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Franz Boas é um antropólogo alemão radicado nos EUA, conhecido como “pai da antropologia americana”. Um dos maiores expoentes da corrente culturalista na antropologia, sua influência estendeu-se para além de seu tempo, é um dos maiores antropólogos desde o surgimento dessa disciplina enquanto ciência.
Foi um importante opositor do racismo científico, que retratava raça como um conceito biológico, e do evolucionismo cultural, que hierarquizava culturas tratando a sociedade moderna ocidental europeia como o último estágio a ser atingido pelas demais.
Boas introduziu o paradigma do relativismo cultural, que combate a classificação hierarquizante das culturas com base nas suas diferenças culturais, foi pioneiro no método etnográfico, em que a convivência do pesquisador com o povo estudado é parte do processo de pesquisa. Boas revolucionou o conceito de cultura e o modo de estudar culturas. É autor fundamental a quem se interessa pela antropologia.
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Tópicos deste artigo
- 1 - Biografia de Franz Boas
- 2 - Antropologia cultural
- 3 - Civilização
- 4 - Etnologia
- 5 - Etnografia
- 6 - Frases de Franz Boas
Biografia de Franz Boas
Franz Uri Boas nasceu em 9 de julho de 1858, em Minden, Alemanha, vindo de uma família judia. Filho do comerciante Meier Boas e da professora de educação infantil Sophie Meyer, Boas teve uma criação liberal e, desde cedo, teve contato com as ideias que ecoavam das Revoluções de 1848, também denominadas Primavera dos Povos, que ocorreram na Europa central e oriental e reivindicavam liberdades civis e políticas.
Seus pais abraçaram os ideais iluministas, e isso influenciou profundamente sua educação. Ainda na infância, Boas demonstrou interesse pelo estudo das ciências naturais, e nos estudos ginasiais, inclinou-se ao estudo de história natural.
Iniciou seus estudos universitários em geografia, física e matemática, nas Universidades de Heidelberg e Bonn. Em 1881, doutorou-se em física, pela Universidade de Kiel, com a pesquisa Contribuições para a compreensão da cor da água. Trabalhou no departamento de Geografia da Universidade de Berlim. Entre os anos de 1883 e 1884, fez uma expedição geográfica ao norte canadense, na Ilha de Baffin, para estudar os efeitos de características geográficas sobre a cultura dos esquimós. Nisso seu interesse por estudar culturas intensificou-se.
Em 1886, retornou a Berlim para completar seus estudos, e sua tese sobre a cultura esquimó rendeu-lhe a livre-docência (privatdozent) em geografia. No mesmo ano, fez uma expedição etnográfica à Colúmbia Britânica para estudar os nativos da costa noroeste, em especial o povo kwakiutl, que, posteriormente, tornou-se alvo sistemático de suas pesquisas.
Em 1887, Franz Boas naturalizou-se norte-americano e casou-se com Marie Krackowizer. Sua obra pioneira foi Os esquimós centrais, publicada, em 1888, no Sexto Relatório Anual do Departamento Norte-Americano de Etnologia. Em 1889, lecionou na Universidade de Clark e chefiou o recém-criado departamento de Antropologia, porém, em 1892, renunciou a seu posto em protesto à violação de liberdade acadêmica por ele alegada.
A partir de então, foi convidado para ser curador de antropologia do Museu Field, em Chicago, onde trabalhou até 1894. Em 1896, foi curador assistente de etnologia do Museu Americano de História Natural e foi nomeado professor de antropologia física na Universidade de Columbia. Em 1899, foi promovido a professor de antropologia nessa mesma universidade, onde foi diretor do departamento de Antropologia, criou o primeiro doutorado em antropologia dos EUA e trabalhou pelo resto de sua carreira.
Sua influência sobre seus alunos estendeu-se a programas de pesquisa e outros departamentos de antropologia, de modo que Boas contribuiu profundamente na conformação do viés norte-americano dessa área na primeira metade do século XX. Entre seus alunos de maior notoriedade, estão as renomadas antropólogas Ruth Benedict e Margaret Mead e o pensador brasileiro Gilberto Freyre.
Boas dirigiu inúmeros periódicos, foi cofundador da Associação Americana de Antropologia (1902), e presidiu a Associação Norte-Americana para o Progresso da Ciência (1931). Escreveu diversos livros, entre eles A mente do homem primitivo (1911), texto fundamental da antropologia, Arte primitiva (1927) e Raça, linguagem e cultura (1940), coletânea compilada por ele contendo seus textos mais importantes.
Franz Boas teve seis filhos: Helene, Ernst Philip, Hedwig, Gertrud, Henry Herbert e Marie Franziska. Ele faleceu aos 84 anos, em 21 de dezembro de 1942, na cidade de Nova York, Estados Unidos.
Antropologia cultural
Antropologia cultural é uma das grandes divisões da antropologia, as demais são: antropologia biológica, antropologia pré-histórica, antropologia linguística e antropologia psicológica. A antropologia cultural é uma corrente desenvolvida nos EUA com base especialmente no trabalho de Franz Boas. Ela marca a consolidação da antropologia como disciplina autônoma, independente da sociologia.
Abrange tudo que constitui uma sociedade: produção econômica, relações de parentesco, língua, psicologia, artes, religião, sistemas de conhecimento, técnicas, organização política e jurídica. Todavia, seu enfoque é direcionado ao comportamento dos indivíduos enquanto elucidadores da cultura, e não às instituições e seu funcionamento. Assim, as diversas formas de contato: interação, assimilação, aculturação, difusão, bem como as linguagens, são os elementos de apreensão da realidade.
A antropologia cultural ancora suas investigações no método etnográfico e na análise comparativa. A noção de cultura é pluralista e embasada em características históricas e sociais, e não biológicas. Boas foi fundamental para que concepções racialistas, que atribuíam certos comportamentos e traços culturais a características físicas de um povo, fossem suplantadas.
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Civilização
Franz Boas foi crítico da concepção de civilização proveniente das teorias evolucionistas do início da antropologia, influenciadas pelo colonialismo e racialismo, que estabeleciam como ápice civilizacional as sociedades modernas, ocidentais, europeias e norte-americana. Para a antropologia evolucionista, a história da humanidade era única e dividida em três etapas: selvageria, barbárie e civilização. Até então a palavra cultura e a palavra civilização eram associadas aos traços culturais das sociedades ocidentais, tidas como padrão de rebuscamento, sofisticação, complexidade, progresso.
As sociedades ocidentalizadas, isto é, colonizadas, estariam a caminho da civilização, e as sociedades não colonizadas eram consideradas primitivas. Boas mostrou que é possível diferenciar sem hierarquizar. Ele trouxe um novo paradigma ao imprimir à palavra cultura uma perspectiva plural e relativista, isto é, culturas, tomadas com base na concepção alemã de “espírito de um povo” (kultur) e compreendidas como um todo condicionado historicamente, que não poderia ser fragmentado ou hierarquizado.
Assim cada povo tem em sua cultura complexidade, sofisticação, rebuscamento, porém nos padrões próprios e que, portanto, não podem ser avaliados com base nos de outra cultura. Boas não concebia a mentalidade humana como uniforme e nem o desenvolvimento societário como um caminho único e pré-determinado. Ao contrário, afirmava a multiplicidade como fator de compreensão das sociedades.
Etnologia
Etnologia é o estudo de etnias, a análise sistematizada de dados coletados pelo método etnográfico, a interpretação e descrição de um povo com base em sua cultura, folclore, linguagens e, também, a comparação entre culturas. Em seu livro Os métodos da etnologia (1920), Boas critica o método evolucionista e propõe outro que estude cada sociedade em sua própria dinâmica e conforme sua própria história e circunstâncias, sem estabelecer um modelo pelo qual ela seja classificada como atrasada ou moderna, boa ou ruim.
O método evolucionista tentava, ao molde das ciências naturais, estabelecer leis universais de desenvolvimento da civilização que, analiticamente aplicadas a diferentes povos, alocaria eles em diferentes estágios civilizacionais justificáveis por relações causais. Para Boas, “classificar não é explicar”. Ele via cada sociedade como uma totalidade sistêmica que deveria ser compreendida em seu contexto, não derivando de outra sociedade nem evoluindo para outra sociedade, portanto, deveria ser estudada em seus processos específicos no presente, e não conforme leis universais.
No caminho inverso do método evolucionista, que colocava a civilização ocidental como parâmetro para as demais, Boas afirmava que “só a etnologia abre a possibilidade de julgar nossa própria cultura de forma objetiva, na medida em que nos permite abandonar a maneira supostamente evidente de pensar e sentir que determina os fundamentos dessa cultura”.
Leia mais: Etnocentrismo – visão de mundo que qualifica uma cultura em detrimento das demais
Etnografia
Etnografia é a junção de duas palavras: etno (nação) e grafia (escrever). É um dos principais métodos da antropologia e consiste nos estudos descritivos de culturas e sua compilação escrita. Antes que esse termo fosse criado ou que esse método fosse desenvolvido, já ocorriam observações e anotações sobre costumes, crenças e características culturais de outras etnias por parte de viajantes e missionários, informações que por vezes eram repassadas a pesquisadores que as interpretavam.
Esses pesquisadores dos primórdios da antropologia enquanto ciência eram chamados de antropólogos de gabinete, pois não faziam observação direta dos povos que analisavam, baseavam-se em teorias e, quando muito, em dados coletados por terceiros.
Ainda na segunda metade do século XIX, essa prática caiu em declínio, os pesquisadores passaram a conviver com a comunidade analisada, a aprender a língua e a cosmovisão, a partilhar o modo de vida por um período de tempo, para assim construir um estudo capaz de descrever o povo estudado como ele mesmo se vê. Esse modo de apreender a realidade nas ciências sociais é também chamado de observação participante e trabalho de campo.
Franz Boas e Bronislaw Malinowski, especialmente o segundo, são considerados os pais da etnografia enquanto método antropológico. Uma das grandes contribuições de Boas foi romper com a perspectiva evolucionista de categorização entre sociedades simples e complexas, inferiores e superiores, primitivas e civilizadas.
Boas estudava as sociedades como totalidades autônomas, não partia da ideia de que uma sociedade fosse derivada de outra e que houvesse estágios da barbárie até a civilização. Enfatizou a importância da pesquisa de campo e do acesso à linguagem do povo estudado para sua compreensão, assim, a observação direta por parte do pesquisador tornou-se parte indispensável da pesquisa.
Boas buscava o significado dos costumes no contexto particular em que eram praticados. A observação resultava em descrição meticulosa e retranscrição fiel dos dados coletados, em suas próprias palavras: “No campo tudo deve ser anotado: desde os materiais constitutivos das casas até as notas das melodias cantadas pelos Esquimós, e isto detalhadamente, e no detalhe do detalhe”.
Essa prática permite ao antropólogo mergulhar no universo do povo estudado e afastar-se de suas preconcepções até onde seja possível, de modo a descrever aquela sociedade como um membro dela a descreveria ou o mais próximo possível disso. Assim, torna-se possível que o outro não seja retratado conforme a cosmovisão da sociedade do pesquisador, mas da sua própria.
Esse método remodelou a antropologia do século XX e permitiu a ela, dentro das ciências humanas, ser o lugar onde o etnocentrismo das sociedades ocidentais é questionado e a alteridade, isto é, colocar-se no lugar do outro para entendê-lo, passa de método de estudo da diferença a princípio ético dentro e fora de situações de pesquisa.
Frases de Franz Boas
“Todo o serviço, portanto, que um homem pode realizar para a humanidade deve servir para promover a verdade.”
“(…) Os dados da antropologia nos ensinam uma maior tolerância às formas de civilização diferentes da nossa, que devemos aprender a olhar sobre as corridas estrangeiras com maior simpatia e com a convicção de que, como todas as raças contribuíram no passado para o progresso cultural, de uma forma ou de outra, elas serão capazes de fazer avançar os interesses da humanidade se nós só estivermos dispostos a dar-lhes uma oportunidade justa.”
“Cortesia, modéstia, boas maneiras, conformidade com padrões éticos definidos são universais, mas o que constitui cortesia, modéstia, boas maneiras e padrões éticos definidos não é universal. É instrutivo saber que os padrões diferem das maneiras mais inesperadas.”
“A eugenia não deve, portanto, nos iludir com a crença de que devemos tentar criar uma raça de super-homens, nem que seja nosso objetivo eliminar todo sofrimento e dor. (...) A eugenia não é uma panaceia que irá curar doenças humanas; é uma espada perigosa que pode virar sua ponta contra aqueles que confiam em sua força.”
Por Milka de Oliveira Rezende
Professora de Sociologia