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Lei do Ventre Livre

A Lei do Ventre Livre foi promulgada em 1871 e fazia parte dos planos de abolição lenta e gradual. Ela decretou que os filhos das escravas seriam livres.

Escravos sendo vendidos em referência à Lei do Ventre Livre.
Em 1869, foi aprovada uma lei que proibia a realização de leilões de escravos no Brasil.
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A Lei do Ventre Livre foi promulgada em 28 de setembro de 1871 após ser aprovada no Legislativo brasileiro. Uma das leis abolicionistas decretadas ao longo do século XIX para abolir gradualmente a escravidão no Brasil, ela determinava que os filhos de escravizadas nascidos a partir de 1871 seriam considerados livres.

Essa lei criou dois cenários para dar liberdade aos filhos de escravas, e um desses cenários previa uma indenização aos senhores de escravos. Além disso, contribuiu para enfraquecer a legitimidade que a escravidão tinha na sociedade brasileira e foi usada pelo movimento abolicionista para combater a escravidão.

Acesse também: Três grandes abolicionistas negros do Brasil

Tópicos deste artigo

Contexto: a escravidão no século XIX

Na segunda metade do século XIX, o Brasil era um dos últimos países no mundo que mantinham o uso do trabalho escravo. Por isso, esse período ficou muito marcado pelos debates em torno da abolição da escravatura. Entretanto, essa discussão só ganhou força a partir da década de 1860, apesar de já existirem vozes na sociedade brasileira que defendiam a abolição antes disso.

D. Pedro II, imperador do Brasil durante a Lei do Ventre Livre.
No final da década de 1860, D. Pedro II foi um dos defensores da reforma em torno do trabalho escravo no Brasil.

Um exemplo foi José Bonifácio de Andrada e Silva, conhecido como Patrono da Independência. Ele defendia o fim da escravidão, mas não por uma posição humanitária, e sim porque acreditava que o desenvolvimento do país passaria obrigatoriamente pelo crescimento da mão de obra livre. Ele ainda defendia que a abolição deveria acontecer de forma a branquear a população brasileira.

Posturas racistas como essa de José Bonifácio eram comuns, mas, na década de 1860, o debate pela abolição do trabalho escravo começou a ganhar os contornos humanitários que apontavam os absurdos e os horrores de manter seres humanos escravizados. No entanto, os grupos econômicos mais poderosos, sobretudo os grandes fazendeiros do Sudeste, eram contrários à abolição.

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De toda forma, o clima político começava a acomodar as ideias de promover a abolição, mas, para evitar rupturas drásticas no cenário do país, os abolicionistas começaram a defender que a transição fosse realizada de maneira lenta e gradual. Essa transição progressiva visava primeiro a evitar que os grandes fazendeiros sofressem prejuízos de imediato e também impedir que houvesse desordens no país com levantes populares.

Para entendermos como se criou esse cenário propício para a discussão de medidas que iniciariam essa abolição gradativa, precisamos entender o cenário interno e externo. Internamente o Brasil vivia um novo momento desde que o tráfico negreiro havia sido proibido pela Lei Eusébio de Queirós, promulgada em 1850. Externamente o nosso país começava a se enxergar isolado na questão do trabalho escravo. A escravidão tinha sido abolida nas colônias portuguesas em 1858; nos Estados Unidos, em 1865; no Suriname (colônia holandesa), em 1863; e, no final da década de 1860, só Brasil, Cuba e Porto Rico (as duas últimas eram colônias espanholas) ainda mantinham a escravidão legalizada.

Isso prejudicava o país internacionalmente e pressionava o Império para que medidas contra a escravidão fossem tomadas. Assim, aqueles que defendiam uma abolição gradual afirmavam que ela seria realizada para evitar rupturas drásticas ao mesmo tempo que permitiria que os escravocratas pudessem investir no trabalho livre assalariado.

Um dos argumentos utilizados na época era de que a escravidão necessitava de reformas, pois, se elas não fossem feitas pacificamente, seriam realizadas por meio da violência. Assim, a defesa das reformas para acabar com a escravidão lentamente buscava que o país sofresse o mesmo que se passou nos Estados Unidos e no Haiti.

No caso dos Estados Unidos, falava-se da Guerra de Secessão, uma guerra civil que teve como causa direta a questão da escravidão. No caso do Haiti, falava-se da Revolução Haitiana, um movimento revolucionário liderado pelos escravos que resultou na independência do Haiti.

Acesse também: Como ficou a vida dos ex-escravos após a Lei Áurea?

Debate político

Conhecemos então um pouco do cenário que fez com que ideias de reformas pelo fim da escravidão fossem debatidas no Brasil. O primeiro passo foi realizado por D. Pedro II, o imperador do Brasil. Ele solicitou em 1865 a José Antônio Pimenta Bueno, um de seus conselheiros, um estudo que propusesse soluções para a abolição do trabalho escravo no Brasil.

Os estudos de Pimenta Bueno ficaram prontos em 1866, e uma das propostas trazia a questão de libertar os filhos de mães escravas, propondo que as meninas fossem libertas aos 16 anos, e os meninos, aos 21 anos. A proposta de Pimenta Bueno foi levada ao Conselho do Estado para discussão em 1866 e 1867.

A discussão nesse momento não avançou sob a alegação de que o país deveria concentrar os seus esforços na Guerra do Paraguai. A proposta então permaneceu abandonada até 1871, mas o imperador em dois momentos trouxe à tona a importância de se discutir pautas relativas à abolição. Ele fez isso em pronunciamentos que aconteceram em 1867 e 1868.

Apesar de a questão do ventre livre ter sido engavetada, uma série de outras propostas foi levada à discussão e uma delas se tornou lei. Esse foi o decreto nº 1695, de 15 de setembro de 1869, que determinava a proibição de leilões de escravizados, a separação de casais e também a separação de escravizados com menos de 15 anos de suas mães.

Acesse também: Formas de resistência à escravidão no Brasil

Lei do Ventre Livre

Com o fim da Guerra do Paraguai, o debate reformista ganhou força, apesar da resistência de muitos deputados conservadores. A questão do ventre livre tornou-se pauta novamente por meio da proposta do Visconde do Rio Branco, o qual defendia a emancipação dos filhos das escravizadas, inspirando-se na proposta de Pimenta Bueno e em leis do mesmo tipo que tinham sido aprovadas em Cuba e em outros países da América do Sul.

Visconde de Rio Branco, responsável pela Lei do Ventre Livre.
A Lei do Ventre Livre foi resultado da proposta do Visconde do Rio Branco.[1]

A proposta do Visconde do Rio Branco avançou e foi aprovada por causa da forte pressão feita para que isso acontecesse. A votação ocorreu, e a Lei do Ventre Livre recebeu 61 votos a favor e 35 contra, segundo levantamento do historiador José Murilo de Carvalho|1|. Com a aprovação, ela entrou em vigor no dia 28 de setembro de 1871.

A lei basicamente dizia que todo filho de escrava nascido após a promulgação da lei seria considerado livre. Essa liberdade concedida aos filhos dos escravizados seria realizada em etapas e dava aos senhores a chance de explorar o trabalho deles por um certo período.

A lei anunciava também a formação de um fundo para pagar indenizações aos senhores de escravos, as quais eram previstas em um dos cenários. Também determinava que os filhos das escravizadas deveriam ser cuidados pelo senhor de escravo, que concederia a liberdade deles quando completassem 8 ou 21 anos.

Se a liberdade fosse concedida aos 8 anos de idade, o Estado indenizaria o senhor de escravos, pagando-lhe a quantia de 600 mil réis, acrescidos de 6% de juros por ano (com prazo máximo de 30 anos). Caso a liberdade fosse concedida aos 21 anos, o senhor de escravos não seria indenizado. A maioria dos senhores de escravos optou por permanecer com os filhos das escravas até a idade de 21 anos, pois a exploração da mão de obra deles era mais vantajosa.

A lei ainda procurou por todos os meios evitar abordagens que fossem prejudiciais aos senhores de escravos, mas trouxe mudanças importantes. Por meio dela, foi criada uma matrícula de escravos, sendo obrigação do senhor registrar todos os seus escravos no prazo de até um ano. Os escravos não registrados a partir disso seriam considerados livres.

A existência desse registro foi usada por abolicionistas para lutar contra a escravidão no Brasil, pois advogados abolicionistas vasculhavam as matrículas de escravos atrás de irregularidades. Quando encontravam uma, eles acionavam a Justiça para requerer a liberdade para o escravo não registrado. Essa lei também contribuiu para deslegitimar a escravidão no Brasil, mas, ainda assim, tinha caráter conservador, pois foi promulgada para impedir que mudanças abruptas acontecessem.

A escravidão, no entanto, estava com os dias contados. Em 1872, o Brasil possuía cerca de 1,5 milhão de escravos, e esse número foi sofrendo redução ano a ano. A força do movimento abolicionista fez com que a Lei Áurea fosse assinada em 1888. Nessa ocasião, o Brasil possuía cerca de 700 mil escravos que receberam direito à liberdade. Acompanhe a discussão desse tema também em nosso podcast: Os reais efeitos e consequências da Lei do Ventre Livre.

Notas

|1| CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 310.

Créditos das imagens

[1] Commons

Escritor do artigo
Escrito por: Daniel Neves Silva Formado em História pela Universidade Estadual de Goiás (UEG) e especialista em História e Narrativas Audiovisuais pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Atua como professor de História desde 2010.

Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:

SILVA, Daniel Neves. "Lei do Ventre Livre"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiab/lei-do-ventre-livre.htm. Acesso em 24 de abril de 2024.

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