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Origem do mito
Há um mito por aí que afirma que “a água desce sempre girando pelo ralo” e vai além: “De acordo com o hemisfério em que a pia encontra-se, o sentido de rotação da água é diferente”. O mito de que a água desce em sentido anti-horário no hemisfério sul e no sentido horário no hemisfério norte já foi até mesmo veiculado em revistas de divulgação científica e em programas de televisão.
Não se sabe certamente quando o mito surgiu, mas ele se sustenta por haver um conceito científico bem formado capaz de explicar o sentido de rotação dos ciclones e das massas de ar da atmosfera. No entanto, essa ideia leva em conta a existência de uma força não inercial chamada de força de Coriolis. Gustave-Gaspard Coriolis (1792-1843), engenheiro mecânico e matemático francês, foi o primeiro a descrever como essa força fictícia atua.
Força de Coriolis
A força de Coriolis só aparece em referenciais não inerciais, ou seja, acelerados. A Terra, por exemplo, encontra-se em constante movimento de rotação em torno do próprio eixo e, portanto, apresenta uma resultante centrípeta de aceleração.
Para entender essa força, basta imaginar que, se um corpo move-se retilineamente com alta velocidade em relação à Terra ou durante muito tempo, a trajetória desse corpo em relação ao solo (que também se deslocou) não será mais uma linha reta.
Essa força é sempre perpendicular à direção da velocidade dos corpos em relação à Terra (ou qualquer que seja o sistema de referência, desde que esteja girando). Na Terra, essa aceleração não pode ultrapassar valores de 1,5.10-4 x V m/s2, sendo V a velocidade do corpo em relação à superfície da Terra.
A aceleração produzida pela força de Coriolis é muito pequena se comparada à aceleração produzida pela gravidade terrestre e somente produzirá algum efeito observável em corpos que se movam muito rapidamente, na ordem de centenas de metros por segundo (como nos casos de projéteis e foguetes), em massas de ar que se desloquem a dezenas de metros por segundo (causando os ciclones) ou, ainda, em corpos que se movam durante intervalos de tempo muito grandes.
Assumindo que a velocidade da água que desce pelos ralos por todo o mundo seja da ordem de apenas alguns centímetros por segundo, até mesmo nas posições mais distantes do Equador – nos polos, onde teríamos os valores máximos para as forças de Coriolis, as acelerações produzidas não ultrapassariam 1,5.10-6 m/s2, milhões de vezes menor que a aceleração da gravidade média da Terra, da ordem de 9,8 m/s2.
Por que essa teoria está errada?
Para testar esse fenômeno intrigante, o professor de engenharia mecânica do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), Ascher Shapiro, realizou uma série de experimentos de escoamento da água, deixando-a em repouso durante períodos de até 24h e sem contato com o ar. Após esse tempo, a água descia em vórtex (redemoinho), mas com velocidades muito menores do que quando vertida diretamente sobre a pia com o ralo aberto.
Suas conclusões apontaram que, mesmo após todo esse tempo, ainda havia momento angular remanescente entre as massas de água, e isso afetava as condições iniciais do experimento. Além disso, tais condições eram as principais responsáveis pelo sentido de rotação da água durante seu escoamento, bem como o formato da pia, que afeta as condições do movimento.
Se ainda não está convencido, tente lançar a água em direção a um ralo inicialmente no sentido horário e, depois, no anti-horário. Se Shapiro estiver errado, quando a água for lançada no sentido horário, no hemisfério sul, ela poderá sofrer uma desaceleração e inverter sua direção de rotação.
Por Rafael Helerbrock
Graduado em Física