Utopia é um “não lugar”, ou seja, um lugar inexistente. O termo foi utilizado pela primeira vez por Thomas More para fazer referência, dentro de seu livro Utopia, a uma ilha onde o governo e a organização social estariam próximos da perfeição política, intelectual, cultural e moral. A palavra utopia, no entanto, passou a significar qualquer tipo de perfeição, delimitando como utópico aquilo que é inalcançável.
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Tópicos deste artigo
- 1 - Resumo sobre utopia
- 2 - Videoaula sobre utopia
- 3 - O que é utopia?
- 4 - A obra Utopia, de Thomas More
- 5 - Origem do termo utopia
- 6 - O que é viver uma utopia?
- 7 - Diferenças entre utopia e distopia
- 8 - Utopia na economia
- 9 - Utopia na religião
- 10 - Utopia na literatura
- 11 - Utopia na tecnologia
Resumo sobre utopia
- Utopia é um sonho não realizado, um lugar inexistente.
- Thomas More criou o termo para fazer referência a um lugar perfeito com um governo perfeito.
- Viver uma utopia significa viver um sonho irrealizável.
- A distopia foi uma forma de produção literária oposta à ideia de utopia.
- Podemos falar de uma economia utópica, aquela que seria ideal.
- A religião também trabalha com ideais utópicos, como o paraíso.
- Outros livros trabalharam com ideias utópicas, como A Cidade do Sol, de Thomaso Campanella, e Nova Atlântida, de Francis Bacon.
Videoaula sobre utopia
O que é utopia?
A etimologia da palavra nos dá uma pista para essa compreensão: utopia vem do grego outopos (ou + topos), que significa, literalmente, “não lugar”. O termo foi utilizado, pela primeira vez, pelo filósofo, jurista e escritor inglês Thomas More, para desenhar um lugar perfeito em sua obra que traçava uma utopia política.
A palavra, no entanto, foi adaptada ao nosso vocabulário, passando a indicar um tipo de sonho inalcançável, irrealizável, inatingível, mas que o seu simples vislumbre nos anima, nos dá energia, nos move, nos dá esperança.
Teixeira Coelho, falando sobre utopia, traz uma belíssima reflexão sobre a esperança:
Um traço que deve caracterizar o ser humano, ainda não embrutecido pela própria fraqueza ou pela realidade tremenda, é a liberdade que ele se reserva de opor ao evento defeituoso, à situação decepcionante, uma força contraditória. Essa força poderia chamar-se “esperança”; esperança de que aquilo que não é, não existe, possa vir a ser; uma espera, no sonho, de algo que se mova para a frente, para o futuro, tornando realidade aquilo que precisa acontecer, aquilo que tem de passar a existir.|1|
A utopia é essa força, não de um devir, mas de um querer-devir, de uma vontade de transformação. Quando o autor citado fala em esperança, devemos nos lembrar de que a palavra “esperança” não vem do verbo “esperar”, como muitos, de maneira superficial, acreditam. A palavra esperança vem do verbo “esperançar”, o que nos coloca em uma situação um pouco mais ativa em relação à utopia: não se espera passivamente o acontecimento da utopia — afinal, ela é (perdoem o neologismo) “inacontecível”, mas anima-se com a visão de um futuro utópico.
A obra Utopia, de Thomas More
Thomas More foi um jurista, advogado, filósofo, chanceler e um grande literato e intelectual que viveu entre os séculos XVI e XVII na Inglaterra. Sua erudição e seu contato próximo com a política, ocupando cargos importantes, como o de Lord Chancellor no governo de Henrique VIII, fê-lo perceber que a política não era uma ciência, infelizmente, muito próxima da ética e da moral, fato que Maquiavel também evidenciou em seus escritos, mais ou menos na mesma época em que More.
A grande diferença entre Maquiavel e More é que o primeiro reconhece a incompatibilidade entre política e ética e diz que o bom governante, para manter o governo, deve também perceber isso e agir contra a ética, se necessário. Já More reconhece o fato, mas não deixa morrer a esperança de que um dia as duas possam ser compatíveis.
O livro Utopia é escrito como uma carta de navegação, em que o personagem fictício, o navegante português Rafael Hitlodeu, que faz uma crítica à sociedade e à organização política europeia, em especial inglesa, para compará-la com a Ilha de Utopia, um lugar onde a organização política tornou-se próxima do que seria o ideal.

A primeira parte do livro contém a crítica ao modelo político europeu. Enquanto muitos governos, autoridades e pensadores europeus se colocavam como arautos do desenvolvimento moral, religioso, político e econômico (utilizando-se dessa ideia, inclusive, para dominar territórios por meio do sistema colonial), pensadores como More e o filósofo humanista francês Michel de Montaigne se colocaram como críticos dessa ideia.
Nessa crítica, Utopia demonstra como o sistema político e econômico europeu produz mazelas, como os problemas sociais e a desigualdade resultante da exploração dos camponeses, por conta da ganância, sobretudo, da nobreza, e da corrupção da Igreja.
A segunda parte do livro dedica-se à narração de Hitlodeu sobre a Ilha de Utopia, que contém uma sociedade organizada de acordo com a racionalidade e a ideia de bem comum. Aliás, dentro do pensamento humanista, que atravessou os séculos, chegando ao iluminismo, nunca houve algo mais impressionante do que a constatação de que o ápice da racionalidade é o bem comum — retomaremos este tema no tópico “Diferenças entre utopia e distopia”.
Assim são descritas as principais características da Ilha de Utopia:
- Ausência de propriedade privada: o bem é comum e compartilhado, o que elimina a desigualdade social e econômica.
- Governo democrático: o sistema político é baseado em eleições democráticas de magistrados, de maneira justa e eficiente.
- Trabalho coletivo e obrigatório: todos os cidadãos são obrigados a trabalhar, mas trabalham poucas horas por dia (fazendo contraponto a um sistema em que muitos precisam trabalhar muito e poucos não precisam trabalhar); a baixa carga de trabalho permite o desenvolvimento de atividades intelectuais, culturais e de lazer.
- Sistema de ensino universal: há um sistema educacional que ensina lições ligadas ao intelecto e à moral, e ele é ofertado a todos (na época a educação formal era um privilégio de poucos).
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Origem do termo utopia

Thomas More foi o criador do neologismo “utopia” em 1516. Para criá-lo, o pensador fez um jogo com palavras gregas a fim de formar uma palavra que desse conta de descrever um lugar ideal. Sendo assim, ele juntou:
- Ou-topos (οὐ τόπος) — não lugar, ou lugar nenhum.
- Eu-topos (εὖ τόπος) — bom lugar, traduzido como lugar ideal.
Ambas as possíveis origens da palavra dão conta daquilo que More quis representar: um lugar ideal, tão ideal que é inexistente, ou, simplesmente, um lugar tão bom, que é ideal.
O que é viver uma utopia?
Os significados da frase “viver uma utopia” podem ser variados, mas, comumente, associamos essa frase a algo equivalente a viver um sonho. Viver uma utopia seria viver algo que se descola da realidade, algo distante do mundo real (material). Podemos associar o termo, de forma anacrônica, a Platão, que descreveu o Mundo das Ideias. Na teoria do conhecimento plantonista, tudo o que existia enquanto ideia era eterno, perfeito e imutável, enquanto tudo o que existia materialmente era imperfeito, mutável e perecível.
Pela origem e significado do termo, viver uma utopia é algo impossível à nossa existência terrena, material e limitada. No entanto, a palavra adquire um significado metafórico para simbolizar uma vida que queremos, que almejamos, que desejamos por considerá-la perfeita.
Diferenças entre utopia e distopia
Parte da literatura produzida no século XX nos dá um bom contraponto para a palavra utopia: a literatura distópica, ou a distopia. A distopia foi uma forma de produção literária oposta à ideia de utopia.
Por conta de acumulados de eventos do século XIX, como a ascensão do antissemitismo na Europa, um pensamento extremamente cientificista e positivista, e o surgimento de filosofias não racionalistas, como o existencialismo; e do século XX, como a I e II Guerra Mundial e, principalmente, a ascensão de governos totalitários, tivemos, como reação, a escrita de livros que contrapõem o que seria uma utopia.
A ideia de bem comum, que já aparecia desde a filosofia política de Aristóteles, foi usurpada por líderes totalitários para criar uma estratégia de dominação das massas. O problema foi quando isso se tornou uma distopia e a ideia de bem comum foi utilizada para uniformizar e dominar pelo terror, como nos regimes totalitários.
Para os humanistas renascentistas e iluministas, racional é aquilo que leva ao bem comum, o que faz muito sentido, como a ideia de paz perpétua de Kant. No entanto, podemos pegar como exemplo quatro livros de literatura distópica nos quais a ideia de bem comum é utilizada para dominar:
- Em Nós, de Evgeni Zamiátin, e Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, o bem comum racional foi utilizado para padronizar a todos e impedir o contraditório, o pensamento diferente.
- Em 1984 e Revolução dos Bichos, de George Orwell, o bem comum racional se apresenta como ferramenta de união da massa contra o inimigo comum.
- Em Farenheit 451, de Ray Bradburry, e O conto da Aia, de Margaret Atwood, a ideia de bem comum racional apresenta-se como ferramenta de manipulação para tornar a sociedade acrítica, eliminando completamente a leitura dos cidadãos.
- Em Laranja mecânica, de Anthony Burgess, a violência tomou conta de uma sociedade com valores morais pervertidos. E, no fim, todas as características levantadas para cada uma das obras distópicas podem ser encontradas nas outras obras.
Enquanto a utopia é algo tão surreal que dá vontade de vivê-la, a distopia é algo tão real (no sentido do realismo literário, que procura na visceralidade de uma humanidade doente algum significado) que ninguém a quer para si.
Utopia na economia
Quem nunca quis viver num sistema econômico perfeito, em que há pleno emprego, não há pobreza e desigualdade social, no qual todos têm o que comer e onde morar? Um lugar onde os serviços públicos funcionam bem, onde as pessoas têm acesso à saúde e educação de qualidade, onde todos têm acesso à cultura e ao lazer? Seria isso uma utopia econômica? Sim e não.
Com base na realidade de nosso país, que está longe de ser uma utopia, tendemos a pensar que o que foi apresentado acima seria uma utopia econômica (na verdade uma utopia do Índice de Desenvolvimento Humano proporcionado pelo bom funcionamento de um sistema econômico). No entanto, já existem, no mundo contemporâneo, economias que conseguem proporcionar tais benefícios.
Qual país oferece isso à população? Usando um raciocínio simples, poderíamos pensar em Estados Unidos (maior economia do mundo), forte economicamente e com capacidade para prover bem-estar para a população. No entanto, os países que mais se aproximam do que seria uma utopia são os países nórdicos da Europa (Dinamarca, Noruega, Finlândia, Islândia e Suécia), e parte da União Europeia, como Alemanha e Suíça (esta última tem o maior IDH do mundo de acordo com rankings mais recentes).
Utopia na religião
Partindo do pressuposto de que as religiões se baseiam em narrativas míticas para apresentar uma espécie de verdade, revelada por profetas, ou por escritos, ou por pessoas iluminadas (sacerdotes) ou por pessoas que se conectam diretamente ao sobrenatural (xamãs), as religiões parecem sempre trabalhar com um horizonte utópico. No entanto, precisamos numerar algumas que apresentam ideias mais próximas de uma utopia:
- Cristianismo: a ideia de um Reino de Deus é uma utopia, em que reina a perfeição. A própria noção de paraíso após o juízo final também é uma noção utópica.
- Judaísmo: os povos judeus, diferentemente dos cristãos, ainda esperam a vinda de um messias. A ideia de messianismo é extremamente utópica, pois pressupõe um movimento de caminho para a perfeição com a chegada do messias.
- Islamismo: o jannah (paraíso para os muçulmanos) seria a representação utópica de perfeição dentro da religião islâmica.
- Hinduísmo: o conceito de moksha seria uma aspiração utópica para os praticantes do hinduísmo, pois representaria a perfeição do espírito, que não precisaria mais reencarnar.
- Budismo: para a doutrina budista, mais próxima de uma filosofia oriental do que de uma religião, o nirvana representaria o estado ideal do espírito, que não necessitaria mais reencarnar.
Utopia na literatura
Além do livro Utopia, de Thomas More, podemos numerar algumas outras obras literárias com caráter utópico:
- A Cidade do Sol (1602): escrito por Tommaso Campanella, o livro retrata uma sociedade ideal organizada pela justiça nos termos platônicos — por meio da razão. Na sociedade utópica do livro, não existe propriedade privada e o conhecimento é valorizado.
- Nova Atlântida (1627): escrito por Francis Bacon, este livro apresenta uma sociedade ideal baseada na ciência e tecnologia (inspirada na sua ideia de Novum Organon, uma nova filosofia que superaria o tomismo-aristotélico), em que a pesquisa científica seria incentivada para atingir ao bem comum.
Saiba mais: Afinal, qual é a diferença entre moral e ética?
Utopia na tecnologia

Aguardamos, ansiosamente, a criação dos tão esperados carros voadores. Isso seria uma utopia tecnológica, como aquela sociedade moldada no cartoon Os Jetsons, dos Estúdios Hannah-Barbera. Enquanto não temos nossos carros voadores, vemos cada vez mais aquilo que era considerado utopia tecnológica no passado sendo concretizado como realidade.
A comunicação está em um nível avançadíssimo de autonomia. Temos como exemplos:
- a inteligência artificial generativa;
- a internet e os centros de difusão de informação;
- a alta tecnologia em meios de transporte;
- a alta qualidade gráfica de animações e games, enfim.

Vivemos em um momento de ruptura entre o que era utopia tecnológica no passado e o que se torna, cada vez mais, possibilidade real.
Nota
|1| COELHO NETTO, José Teixeira. O que é Utopia? Col . Primeiros Passos. São Paulo: Círculo do Livro, 1980.
Fontes
COELHO NETTO, José Teixeira. O que é Utopia? Col . Primeiros Passos. São Paulo: Círculo do Livro, 1980.
MORE, Thomas. Utopia: edição bilíngue (latim-português). Trad. Paulo Neves. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016.