. Ou, pelo menos, saber comunicar o que você quer. Imagine-se entrando numa loja para comprar um... um... como é mesmo o nome?
"Posso ajudá-lo, cavalheiro?"
"Pode. Eu quero um daqueles, daqueles..."
"Pois não?"
"Um... como é mesmo o nome?"
"Sim?"
"Pomba! Um... um... Que cabeça a minha. A palavra me escapou por completo. É uma coisa simples, conhecidíssima."
"Sim senhor."
"O senhor vai dar risada quando souber."
"Sim senhor."
"Olha, é pontuda, certo?"
"O quê, cavalheiro?"
[...]
"Chame o gerente."
"Não será preciso, cavalheiro. Tenho certeza de que chegaremos a um acordo. Essa coisa que o senhor quer, é feito do quê?"
"É de, sei lá. De metal."
"Muito bem. De metal. Ela se move?"
"Bem... É mais ou menos assim. Presta atenção nas minhas mãos. É assim, assim, dobra aqui e encaixa na ponta, assim."
"Tem mais de uma peça? Já vem montado?"
"É inteiriço. Tenho quase certeza de que é inteiriço."
"Francamente..."
"Mas é simples! Uma coisa simples. Olha: assim, assim, uma volta aqui, vem vindo, vem vindo, outra volta e clique, encaixa."
"Ah, tem clique. É elétrico."
"Não! Clique, que eu digo, é o barulho de encaixar."
"Já sei!"
"Ótimo!"
"O senhor quer uma antena externa de televisão."
"Não! Escuta aqui. Vamos tentar de novo..."
"Tentemos por outro lado. Para o que serve?"
"Serve assim para prender. Entende? Uma coisa pontuda que prende. Você enfia a ponta pontuda por aqui, encaixa a ponta no sulco e prende as duas partes de uma coisa."
"Certo. Esses instrumentos que o senhor procura funciona mais ou menos como um gigantesco alfinete de segurança e..."
"Mas é isso! É isso! Um alfinete de segurança!"
"Mas do jeito que o senhor descrevia parecia uma coisa enorme, cavalheiro!"
"É que eu sou meio expansivo. Me vê aí um... um... Como é mesmo o nome?"
Fonte: VERÍSSIMO, Luis Fernando. Comunicação. In: PARA gostar de ler, v.7. 3.ed. São Paulo: Ática, 1982. p. 35-37.
A boa comunicação é aquela em que os usuários de uma língua constroem entre si um contexto solidário, empenhando-se para que o ato comunicativo se dê sem ruídos. Nesse sentido, a função fática ou de contato exerce grande importância.
Saiba mais: Função poética: foco enunciativo na mensagem
Exercício resolvido
- Identifique a função da linguagem predominante no texto a seguir:
"Posso ajudá-lo, cavalheiro?"
"Pode. Eu quero um daqueles, daqueles..."
"Pois não?"
"Um... como é mesmo o nome?"
"Sim?"
(Luis Fernando Veríssimo)
- Função metalinguística
- Função conativa
- Função fática
- Função emotiva
Solução
A função fática está presente quando as personagens iniciam o ato comunicativo e mantém-no com expressões como “Posso ajudá-lo, cavalheiro” e “Pois não?”.
Por Sara de Castro Cândido
Professora de Grámatica