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A Filosofia Contemporânea, cronologicamente, situa-se entre algum período impreciso do século XIX até os dias atuais. Alguns estudiosos preferem classificar os pressupostos teóricos e pensamentos filosóficos produzidos no século XIX como parte da Filosofia Moderna.
Porém, permitindo-se fazer uma análise mais conceitual e amplamente historiográfica do que estritamente positivista e cronológica, podemos conceber que as produções filosóficas do século XIX aproximam-se muito mais daquilo que foi produzido nos séculos posteriores do que nos períodos anteriores.
Ademais, o pensamento reinante no século XX, as escolas filosóficas, as interpretações, a pós-modernidade, enfim, tudo o que há de diferente na Filosofia Ocidental nos dias de hoje, que se destaca da Filosofia Moderna, nasceu em obras de filósofos do século XIX, como Auguste Comte, Friedrich Nietzsche, Søren Kierkegaard, Arthur Schopenhauer e Karl Marx.
Saiba mais: Crítica feita por Nietzsche à moral cristã
Tópicos deste artigo
- 1 - Contexto histórico da Filosofia Contemporânea
- 2 - O que caracteriza a Filosofia Contemporânea
- 3 - O que é a razão na Filosofia Contemporânea
- 4 - Principais filósofos
Contexto histórico da Filosofia Contemporânea
Durante o Iluminismo, no fim da modernidade, havia uma crença comum de que o avanço das ciências, das técnicas e do conhecimento aliados à popularização desse conhecimento por meio da educação, trariam o avanço moral da sociedade. O positivismo de Auguste Comte permanece, de certo modo, numa linha iluminista, mas acrescenta a necessidade de um conhecimento estritamente científico e de uma rigorosa ordem social para o avanço social.
Como método historiográfico, o positivismo afirma a necessidade de atenção aos fatos estritos da história como fonte única de conhecimento. Já o materialismo histórico dialético, de Karl Marx, afirma a necessidade de se entender a história humana como história de sua produção material.
Discordando de algumas ideias iluministas que se fundem para iniciar o pensamento liberal e concordando com outras, como o ideal da igualdade entre os homens amplamente difundido durante a Revolução Francesa, Marx fundamenta o socialismo científico com base em um pensamento político prático e revolucionário. Dessa feita, o idealismo alemão, corrente filosófica da modernidade representada por pensadores como Kant e Hegel, é duramente criticado por Marx.
Talvez, contando os fatos históricos, os que mais influenciaram o início do pensamento contemporâneo sejam as revoluções Francesa, Americana e a Revolução Industrial. Em termos práticos, as revoluções políticas trouxeram um novo modo de governar, afastando o autoritarismo do Antigo Regime, enquanto a Revolução Industrial representou um imenso avanço técnico e científico para a Europa.
O filósofo alemão Arthur Schopenhauer, opondo-se à visão idealista e aos sistemas totalizantes da razão moderna, que pretendiam enquadrar o ser humano em um molde inteiramente racional, lança o conceito de Vontade como uma força motriz da natureza que tudo causa, ao acaso, independentemente de qualquer vontade humana e de qualquer existência divina.
Kierkegaard lança a ideia de que a Filosofia deve prestar atenção à vida individual humana, para que o próprio ser humano entenda e se conforme com a sua condição, muitas vezes permeada pela angústia.
De todos os pensadores que marcaram o início da contemporaneidade, talvez esteja em Friedrich Nietzsche a maior ruptura com a filosofia tradicional e uma grande enunciação do que viria no século XX. Um crítico mordaz do que se tornou a filosofia produzida entre Sócrates e Kant (com exceção de Spinoza), ou seja, quase toda a Filosofia ocidental.
Nietzsche criticou a pretensão do ser humano de se chegar a uma verdade objetiva e puramente racional, fundamentando o conhecimento no que ele chamou de perspectivismo. Além da crítica à teoria do conhecimento e a fundação de um novo método filosófico para entender o mundo, Nietzsche elabora uma crítica aos sistemas morais que pretendem estabelecer uma valoração unilateral e desprezam a origem histórica e cultural dos valores morais.
Já em uma marca cosmológica, Nietzsche trabalha com o conceito de Vontade de Poder, que seria uma espécie de força que tudo conduz mediante o acaso promovido pelo embate de forças naturais opostas. Seria a Vontade de Poder o que moveria a natureza e as pulsões humanas, a vida animal, as determinações cósmicas etc.
O intenso século XIX também acompanhou o nascimento de novas ciências, como a Sociologia, a Antropologia e a Psicologia. Em meio ao avanço técnico e às novas maneiras de explicar a realidade, o pensamento ocidental foi se estabelecendo como um mote para o desenvolvimento futuro, apesar de filósofos como Nietzsche duvidarem do suposto progresso alavancado pela modernidade, que atingiria seu ápice no século XIX.
O século XX inicia com a suspeita de que as teorias iluministas e modernas talvez não fossem tão certas. A Primeira Guerra Mundial foi um desses fatores e o Holocausto foi o ápice do pessimismo contemporâneo em relação à ciência e à técnica. Theodor Adorno e Max Horkheimer, no livro Dialética do Esclarecimento, classificam o Holocausto como o máximo da barbárie que a humanidade chegou devido ao que eles chamaram de “razão instrumental”.
A razão instrumental é a utilização não reflexiva da ciência e das técnicas visando a uma finalidade. O capitalismo já vinha se utilizando da racionalidade como instrumento de poder e o nazismo, por meio da câmara de gás e dos experimentos científico cruéis que utilizavam prisioneiros de campos de concentração como cobaias, marcaram a contemporaneidade como uma época em que o avanço científico não garantiu o avanço moral humano.
Essa crítica de Adorno e Horkheimer recai, sobretudo, sobre o ideal iluminista que acreditava que o avanço e a popularização do conhecimento garantiriam o avanço social.
Leia também: O conceito mais famoso de Adorno e Horkheimer
O que caracteriza a Filosofia Contemporânea
Podemos dizer que a principal marca da Filosofia Contemporânea é a crítica aos modelos filosóficos desenvolvidos até a modernidade. Nietzsche, ao criticar o padrão de racionalidade que, segundo ele, deixava de lado a potência animal e natural do ser humano e ao apontar que a moral que nós tínhamos como natural era fruto de uma inversão dos valores antigos, coloca em xeque toda a história da Filosofia.
Ludwig Wittgenstein, filósofo filiado ao Círculo de Viena, investigava as condições da linguagem por meio da lógica e da Filosofia analítica. Para ele, em sua juventude, os problemas filosóficos eram problemas de linguagem mal resolvida, o que também anula a produção filosófica feita até então.
Para Jean-Paul Sartre, filósofo existencialista, a liberdade humana era incondicional, de modo que o ser humano estaria, paradoxalmente, condenado a ter essa liberdade. Para Sartre e para os existencialistas em geral, não havia uma essência que definiria o ser humano (ao contrário do pensamento antigo e moderno que afirmava a racionalidade como essencial ao animal humano).
Assim, para esse existencialista o que tornava o homem um ser angustiado e desamparado, já que ele seria totalmente responsável por si mediante suas ações. Segundo Sartre, o ser humano teria criado a ideia de Deus para se livrar do peso da existência.
Os filósofos da Escola de Frankfurt, como Adorno e Horkheimer, dedicaram-se a uma filosofia com forte tom político, que atualizaria o marxismo para o século XX e reveria antigas concepções sobre o conhecimento, a ciência e a técnica. Hannah Arendt também parte para a questão política. A filósofa judia alemã (como Adorno e Horkheimer) vivencia o horror da perseguição nazista, o que motiva a sua atuação filosófica com o intuito de teorizar o fenômeno do totalitarismo.
Filósofos mais recentes que iniciaram suas produções na segunda metade do século XX, como Michel Foucault, Gilles Deleuze e Jacques Derrida, fundam um pensamento que ficou conhecido como pós-estruturalista (chamado por alguns, em tom de crítica, de pensamento pós-moderno). O pós-estruturalismo visava a quebrar a estrutura formal de pensamento baseada na razão e no método rigoroso, estabelecendo que a Filosofia deve atuar por meio do pensamento livre para chegar às suas conclusões.
Acesse também: Existencialismo de Sartre: entenda a teoria
O que é a razão na Filosofia Contemporânea
A Filosofia Contemporânea, em geral, tentou estabelecer um novo padrão de racionalidade. Pensando que a razão não era aquela marca tradicional do ser humano e que o impulso positivista poderia estabelecer uma relação instrumental do ser humano com a racionalidade, a razão passa a ser evocada como instrumento de emancipação intelectual por meio da reflexão sobre a própria razão.
Os modernos encaravam a racionalidade como um instrumento que permitiria ao ser humano dominar a própria natureza. Se o Holocausto foi a marca da instrumentalização da razão como meio de domínio político, hoje, também vemos que o domínio da natureza traz consequências catastróficas para a humanidade, devido à degradação ambiental.
A Filosofia Moral e a ética contemporâneas também passaram por um processo de revisitação e reestruturação de seus sistemas teóricos morais por perceberem que a razão não é garantia das ações moralmente corretas. Aliás, o que se entendia como ação moralmente correta até o século XIX passa a ser questionado, por filósofos como Marx e Nietzsche, que enxergam a necessidade de mudanças sociais com a finalidade de, segundo os seus julgamentos, estabelecer um novo tipo de sociedade, para Marx, e um novo tipo humano mais forte, segundo Nietzsche.
Principais filósofos
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Friedrich Nietzsche: o pensador alemão é um dos mais característicos da contemporaneidade, por ter influenciado muitos filósofos e correntes filosóficas importantes do século XX, como o existencialismo e o pós-estruturalismo.
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Martin Heidegger: o filósofo alemão estruturou uma crítica à técnica e estabeleceu novo modo de se chegar a um conhecimento mediante uma nova estrutura filosófica.
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Theodor Adorno: também alemão, o pensador contemporâneo questiona elementos políticos fundamentais da sociedade do século XX e elabora uma crítica ao iluminismo.
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Jean-Paul Sartre: um dos principais teóricos do existencialismo, questionou o modo como o ser humano encarava a existência.
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Simone de Beauvoir: filósofa existencialista e feminista, elabora as primeiras teorias feministas do século XX, baseada no que ela chamou de condição feminina.
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Hannah Arendt: judia alemã perseguida pelo nazismo, falou sobre a condição humana em meio aos conflitos globais e estudou profundamente o totalitarismo.
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Michel Foucault: estudou os novos parâmetros da convivência humana e da sociedade por meio da visão biopolítica, que são políticas públicas que tratam da gestão e do controle tanto da vida quanto da morte.
Por Francisco Porfírio
Professor de Filosofia