PUBLICIDADE
A Guerra da Bósnia foi um conflito ocorrido entre 1992 e 1995 e parte do processo de desintegração da Iugoslávia. Esse conflito foi o maior que aconteceu na Europa após a Segunda Guerra Mundial e resultou em milhares de mortos. A Guerra da Bósnia também ficou marcada pelas políticas de genocídio promovidas pelos sérvios. Esse conflito foi um dos que abalaram os Bálcãs durante a década de 1990 e resultou na morte de cerca de 100 mil pessoas.
Acesse também: Ustasha — o partido croata que promoveu genocídio de sérvios na Segunda Guerra
Tópicos deste artigo
- 1 - Origens da Guerra da Bósnia
- 2 - Principais acontecimentos da Guerra da Bósnia
- 3 - Consequências da Guerra da Bósnia
- 4 - Guerra do Kosovo
Origens da Guerra da Bósnia
Primeiramente, antes de uma abordagem a respeito do próprio conflito, é necessária uma pequena recapitulação da história da Iugoslávia. Esse país surgiu logo após a Primeira Guerra Mundial e foi resultado do movimento nacionalista de sérvios, croatas e eslovenos que lutaram para se livrarem do domínio austríaco.
Em 1918, foi criado o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos que, a partir de 1929, transformou-se no Reino da Iugoslávia, um estado multiétnico formado por sérvios, croatas, eslovenos, montenegrinos, bosníacos, albaneses etc. Esse Estado passou por uma breve fragmentação durante a Segunda Guerra Mundial e foi reunificado na República Socialista Federativa da Iugoslávia que estava sob a liderança de Josip Broz Tito, um antigo partisan.
A partir de 1945, portanto, o país estava sob o comando de Tito, que, por meio de um governo autoritário, conseguiu manter a Iugoslávia como uma nação coesa, na qual os nacionalismos estavam subjugados pela autoridade do Estado. Com a morte de Tito, em 1980, essa coesão desapareceu, e, a partir desse período, a Iugoslávia começou a ruir.
O discurso político da década de 1980 na Iugoslávia ficou dominado pelos movimentos nacionalistas. Diferentes povos da região começaram a alinhar seus discursos com questões nacionalistas, e a autodeterminação desses povos (isto é, sua independência em Estados nacionais próprios) começou a ganhar força.
Impulsionado pelo discurso nacionalista, três grandes nomes surgiram na Iugoslávia, cada qual defendendo a autodeterminação de uma etnia distinta. Alija Izetbegovic representava os bosníacos (bósnios-muçulmanos); Franjo Tudman, os croatas; e Slobodan Milosevic, os sérvios.
A Guerra da Bósnia, nesse sentido, foi resultado direto da luta desses povos por autoafirmação e por sua defesa de um Estado nacional. Sendo assim, a antiga ideia da existência de um Estado nacional multiétnico começou a perder espaço para a necessidade de fragmentação e de formação de Estados nacionais que representassem cada um desses povos diferentes.
Radovan Karadzic foi presidente dos sérvios da Bósnia e um dos grandes opositores da independência da Bósnia.*
A necessidade por essa autoafirmação, que levou ao crescimento dos nacionalismos, reavivou os ressentimentos étnicos que existiam na Iugoslávia. A afirmação das coletividades na Iugoslávia dava-se por meio da cultura, do idioma, da religião etc., exatamente pelo fato de que a região havia sido historicamente dominada por estrangeiros (otomanos e austríacos).
Esses ressentimentos escoravam-se em circunstâncias como o fato de, historicamente, o grupo politicamente hegemônico na região ter sido o dos sérvios. Isso levou croatas e eslovenos, inicialmente, a exigirem maior representatividade na Iugoslávia. Essa demanda logo transformou-se em desejo de autodeterminação, isto é, independência.
A mobilização de eslovenos e croatas criou uma grande tensão na região, sobretudo pelo fato de que os sérvios eram contrários a essa fragmentação. A tensão existia, principalmente, pelo fato de que os sérvios que habitavam a Croácia e a Eslovênia eram sistematicamente contrários à emancipação de ambos países.
O primeiro foco de tensão foi a Eslovênia, nação que se lançou à guerra contra os sérvios em junho de 1991. Foi uma guerra de curta duração — apenas 10 dias —, sendo finalizada com a oficialização da independência da Eslovênia. Após isso, o foco de tensão passou para a Croácia, uma região que possuía um número considerável de sérvios étnicos.
A declaração de independência dos croatas aconteceu na mesma data da realizada pelos eslovenos, mas a resistência sérvia na Croácia foi muito maior. Os sérvios da região, apoiados por Slobodan Milosevic, presidente da Sérvia, autoproclamaram a independência da República da Krajina, uma região da Croácia ocupada por uma maioria sérvia, a qual declarou sua separação da Croácia. Em longo prazo, a situação da Krajina, associada com a declaração de independência croata, levou a uma guerra entre croatas e sérvios.
Por fim, com a independência da Eslovênia consolidada e a dos croatas em andamento, os bósnios viram-se automaticamente compelidos a se lançarem na mesma jornada, uma vez que, em termos políticos, perdiam muito da sua força na Iugoslávia com as independências de Eslovênia e Croácia.
A situação da Bósnia era mais complexa ainda por ser uma região de maior diversidade étnica. Esse país, local de grande diversidade étnica, era composto da seguinte maneira: 43,7% da população era bosníaca; 31,4%, sérvia; e 17,3%, croata.|1| A diversidade étnica da região ainda possuía um agravante religioso, pois os bósnios eram muçulmanos (por isso chamados de bosníacos); os sérvios, ortodoxos; e os croatas, católicos.
Cada um desses grupos possuía interesses distintos para a Bósnia, o que era mais um elemento de tensão na região:
-
Bosníacos: lutavam pela sua independência;
-
Sérvios: contrários à independência da Bósnia e defensores da formação da Grande Sérvia;
-
Croatas: defendiam a anexação da região à Croácia, que estava na luta pela sua independência.
Os dois grandes nomes por trás dos sérvios eram Slobodan Milosevic, presidente da Sérvia, e Radovan Karadzic, presidente dos sérvios na Bósnia. Ambos demonstravam não aceitar a independência defendida pelos bosníacos, e a tensão existente na região é perceptível pela fala de Karadzic, conforme veremos no trecho a seguir:
A fala de Karadzic soava abertamente como uma ameaça de que os sérvios da Bósnia não aceitariam a reivindicação de independência que era defendida pelos bosníacos. Alija Izetbegovic, presidente da Bósnia, também não ficava atrás e demonstrava sua intenção de lutar até o fim pela independência da Bósnia, como transparece sua fala: “Sacrificarei a paz pela soberania da Bósnia-Herzegovina, mas não sacrificarei a soberania da Bósnia-Herzegovina pela paz”.|3|
A guerra iniciou-se logo após o reconhecimento internacional da independência da Bósnia acontecer no dia 6 de abril de 1992. A partir dessa data, as forças sérvias começaram a bombardear a cidade de Sarajevo, capital da Bósnia.
Principais acontecimentos da Guerra da Bósnia
O começo do conflito ficou marcado pelo predomínio das forças sérvias, que contavam com todo o aparato militar da antiga Iugoslávia e com o apoio da Rússia. Isso fez com que os sérvios dominassem grande parte do território sérvio, o que permitiu que realizassem uma limpeza étnica em determinadas regiões da Bósnia. Nesses locais, os habitantes — sobretudo os bosníacos — eram presos, executados ou expulsos pelos sérvios.
As forças bósnias recuperavam-se ao longo da guerra, e, apesar do embargo de armas em toda Iugoslávia, os bosníacos conseguiram prevalecer sobre os sérvios. Os bosníacos contaram com o apoio de nações muçulmanas que chegaram, inclusive, a enviar soldados para a região. A pressão internacional sobre a Sérvia também contribuiu para sua derrota.
-
Combatentes da Guerra da Bósnia
No começo da guerra, os sérvios defendiam seus interesses por meio do Exército Popular Iugoslavo (JNA), e, posteriormente, a luta dos sérvios foi assumida pelo Exército da República Sérvia (VRS). Os croatas defenderam-se por meio do Conselho de Defesa Croata (HVO), enquanto os bosníacos lutavam por meio da Armija (ARBiH).
-
Cerco a Sarajevo
Ratko Mladic comandou o cerco a Sarajevo e o Massacre de Srebrenica.*
Um dos acontecimentos mais marcantes da Guerra da Bósnia foi o cerco a Sarajevo realizado pelas tropas sérvias. Sarajevo era a capital da Bósnia e é circundada por montanhas. A geografia da região fez com que os sérvios cercassem a cidade por um período de quase quatro anos, fazendo desse o maior cerco na Europa após a Segunda Guerra Mundial.
O cerco a Sarajevo foi comandado por Ratko Mladic, comandante dos exércitos de sérvios da Bósnia. Durante o cerco, os sérvios bombardeavam constantemente a cidade e restringiam o acesso de mercadorias a ela. Outra ação praticada pelos sérvios foi o uso de atiradores de elite (snipers) que atiravam, indiscriminadamente, em pessoas caminhando pelas ruas da cidade.
O objetivo dessas ações contra os civis praticadas pelos sérvios era o de forçar que o comando bósnio entregasse a capital para os sérvios. Estes, durante o cerco, além de terem atacado locais importantes, como mercados e hospitais, também voltaram-se contra centros culturais importantes de Sarajevo, o que é entendido como uma tentativa de destruir a cultura e história bosníacas.
O cerco a Sarajevo teve seu fim oficial no começo de 1996, poucas semanas após o Acordo de Dayton ter colocado fim ao conflito. Muitos dos envolvidos no cerco, incluindo Ratko Mladic, foram julgados e condenados por praticarem crimes de guerra.
-
Massacre de Srebrenica
Vala comum com os restos mortais de bosníacos executados durante o Massacre de Srebrenica.*
A Guerra da Bósnia ficou marcada por violência e massacres realizados por todos os envolvidos, no entanto, as ações de limpeza étnica ao longo do conflito foram muito mais consistentes do lado sérvio, e o Massacre de Srebrenica é um dos símbolos disso. Nesse local, a mando de Ratko Mladic, o exército sérvio executou mais de 8 mil bósnios e os enterrou em valas comuns.
Srebrenica era uma zona de segurança da ONU situada dentro do território dominado pelos sérvios. Esse enclave da ONU garantia a segurança de milhares de bosníacos que fugiam das tropas sérvias. Ao longo do conflito, os sérvios tentaram conquistar Srebrenica, mas somente em julho de 1995 é que tiveram condição para tal.
A entrada das tropas sérvias só foi possível graças à retirada de tropas da ONU que garantiam a segurança das populações locais. Os sérvios, ao conquistarem Srebrenica, separaram os homens das mulheres e iniciaram a execução de 8373 bosníacos. Houve também denúncias de estupro de mulheres. O mandante do genocídio, Ratko Mladic, foi acusado e condenado por esse ato, posteriormente.
Consequências da Guerra da Bósnia
A Guerra da Bósnia chegou a seu fim, oficialmente, por meio do Acordo de Dayton, assinado em dezembro de 1995. Com o acordo, a guerra cessou-se e a Bósnia-Herzegovina foi dividida em duas repúblicas autônomas: uma para os sérvios étnicos e outra para os croatas e bosníacos. Entre as consequências dessa guerra, podem ser citadas:
-
consolidação da fragmentação da Iugoslávia;
-
destruição econômica do país;
-
ressentimentos étnicos e religiosos que permanecem passados mais de 20 anos do fim do conflito;
-
consolidação da independência da Bósnia-Herzegovina;
-
construção do país em duas repúblicas autônomas, permitindo margem para secessionismo;
-
construção de um modelo político na Bósnia, de forma a atender as demandas étnicas de croatas, bosníacos e sérvios;
-
milhares de mortos em um processo de genocídio;
-
migração de milhares de pessoas, com sérvios mudando-se, em peso, para a República Srpska.
Guerra do Kosovo
Poucos anos depois do fim dos conflitos na Croácia e Bósnia, os Bálcãs foram abalados por um novo conflito: a Guerra de Kosovo. Esse conflito aconteceu entre 1998 e 1999 e foi motivado por conta do movimento de secessão de Kosovo, uma região sérvia. Kosovo é, majoritariamente, habitada por albaneses que lutam pela sua autodeterminação. A ação dos sérvios em reprimir o nacionalismo kosovar levou a uma guerra que resultou no bombardeio de Belgrado, capital sérvia, por aviões da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
O encerramento Guerra do Kosovo não garantiu a independência dessa região, mas também não encerrou sua luta por ela. Em 2008, Kosovo proclamou sua independência, mas, até hoje, os sérvios não reconheceram a independência kosovar. O reconhecimento internacional de Kosovo é apenas parcial. O Brasil não reconhece a independência de Kosovo.
|1| NIKSIC, Stevan e RODRIGUES, Pedro Caldeira. O vírus balcânico: o caso da Jugoslávia. Assírio & Alvim: Lisboa, 1996, p. 289.
*Créditos das imagens: Northfoto e Shutterstock
Por Daniel Neves
Graduado em História