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A expansão do Cristianismo entre os séculos I e IV d.C. ocorreu em direção à Ásia Menor e ao núcleo do Império Romano, isto é, as cidades que ficavam na Anatólia (atual Turquia), na Grécia e a própria cidade de Roma. Essa fase de expansão foi convencionalmente denominada de “Igreja Cristã Primitiva” ou, ainda, “A Era dos Pais da Igreja”. A Igreja Cristã Primitiva assentou as bases da ortodoxia cristã, firmando os principais dogmas que seriam defendidos posteriormente. Entre os principais representantes dessa fase do cristianismo estava Irineu de Lyon, que se empenhou em combater o gnosticismo, uma seita herética que floresceu ao mesmo tempo em que o cristianismo expandia-se.
Irineu, ou Santo Irineu, nasceu na parte oriental das províncias romanas na Grécia, em 130 d.C., e morreu na atual cidade de Lyon, na França, em 202 d.C., onde foi bispo. Daí vem o termo adjacente ao seu nome: Irineu de Lyon. Irineu caracterizou-se pela habilidade com a escrita, tendo legado à tradição cristã obras monumentais. Entre essas obras estão os volumes da chamada Adversus Haereses, que significa “Contra as Heresias”, cujo objetivo foi descrever e refutar as heresias gnósticas, sobretudo o valentinianismo.
O termo “heresia” significa “escolha” e foi usado pelos Pais da Igreja (além de Irineu, destacaram-se também: Tertuliano, Clemente de Alexandria, Orígenes e Hipólito de Roma) para qualificar aqueles que, deliberadamente, desviaram-se do caminho da ortodoxia (da opinião certa). A Gnose (termo que significa “Conhecimento”), ou gnosticismo, constituía uma seita herética que misturava pressupostos filosóficos do neoplatonismo e de outras correntes da filosofia helenística com a tradição cristã. A variação valentiniana da Gnose, seita desenvolvida por Valentim (100-160 d.C.), valia-se dos textos dos Evangelhos para defender ideias completamente alheias à interpretação tradicional.
Os valentinianos defendiam, por exemplo, que havia um lugar de plenitude chamado Pleroma, que era habitado por seres divinos, os Éons. Um desses Éons teria criado o mundo corruptível e mortal, o mundo visível, tal como o conhecemos. Pois bem, Jesus Cristo, para os valentinianos, teria recebido, no momento de seu batismo, a infusão de outro Éon, que teria um plano salvador para os homens. Nas palavras de Cristo reproduzidas nos Evangelhos, esse Éon teria deixado as “pistas”, o “caminho” para se conhecer o Pleroma, isto é, para se poder habitar o mundo da plenitude dos seres perfeitos.
Dessa interpretação de Valentim resultou o fato de que os gnósticos concebiam ser eles próprios seres iluminados, que seriam (mais que os simples bispos da Igreja Primitiva) os intérpretes ideais do saber oculto deixo pelo Éon que habitou Cristo. Sendo assim, para que as outras pessoas pudessem ter a gnose, isto é, o conhecimento pleno dos saberes ocultos, deveriam “iniciar-se”, passar por um ritual iniciático mediado por um membro esclarecido.
Irineu identificou nesses argumentos valentinianos uma série de graves consequências. A primeira delas era a pressuposição de duas divindades rivais, o criador do mundo corruptível e o salvador. A segunda, a soberba gnóstica que se arrogava de ter consigo uma suposta chave para desvendar os mistérios do universo e da Criação.
Essas posições dos gnósticos precisavam ser refutadas, segundo Irineu, porque eram contrárias, por exemplo, ao dogma da Trindade, que admite a coexistência de três pessoas na figura de um só Deus, e também ao dogma da Encarnação e da Ressurreição, que admite que o ser divino na pessoa do Verbo (Logos) encarnou no mundo perecível e abriu, neste mundo, a via da redenção dos pecados.
Compreender o pensamento e as ações dos “Pais da Igreja” é indispensável para se entender melhor a composição espiritual e intelectual do mundo no Ocidente.
Por Me. Cláudio Fernandes