PUBLICIDADE
A comparação (ou símile) ocorre no processo de aproximação dos elementos de universos diferentes por meio de nexos comparativos (como, tal, qual, assim como, semelhante a, semelhante ao etc.).
Comparação e metáfora são figuras distintas, devido à ausência ou não de nexos comparativos e ao estabelecimento de desvios de sentido do vocábulo. Também podem ocorrer as símiles híbridas, ou seja, a ocorrência de comparação e metáfora em um mesmo enunciado.
Leia também: Ironia – figura de linguagem que consiste em sugerir o contrário do que se afirma
Tópicos deste artigo
Exemplos de comparação
“Meu coração tombou na vida tal qual uma estrela ferida pela flecha de um caçador.”
(Cecília Meireles)
Note a presença do nexo comparativo tal qual, em que o eu lírico estabelece analogia com “...estrela ferida pela flecha de um caçador.”
Veja um exemplo de comparação na música “Como nossos pais”, gravada por Elis Regina e escrita por Belchior.
Você me pergunta
Pela minha paixão
Digo que estou encantada
Como uma nova invenção
Perceba a força expressiva do eu lírico ao utilizar a partícula como para colocar-se em um nível de encantamento semelhante às sensações que uma nova invenção pode provocar.
Comparação e metáfora
Comparação e metáfora são figuras distintas, devido à ausência ou não de nexos comparativos, pois, enquanto na metáfora ocorrem desvios de significação própria da palavra, na comparação ocorre o confronto de pessoas ou coisas, a fim de destacar-se características, semelhanças, traços comuns, visando a um efeito expressivo.
Observe o exemplo, colhido em Crônicas escolhidas de Rubem Braga:
“O pavão é um arco-íris de plumas.”
A cauda armada do pavão forma um leque multicolorido, atribuindo a ela as semelhanças e encantamentos de um arco-íris, configurando assim um processo metafórico, pois não ocorrem nexos comparativos dentro da frase. Perceba que o efeito comparativo ocorre implicitamente ao ponto do sentido da palavra pavão ser desviado.
Agora, veja o exemplo com a inserção do elemento comparativo:
“O pavão é como um arco-íris de plumas.”
A força comparativa e expressiva ganhou destaque por conta da partícula como. Perceba que o significado das palavras “pavão” e “arco-íris” não sofreu nenhum desvio. Dessa forma, não temos uma metáfora, mas uma figura de linguagem por símile ou comparação. Para saber mais sobre a figura de linguagem que estabelece a comparação implícita, leia: Metáfora.
Símile híbrida
Os estudos em torno da comparação e da metáfora descrevem um fenômeno conhecido como símiles híbridas. Observe o enunciado:
A ponte para o infinito foi como um divisor de águas em minha vida.
Entenda que “ponte para o infinito” é uma metáfora que expressa os poderes de um livro, que, por sua vez, é comparado, por meio da partícula como, a um “divisor de águas…”. Sendo assim, identificamos a relação entre metáfora e comparação em um mesmo texto, configurando símile híbrida.
Veja também: O que são figuras de sintaxe?
Exercícios resolvidos
Questão 1 - (Uece 2015)
A garagem de casa
Com o portão enguiçado, e num convite a ladrões de livros, a garagem de casa lembra uma biblioteca pública permanentemente aberta para a rua. Mas não são adeptos de literatura os indivíduos que ali se abrigam da chuva ou do sol a pino de verão. Esses desocupados matam o tempo jogando porrinha, ou lendo os jornais velhos que mamãe amontoa num canto, sentados nos degraus do escadote com que ela alcança as prateleiras altas. Já quando fazem o obséquio de me liberar o espaço, de tempos em tempos entro para olhar as estantes onde há de tudo um pouco, em boa parte remessas de editores estrangeiros que têm apreço pelo meu pai. Num reduto de literatura tão sortida, como bem sabem os habitués de sebos, fascina a perspectiva de por puro acaso dar com um livro bom. Ou by serendipity, como dizem os ingleses quando na caça a um tesouro se tem a felicidade de deparar com outro bem, mais precioso ainda. Hoje revejo na mesma prateleira velhos conhecidos, algumas dezenas de livros turcos, ou búlgaros ou húngaros, que papai é capaz de um dia querer destrinchar. Também continua em evidência o livro do poeta romeno Eminescu, que papai ao menos tentou ler, como é fácil inferir das folhas cortadas a espátula. Há uma edição em alfabeto árabe das Mil e Uma Noites que ele não leu, mas cujas ilustrações admirou longamente, como denunciam os filetes de cinzas na junção das suas páginas coloridas. Hoje tenho experiência para saber quantas vezes meu pai leu um mesmo livro, posso quase medir quantos minutos ele se deteve em cada página. E não costumo perder tempo com livros que ele nem sequer abriu, entre os quais uns poucos eleitos que mamãe teve o capricho de empilhar numa ponta de prateleira, confiando numa futura redenção. Muitas vezes a vi de manhãzinha compadecida dos livros estatelados no escritório, com especial carinho pelos que trazem a foto do autor na capa e que papai despreza: parece disco de cantor de rádio.
(BUARQUE, Chico. O irmão alemão. 1 ed. São Paulo: Companhia das letras, 2014. p. 60-61.
Texto adaptado com o acréscimo do título.)
A obra O irmão alemão, último livro de Chico Buarque de Holanda, tem como móvel da narrativa a existência de um desconhecido irmão alemão, fruto de uma aventura amorosa que o pai dele, Sérgio Buarque de Holanda, tivera com uma alemã, lá pelo final da década de 30 do século passado. Exatamente quando Hitler ascende ao poder na Alemanha. Esse fato é real: o jornalista, historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Holanda, na época, solteiro, deixou esse filho na Alemanha. Na família, no entanto, não se falava no assunto. Chico teve, por acaso, conhecimento dessa aventura do pai em uma reunião na casa de Manuel Bandeira, por comentário feito pelo próprio Bandeira.
Foi em torno da pretensa busca desse pretenso irmão que Chico Buarque desenvolveu sua narrativa ficcional, o seu romance.
Sobre a obra, diz Fernando de Barros e Silva: “o que o leitor tem em mãos [...] não é um relato histórico. Realidade e ficção estão aqui entranhadas numa narrativa que embaralha sem cessar memória biográfica e ficção”.
O texto começa com o enunciado: “Com o portão enguiçado, e num convite a ladrões de livros, a garagem de casa lembra uma biblioteca pública permanentemente aberta para a rua” (ref. 1).
Escolha a opção INCORRETA em relação a esse enunciado.
a) Esse enunciado estabelece uma relação de semelhança entre garagem de casa e biblioteca pública.
b) Nessa relação, garagem de casa é o elemento comparado e biblioteca pública é o elemento comparante.
c) O que permite a comparação é a presença de traços de significação comuns aos dois elementos, no caso do texto, a porta aberta para a rua.
d) Na comparação do texto, como em qualquer comparação, o termo comparante é menos expressivo do que o termo comparado.
Resolução
Alternativa D. Numa relação de analogia, o termo comparante é sempre mais expressivo que o termo comparado. No segmento do enunciado, o termo comparado, “garagem da casa”, adquire uma significação mais expressiva do que o termo comparante, “biblioteca pública”, por transformar um espaço secundário da casa em outro de utilidade pública e cultural.
Questão 2 - (Uel)
Onde estás
É meia-noite... e rugindo
Passa triste a ventania,
Como um verbo de desgraça,
Como um grito de agonia.
E eu digo ao vento, que passa
Por meus cabelos fugaz:
“Vento frio do deserto,
Onde ela está? Longe ou perto?”
Mas, como um hálito incerto,
Responde-me o eco ao longe:
“Oh! minh’amante, onde estás?...”
Vem! É tarde! Por que tardas?
São horas de brando sono,
Vem reclinar-te em meu peito
Com teu lânguido abandono!...
’Stá vazio nosso leito...
Stá vazio o mundo inteiro;
E tu não queres qu’eu fique
Solitário nesta vida...
Mas por que tardas, querida?...
Já tenho esperado assaz...
Vem depressa, que eu deliro
Oh! minh’amante, onde estás?...
Estrela — na tempestade,
Rosa — nos ermos da vida,
Íris — do náufrago errante,
Ilusão — d’alma descrida!
Tu foste, mulher formosa!
Tu foste, ó filha do céu!...
E hoje que o meu passado
Para sempre morto jaz...
Vendo finda a minha sorte,
Pergunto aos ventos do Norte...
“Oh! minh’amante, onde estás?”
(CASTRO ALVES, A. F. Espumas flutuantes. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005. p. 84-85.)
Assinale a alternativa que relaciona corretamente versos do poema a figuras de linguagem.
a) A comparação entre o vento e a amada é verificada nos versos “Mas por que tardas, querida?... / Já tenho esperado assaz...”.
b) Em “Como um verbo de desgraça, / Como um grito de agonia.”, a antítese opõe a fugacidade do vento à tristeza da ventania.
c) Os versos “Tu foste, mulher formosa! / Tu foste, ó filha do céu!...” comparam a amada à triste e fugaz ventania, pois ambas impedem seu brando sono.
d) A comparação presente nos versos “Mas, como um hálito incerto, / Responde-me o eco ao longe:” reforça a ausência de resposta sobre o paradeiro da amada.
e) A antítese, presente em todo o poema, é exemplificada pelos versos “... E hoje que o meu passado / Para sempre morto jaz...”.
Resolução
Alternativa D. Enquanto que a antítese ocorre quando há uma aproximação de palavras ou expressões de sentidos opostos, a comparação aproxima dois termos entre os quais existe alguma relação de semelhança por meio de um conectivo (que, como).
Por Marcelo Sartel
Professor de Gramática