PUBLICIDADE
Byung-Chul Han é um filósofo sul-coreano que se dedicou a analisar as estruturas da sociedade do século XXI para entender como o modelo de produção da última fase do capitalismo tem interferido diretamente na vida psicológica das pessoas. Partindo da psicanálise, da filosofia existencialista e de análises sociológicas, Han tenta entender o vínculo entre os distúrbios psiquiátricos comuns em nossos tempos, como a síndrome de burnout, a depressão e o transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH), com o ritmo de vida que a nossa sociedade cobra das pessoas.
Veja também: Marxismo: teoria que também tece críticas a respeito do capitalismo
Tópicos deste artigo
Biografia
Byung-Chul Han nasceu na Coreia do Sul, em 1959, e estudou Metalurgia na Universidade da Coreia. Sua carreira como filósofo iniciou-se nos anos 1980, quando ele foi estudar Filosofia, mas ele desenvolveu também estudos em Literatura Alemã e Teologia Católica na Universidade de Freiburg, na Alemanha.
Em 1994, Han obteve seu doutorado em Filosofia pela Universidade de Freiburg desenvolvendo uma tese sobre o filósofo alemão Martin Heidegger. Seus estudos levaram-no a entender a fenomenologia e o existencialismo, que são correntes da Filosofia que buscam a compreensão da relação do ser humano com o mundo.
Em 2000, o filósofo passou a integrar o corpo docente da Universidade da Basileia e, atualmente, é professor de Filosofia e Estudos Culturais da Universidade de Berlim.
Referenciais teóricos de Byung-Chul Han
O filósofo coreano foi influenciado, principalmente, pelos filósofos da tradição continental contemporânea, uma vertente filosófica desenvolvida, sobretudo, na Alemanha e na França no século XX e que compreende temas como fenomenologia, existencialismo e pós-modernismo, correntes que destoam da filosofia desenvolvida na Inglaterra, em Viena e nos Estados Unidos, que se dedicou a entender a linguagem enquanto problema filosófico.
A tese doutoral de Han foi sobre Heidegger, que compreende o ser humano como um “ser-aí” (designado pelo termo dasein em alemão) que vive a sua vida mundana, física, e depara-se com uma série de infortúnios, como a sua consciência e a racionalidade, que o levam a perceber que ele é um ser finito fadado à morte.
Outro referencial teórico que influenciou a filosofia de Han foi o existencialismo do filósofo francês Jean-Paul Sartre, que admite que o ser humano não possui uma essência predefinida, mas se constrói (constrói a sua essência) na medida em que vive. Para Sartre, a vida existencial precede qualquer essência metafísica (não prática, não existencial, que seja anterior às vivências), e isso leva o ser humano a uma paradoxal condenação à liberdade, pois na medida em que ele se faz enquanto vive, ele é feito de escolhas.
Michel Foucault, filósofo francês contemporâneo que é considerado um pós-modernista ou pós-estruturalista, também influenciou o trabalho de Han. Foucault estudou o exercício do poder nas sociedades capitalistas industriais e percebeu que o poder não era mais centralizado no governo absolutista, mas era exercido em diversas instituições (as instituições disciplinares, como a escola, o quartel, a fábrica, a cadeia e o hospital), que confinavam o indivíduo para incutir nele uma disciplina capaz de controlá-lo.
Gilles Deleuze, outro pós-estruturalista francês que influenciou Han, percebeu que a realidade das instituições disciplinares estava defasada, lançando mão do conceito de “sociedade de controle”, a qual não depende das instituições disciplinares nem do confinamento do indivíduo. O controle, na verdade, dissipa-se pela sociedade por meio das redes de comunicação.
A lógica do controle é a lógica do capitalismo neoliberal contemporâneo, que incute no indivíduo a noção de que ele é responsável pelo que produz e de que ele é o artífice de si mesmo. Se ele não tem êxito financeiro e social, a responsabilidade é dele mesmo. Assim, o controle é disseminado por meio de uma ideologia que faz com que o próprio indivíduo controle-se, não necessitando de um rígido sistema disciplinar.
Outra influência sobre o pensamento de Han, dessa vez não teórica, mas real, é a internet, a hipercomunicação e as redes sociais. Han afirma que a internet e, sobretudo as redes sociais, é um instrumento da sociedade capitalista contemporânea que acirra a competição entre as pessoas pela exposição constante e profunda da vida. A tendência das redes sociais é que apenas a parte considerada “boa” da vida seja exposta em uma espécie de vitrine social.
Leia mais: Filosofia contemporânea: período da filosofia que confronta os avanços tecnológicos
Livros de Byung-Chul Han
-
Sociedade do cansaço
Esse curto ensaio de Han tem sido muito difundido no Brasil recentemente. Por conta das ideias capitalistas que dão conta do ser humano como uma espécie de máquina capaz de produzir, o capitalismo do século XXI aboliu as diferenças individuais. Todo mundo é capaz de fazer e agir. Todo mundo é capaz de mudar a sua realidade e a realidade a sua volta. Todo mundo é empreendedor de si e é capaz de fazer o que quer que seja, sendo, assim, artífice de si mesmo.
O problema é que as oportunidades não são iguais para todos no sistema capitalista neoliberal e nem todo mundo tem a mesma energia para fazer acontecer, de modo que sempre existirão excluídos. A ideologia da sociedade do cansaço, que faz crer que o único responsável pelo “sucesso” é o indivíduo, cria a necessidade de que as pessoas estejam sempre ativas, buscando modos de agir, de empreender, descansando cada vez menos e ficando cada vez mais fissuradas pela busca do sucesso.
O ritmo estressante e a busca implacável pelo empreendimento levam ao adoecimento psicológico. Por isso, argumenta Han, são comuns em nossa sociedade a depressão e a síndrome de burnout, uma condição que afeta as pessoas que se submetem ao estresse constante e ao cansaço contínuo. São sintomas recorrentes em que é acometido pela síndrome de burnout a insônia (ou o excesso de sono sem descanso) e o estresse contínuo, sintomas que também são recorrentes na depressão e na síndrome do pânico. Desse modo, o indivíduo não possui mais amarras que o prendem fisicamente, mas um sistema em que ele perde a sua liberdade sem que perceba.
-
Sociedade do desempenho
Com argumentação semelhante à desenvolvida em Sociedade do Cansaço, Han faz notar a busca incessante pelo desempenho em nossa sociedade. Somos criados para sermos os melhores em tudo, estabelecendo um ambiente competitivo que leva o indivíduo a querer sempre mais e a buscar sempre uma superação de si, algo que o leva ao estresse e ao adoecimento.
Uma característica marcante dessa nova sociedade é o foco na quantidade. Quanto mais um indivíduo consegue produzir, mais destaque ele consegue. Isso é o imperativo do faça você mesmo, regido pela lógica de que todos nós podemos fazer tudo.
Em uma interpretação particular nossa, arriscamos dizer que a nova onda do momento, os treinamentos oferecidos pelos coaches (profissionais que se especializam em oferecer um treinamento capaz de desenvolver uma habilidade em uma pessoa por meio de conhecimentos retirados da psicologia e da filosofia), ganha espaço por conta dessa ideologia competitiva embasada no empreendedorismo e na competição.
-
No enxame
O livro que carrega o subtítulo “perspectivas do digital” faz uma análise acurada da sociedade magnetizada pela internet e pelas redes sociais. Aquele indivíduo citado nas obras mencionadas acima, empreendedor de si, artífice de si mesmo, encontra nas redes sociais, concomitantemente, o espaço para se mostrar enquanto indivíduo produtivo, dono de suas forças e produtor, mas também o espaço para se frustrar ao ver o aclamado sucesso do outro e nunca ficar satisfeito consigo mesmo.
A internet é um espaço ainda muito desconhecido e com muitas potencialidades – ainda não desbravadas –, que acaba, muitas vezes, levando o indivíduo a uma ruína psíquica.
-
Psicopolítica
Esse livro, com o subtítulo “o neoliberalismo e as novas formas de poder”, faz uma análise do capitalismo neoliberal do século XXI, permeado pelas novas tecnologias. A pergunta que podemos elencar como central no livro é: a possibilidade infinita de informação e conexão nos torna indivíduos livres? A resposta é complicada, mas necessária para nos situar no ambiente corporativo e social de nosso século.
Como o capitalismo apropriou-se do aparato de comunicação imenso e massivo que é a internet? De que modo isso nos afeta? Han discute, nesse livro, questões baseadas nessa problemática contemporânea, que está levando o ser humano a adoecer, por causa do esgotamento mental resultante do uso das tecnologias, por meio de uma espécie de psicopolítica.
Não é necessário que haja um controle rígido das pessoas para que elas produzam, pois as redes sociais desempenham esse papel de controle na medida em que expõem padrões que se tornam objetos de desejo pela maioria das pessoas. Tais objetos de desejo são o objetivo de um caminho sem fim, que tem como percurso o esgotamento mental daqueles que tentam trilhá-lo.
Crédito de imagem:
[1] Reprodução: Editora Vozes
Por Francisco Porfírio
Professor de Filosofia