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A segunda geração do Romantismo brasileiro é denominada ultrarromântica ou byroniana. Fortemente influenciada por autores europeus como Goethe e Byron, os escritores desse grupo produziram obras com certo tom pessimista e depressivo. O exagero sentimental, o macabro e o delírio são marcas presentes nos livros ultrarromânticos.
Tópicos deste artigo
Contexto histórico
O contexto histórico do Romantismo é o período entre os séculos XVIII e XIX que compõe o processo de ascensão da burguesia como classe dominante na sociedade. Em específico, uma parcela significativa da juventude do século XIX encantou-se com a literatura ultrarromântica.
Isso ocorreu porque houve uma consonância de sentimentos e perspectivas de vida entre esses jovens e as personagens retratadas nos romances e novelas românticos. O exagero sentimental, o egocentrismo, a idealização da mulher, o pessimismo diante da existência e a vontade de fugir são marcas tanto da ficção do período quanto da própria vida dessa parcela da sociedade.
De fato, por exemplo, após a publicação da narrativa “Os sofrimentos do jovem Werther”, de Goethe, muitos jovens suicidaram-se, imitando o destino final do protagonista do livro. Esse fato histórico representa muito bem como os autores da geração byroniana conseguiram representar o espírito de uma parcela da juventude do período.
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Características
Algumas das principais características da segunda geração romântica são:
- Egocentrismo: Nas obras ultrarromânticas, é notável um claro enfoque no sujeito em detrimento do mundo. Em muitas obras, inclusive, o espaço externo ao “eu” é apenas cenário para a existência da personagem. Em geral, questões de ordem social – tensões do mundo lá fora – não costumam ser abordadas pelos escritores dessa geração.
- Sentimentalismo exagerado: A idealização amorosa e a projeção de uma mulher perfeita são comuns nas obras da segunda geração romântica. O amor e a amada são quase sempre utopias inatingíveis e, por isso, as personagens e os sujeitos líricos sofrem demasiadamente.
- Forte tom depressivo: A depressão – ou “mal do século”, como era chamada – era claramente perceptível no discurso presente nas prosas e poemas ultrarromânticos.
- Tendência a fugas da realidade: Diante de um presente desastroso, marcado pela solidão e pela desilusão amorosa, as personagens e sujeitos líricos da segunda geração romântica apresentavam discursos em que exaltavam o desejo de fugir da realidade. Essa fuga mostrava-se de diversas formas, como mediante o desejo de morrer, por meio da exaltação da boemia desregrada, ou ainda fugindo para a infância.
- Gosto pelo delírio e pelo macabro: A tematização do grotesco, do macabro e de situações de delírio são comuns em narrativas ultrarromânticas.
- Ironia romântica: Trata-se de um conceito utilizado para definir um certo comportamento comum entre os autores da segunda geração romântica. Tal comportamento resume-se em apresentar um alto grau de criticidade em relação às próprias produções ultrarromânticas. Um exemplo disso seria bem representado no segundo prefácio do livro “Lira dos vinte anos”, de Álvares de Azevedo:
Aqui dissipa-se o mundo visionário e platônico. Vamos entrar num mundo novo, terra fantástica, verdadeira ilha Baratária de D. Quixote, onde Sancho é rei e vivem Panúrgio, sir John Falstaff, Bardolph, Fígaro e o Sganarello de D. João Tenório: — a pátria dos sonhos de Cervantes e Shakespeare.
Quase que depois de Ariel esbarramos em Caliban.
A razão é simples. É que a unidade deste livro funda-se numa binomia: — duas almas que moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro, verdadeira medalha de duas faces.
Demais, perdoem-me os poetas do tempo, isto aqui é um tema, senão mais novo, menos esgotado ao menos que o sentimentalismo tão fasbionable desde Werther até René.
Por um espírito de contradição, quando os homens se vêem inundados de páginas amorosas preferem um conto de Bocaccio, uma caricatura de Rabelais, uma cena de Falstaff no Henrique IV de Shakespeare, um provérbio fantástico daquele polisson Alfredo de Musset, a todas as ternuras elegíacas dessa poesia de arremedo que anda na moda e reduz as moedas de oiro sem liga dos grandes poetas ao troco de cobre, divisível até ao extremo, dos liliputianos poetastros. Antes da Quaresma há o Carnaval.
Há uma crise nos séculos como nos homens. É quando a poesia cegou deslumbrada de fitar-se no misticismo e caiu do céu sentindo exaustas as suas asas de oiro.
O poeta acorda na terra. Demais, o poeta é homem: Homo sum, como dizia o célebre Romano. Vê, ouve, sente e, o que é mais, sonha de noite as belas visões palpáveis de acordado. Tem nervos, tem fibra e tem artérias — isto é, antes e depois de ser um ente idealista, é um ente que tem corpo. E, digam o que quiserem, sem esses elementos, que sou o primeiro a reconhecer muito prosaicos, não há poesia.
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Autores
Os principais autores da segunda geração romântica brasileira são:
Obras
A obra poética “Lira dos vinte anos”, de Álvares de Azevedo, é uma célebre representante da geração byroniana, assim como o livro “As primaveras”, de Casimiro de Abreu, que também ilustra essa vertente. O primeiro autor, além de poeta, também publicou a peça teatral “Macário” e o livro de contos “Noite na taverna”.
Poemas
A LAGARTIXA
A lagartixa ao sol ardente vive
E fazendo verão o corpo espicha:
O clarão de teus olhos me dá vida,
Tu és o sol e eu sou a lagartixa.
Amo-te como o vinho e como o sono,
Tu és meu copo e amoroso leito...
Mas teu néctar de amor jamais se esgota,
Travesseiro não há como teu peito.
Posso agora viver: para coroas
Não preciso no prado colher flores;
Engrinaldo melhor a minha fronte
Nas rosas mais gentis de teus amores
Vale todo um harém a minha bela,
Em fazer-me ditoso ela capricha...
Vivo ao sol de seus olhos namorados,
Como ao sol de verão a lagartixa.
(Álvares de Azevedo)
Nos versos, é possível perceber a desconstituição da figura do amante, tipicamente idealizado pelo Romantismo – “Tu és o sol e eu sou a lagartixa”. Ao comparar, portanto, o sujeito lírico com uma lagartixa, o poeta foge do “eu” padrão romântico, virtuoso e heroico, e representa-o como um animal que tradicionalmente não é considerado belo ou elevado.
LEMBRANÇA DE MORRER
Quando em meu peito rebentar-se a fibra, E nem desfolhem na matéria impura Eu deixo a vida como deixa o tédio Como o desterro de minh’alma errante, Só levo uma saudade... é dessas sombras De meu pai... de meus únicos amigos, |
Se uma lágrima as pálpebras me inunda, Só tu à mocidade sonhadora Beijarei a verdade santa e nua, Descansem o meu leito solitário Sombras do vale, noites da montanha Mas quando preludia ave d’aurora (Álvares de Azevedo) |
Nota-se nesse poema o forte tom depressivo e pessimista diante da vida expresso pelos versos “Eu deixo a vida como deixa o tédio/ Do deserto, o poento caminheiro”, além do desejo de fuga, em que a válvula de escape é representada pela morte. Também é perceptível no poema a presença do sentimentalismo exagerado, como em “Só levo uma saudade... é desses tempos /Que amorosa ilusão embelecia.”.
MEUS OITO ANOS
Oh ! que saudades que eu tenho
Como são belos os dias
Que auroras, que sol, que vida,
Oh ! dias de minha infância ! |
Em vez de mágoas de agora,
Livre filho das montanhas,
Naqueles tempos ditosos
Oh ! que saudades que eu tenho
(Casimiro de Abreu)
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O poema de Casimiro de Abreu apresenta a fuga do presente conturbado de uma forma diferente. Ele prefere acessar seu passado a fim de que isso possa trazer-lhe algum alívio. Nessa poesia, o autor coloca-se em uma posição de contemplador do passado, o que também configura uma importante característica da segunda geração do Romantismo.
Por Me. Fernando Marinho